A zona de conforto e a gasolina
As redes sociais alçam ao debate polêmicas criadas em laboratórios
Um aspecto menos abordado da influência das redes sociais é os políticos terem podido entrar numa zona de conforto. Manifestam-se sem muita possibilidade de questionamento, e suas manifestações são distribuídas em geral a seco pelos veículos. Pois estes precisam informar, e não podem se dar ao luxo de ignorar o que é dito por quem está no poder, ou quer estar.
No passado, para aparecer, o político precisava expor-se. Isso ainda não foi neutralizado de todo, mas ficou mais administrável. Claro que com a hegemonia das redes no debate público vem junto a possibilidade cada vez maior de políticos serem alvo de críticas. Mas há aí dois pontos. Os críticos e as suas críticas costumam trafegar preferencialmente dentro de bolhas. E “crítica” é muito diferente de “questionamento”.
Perguntas podem causar bem mais danos que afirmações.
Uma consequência do novo ecossistema é anabolizar o domínio dos políticos sobre a agenda. Eles tuítam alguma coisa, aí o tuíte é distribuído e passa-se à repercussão. Se políticos não precisam responder a perguntas incômodas, o debate público tende a orbitar em torno de polêmicas criadas em laboratório. Arranca-rabos geneticamente modificados para causar o menor dano possível ao “projeto”.
“Há perguntas sobre combustíveis à espera de uma oportunidade de serem feitas. E talvez respondidas”
E por falar em agenda, dois ensaios brilham por estes dias: se Geraldo Alckmin vai ser o vice de Luiz Inácio Lula da Silva; e se Jair Bolsonaro vai ou não para o Partido Liberal (PL). Temas relevantes, mas talvez o distinto público esteja mais interessado em outros, que mais diretamente afetam a sobrevivência. Um: que medida concreta o eleito adotará para baixar o preço dos combustíveis?
O que será que os nossos presidenciáveis pensam a respeito?
Aguardam-se respostas concretas. Sem rolando lero. E o assunto abre muitas possibilidades. Como baratear os combustíveis fósseis ao mesmo tempo que, para salvar o planeta, se assume o compromisso de reduzir a produção e o consumo de combustíveis fósseis? Como desatar o nó sem revogar a lei da oferta e da demanda?
Esse debate traz naturalmente a discussão sobre a Petrobras. A ideia de privatizar a estatal encontra estrada bem mais livre para trafegar do que no passado. Tem o efeito Lava-Jato. E tem o efeito “deixa os preços flutuarem”. Em geral para cima. Mas ninguém explicou ainda como e por que transformar o monopólio estatal em monopólio ou oligopólio privado melhoraria a vida do consumidor. Tampouco se explica como seria possível criar um ambiente de concorrência no ramo.
A privatização por enquanto, apesar de todo o buzz, é só uma miragem. A vida real exige dar prioridade aos problemas imediatos. As primeiras coisas primeiro, diz o ditado anglo-saxão. Como controlar o preço dos combustíveis em regime de monopólio da Petrobras sem ferir os direitos dos acionistas minoritários? Então, além de pensar em privatizar, não seria o caso de colocar na mesa a possibilidade de fechar o capital da empresa?
São algumas perguntas à espera de uma oportunidade de serem feitas. E talvez respondidas.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765