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Alexandre Schwartsman

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Economista, ex-diretor do Banco Central
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Nosso espelho sombrio

A Argentina é um modelo do que não se deve fazer em economia

Por Alexandre Schwartsman
Atualizado em 4 jun 2024, 10h14 - Publicado em 27 out 2023, 06h00
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  • Não falta quem defenda no Brasil novas rodadas de aumento do gasto público, de preferência acompanhadas por reduções generosas das taxas de juros, que supostamente permitiriam a redução das despesas financeiras e o aumento das despesas primárias.

    À primeira vista, a coisa pode parecer fazer certo sentido, até que examinemos como tal combinação de política econômica funcionou no nosso principal vizinho e parceiro regional, a Argentina.

    De fato, os preços ao consumidor na Argentina aumentaram nada menos do que 138% nos últimos doze meses. Mesmo essa medida, porém, subestima a velocidade de deterioração da inflação platina: em agosto e setembro ela atingiu cerca de 12% ao mês, pouco menos que o dobro do registrado nos meses anteriores.

    Vale dizer: na ponta, a inflação argentina roda próximo a 300% ao ano, mesmo com controles de preços, subsídios a serviços públicos e vasta interferência governamental na formação de preços, incluindo um número considerável, ainda que indefinido, de taxas de câmbio.

    Não se chega a tamanho grau de desarranjo sem um trabalho sério e persistente de sabotagem das condições macroeconômicas. O governo não registra superávit primário, pelo menos, desde 2011. O Banco Central, por outro lado, mantém as taxas reais de juros em terreno negativo desde o início de 2020.

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    Somando o risco de calote, por força do desequilíbrio das contas públicas, às taxas negativas de juros, temos fuga de capital, que se materializa num dólar a cada dia mais caro e reservas mais escassas (provavelmente negativas), realimentando a alta de preços e, com ela, recessão e miséria. Dito de outra forma, não há âncora fiscal (controle do gasto) nem monetária (taxas de juros reais positivas) que segurem a inflação.

    “Na ponta, a inflação argentina roda próximo a 300% ao ano, mesmo com controle de preços”

    Dado que o vencedor do primeiro turno das eleições presidenciais, Sergio Massa, é nada menos do que o ministro da Economia que preside atualmente sobre a enorme desordem econômica, é para lá de duvidoso que tenha condições de corrigir o problema. Não que o segundo colocado, o libertário Javier Milei, as detenha. Além da proposta esdrúxula (e inexequível) de dolarizar a economia argentina, não trouxe qualquer conteúdo minimamente ajuizado sobre como tratar os males do país.

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    O mau desempenho argentino tem efeitos negativos para o Brasil. Trata-se do quarto maior comprador de nossos produtos (cerca de 5% das nossas exportações; 11% na virada do século) e terceiro maior no que respeita às exportações da indústria de transformação (8% hoje, contra 12% há dez anos).

    Sua instabilidade ainda contamina o Mercosul, arranjo que há muito se tornou disfuncional e que impede, às vezes como mera desculpa, a busca de integração mais profunda com fluxos internacionais de comércio, em particular com a União Europeia.

    Infelizmente, a esta altura do campeonato, a principal, senão única, utilidade para a Argentina é servir de espelho sombrio acerca do que pode ocorrer por aqui caso os autodenominados “desenvolvimentistas” sigam dando as cartas na política econômica no Brasil, primeiro minando a responsabilidade fiscal, para depois fazerem o mesmo com a responsabilidade monetária.

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    Muito pouco, convenhamos, para um país que um dia correu o risco de ficar rico.

    Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865

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