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Augusto Nunes

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Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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“Do lápis ao iPhone”, um texto de Yoani Sánchez

TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO Yoani Sánchez O carro chacoalha muito, parece que vai desmontar. Nove passageiros dividem os assentos do interior readaptado desse velho e lamuriento Cadillac que roda muito cedo pelas ruas de Havana. Em meio à decrepitude desse táxi transformado em lotação e ao forte cheiro de querosene, uma garota tira […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 12h27 - Publicado em 27 mar 2011, 20h21
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  • TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO

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    Yoani Sánchez

    O carro chacoalha muito, parece que vai desmontar. Nove passageiros dividem os assentos do interior readaptado desse velho e lamuriento Cadillac que roda muito cedo pelas ruas de Havana. Em meio à decrepitude desse táxi transformado em lotação e ao forte cheiro de querosene, uma garota tira do bolso o último modelo do iPhone lançado no mercado, coloca diante dos seus olhos a tela sensível ao toque dos dedos e começa a assistir a um vídeo de humor para tornar menos enfadonha a viagem.

    Nesta cidade tão peculiar, o empobrecimento e a modernidade dão as mãos, o anacrônico e o futurista convivem, como também o empoeirado e o reluzente. Vivemos uma época de contrastes.

    Apesar da escassez e dos controles, os cubanos têm uma marcante predileção por circuitos e luzes. É raro encontrar algum compatriota que não saiba consertar um liquidificador ou desmontar uma ducha elétrica. Sem essas práticas de “engenheiros sem diploma” não teríamos conseguido prolongar a vida útil de muitos objetos dos quais necessitamos no nosso cotidiano.

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    Claro que existem aqueles que levam os consertos e as invenções ao extremo, construindo um ventilador com o motor de uma máquina de lavar, colorindo a tela do seu velho aparelho de televisão em branco e preto para parecer mais moderno ou fazendo de uma chapa de metal uma eficiente grelha para cozinhar.

    Se a questão é transmitir informações, notícias e programas censurados, a criatividade também dispara e as soluções afloram. As memórias USB passam de mão em mão, transformando-se em periódicos improvisados clandestinos, imperceptíveis por seu tamanho minúsculo e aspecto inocente.

    O apetite por esses artefatos eletrônicos é estimulado pelas restrições que o Estado impõe à sua distribuição. No mercado informal é possível obter tudo o que é proibido. Foi justamente nessas redes ilegais de distribuição que circularam, pela primeira vez, aparelhos de vídeo, fornos microondas, ventiladores de teto e aquecedores de água, quando sua venda era proibida em lojas.

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    Em 2008, quando Raúl Castro autorizou a venda de produtos de informática nas lojas oficiais, alguns de nós já estavam há muito tempo diante da tela de um computador que nós mesmos havíamos fabricado, um verdadeiro “Frankenstein”, montado pedaço por pedaço. Mas, na realidade, muitos desses equipamentos são computadores autistas, que não têm rapidez de conexão, o sopro vital em forma de kilobytes que lhes dá a vida para poder interagir no ciberespaço.

    Agora mesmo, diante do impulso das redes alternativas de informação e da crescente presença de dispositivos de comunicação em mãos do cidadão, a resposta oficial não se fez esperar. Sob o título Las Razones de Cuba, nas noites de segunda-feira é transmitido um seriado produzido pelo Ministério do Interior em que, entre outras coisas, o uso da tecnologia que extrapole o institucional é satanizado.

    Embora o roteiro seja repetitivo e às vezes cansativo, cada capítulo traz também alguma surpresa. Desde a descoberta de um agente secreto infiltrado nas fileiras do jornalismo independente até as confissões de um jovem que transformou uma antena parabólica numa prancha de surfe.

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    Há de tudo, com o tempero, é claro, de uma boa dose de teoria da conspiração e de antiimperialismo. Em 30 minutos, essa saga no pior estilo de um Big Brother apresenta também conversas telefônicas de clientes sócios da única empresa de celulares existente no país e gravações feitas com câmaras ocultas de cidadãos que não se escondem na hora de fazer suas críticas ou de se associar com base nas suas reivindicações.

    Talvez essas revelações sejam o modo escolhido para nos fazer lembrar que os aparelhos tecnológicos não só permitem aos indivíduos escapar da possessiva máquina estatal, mas também servem a ela para nos vigiar.

    Pela nossa telinha desfilam especialistas explicando as novas ameaças que se infiltram na ilha e oficiais da inteligência que pervertem o Twitter, o Facebook e a Web 2.0. Os ecos do Egito e Tunísia fazem com que a nossa polícia política procure estigmatizar a tecnologia, associando-a ao inimigo.

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    Improviso. A questão é impedir, a qualquer custo, que os cubanos se reúnam e se mobilizem por meio de redes sociais ou de telefones celulares. Para afastar essa possibilidade, o novo seriado traz uma advertência para os jovens, esses inquietos adolescentes cujos dedos são ágeis na hora de enviar um SMS, que estão fascinados pelo intercâmbio de arquivos via bluetooth. É hora de dar um susto nesses atrevidos e uma lição para aqueles que renegam o abraço institucional e se deixam subjugar pelo fluxo dos kilobytes.

    Contudo, o efeito dessa reprimenda é muito pequeno no caso daqueles deslumbrados pelas teclas e pixels. A era do lápis, como a do monopólio estatal sobre a informação, está chegando ao fim. Uma mulher com um iPhone dentro de um carro caindo aos pedaços confirma isso, iluminando com sua tela a penumbra do ultrapassado, acelerando o chacoalhar de algo que está a ponto de desmontar.

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