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Puro sumo de Brasil

A disfuncionalidade não pode ser algo natural

Por Alon Feuerwerker Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h20 - Publicado em 16 jan 2022, 08h00

Não é uma característica só do Brasil, mas aqui o problema vem atingindo patamares extremos: o modus operandi do sistema político-comunicacional-­institucional vai se mostrando pouco compatível com a busca da eficiência das políticas públicas. O exemplo mais recente são os bate-bocas sobre a reforma trabalhista e o teto de gastos.

Como deveria funcionar, se fosse razoável? Tomar-se-iam decisões. A partir dos resultados, seriam feitos os ajustes. Claro que a política não é um “sistema ideal”, envolve disputas não necessariamente movidas pela “busca da verdade”, longe disso. Mas daí a aceitar como natural a absoluta disfuncionalidade vai certa distância.

É esperado que os proponentes da reforma trabalhista e do teto de gastos os defendam com fervor. E deveria ser recebido com a mesma naturalidade que os oponentes das medidas surfem sobre o que apontam como consequências duvidosas.

A reforma trabalhista corrigiu algumas distorções. Duas delas: a proliferação desenfreada de sindicatos cartoriais, criados unicamente para operar a contribuição sindical, e a indústria de ações trabalhistas. Mas, de carona, passou-se a boiada, com uma maioria congressual de centro-direita aproveitando a momentânea correlação de forças no governo Michel Temer.

É do jogo, dirão. Então também é do jogo que, chegada a eleição, a esquerda possa perguntar “onde estão os empregos que a reforma garantiu que seriam criados?”.

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“É fundamental preservar o teto de gastos, dizem. Desde que, é claro, todo ano possa se dar um jeito de driblar o teto de gastos”

Numa discussão algo honesta, talvez alguém pudesse concluir que implodir os sindicatos de trabalhadores tenha algo a ver com a deterioração da participação do trabalho na renda nacional. E que o lucro não se realiza no aumento da produtividade da força de trabalho, realiza-se quando o produto encontra comprador.

Não fosse assim, a escravidão não teria ficado obsoleta.

E o sacrossanto teto de gastos? A polêmica sobre ele é puro sumo de Brasil. É fundamental preservar o teto de gastos, dizem. Desde que, é claro, todo ano possa se dar um jeito de driblar o teto de gastos. Uma hora é a pandemia, outra hora são os precatórios, ou mesmo os programas sociais. Qual será o motivo para romper o teto de gastos em 2022?

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Sejamos generosos. Suponhamos que um teto de gastos é mesmo necessário. Não seria mais razoável se ele fosse calculado sobre a arrecadação, em vez de ser a despesa do ano anterior mais a inflação?

Em 2021, o dinheiro recolhido dos impostos ficou bem acima do esperado, mas o país foi lançado à turbulência política quando o governo Bolsonaro informou que ultrapassaria o teto para ampliar o Auxílio Brasil.

Por algumas semanas pareceu, ou fez-se parecer, que o país estava à beira da insolvência, que o colapso das contas públicas se avizinhava, com as óbvias decorrências macroeconômicas. Ao fim e ao cabo a montanha pariu não um rato, mas um colibri, pois a música dos números fiscais do fechamento de 2021 veio muito boa, melhor que as previsões mais otimistas.

Esse, aliás, foi outro puro sumo de Brasil.

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Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772

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