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Trechos inéditos de livros que estarão em breve nas prateleiras. Editado por Luísa Costa.
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Leia os 3 primeiros capítulos do livro inédito de Elena Ferrante

'História da Menina Perdida' encerra a tetralogia napolitana e chega amanhã às livrarias

Por Luísa Costa Atualizado em 26 abr 2017, 17h03 - Publicado em 26 abr 2017, 16h45
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  • A história de Lila e seu misterioso sumiço, narrada por sua amiga Lenu, já fez muitos leitores roerem as unhas. Agora, enfim, encontra seu desfecho: o quarto (e último) livro da série napolitana, História da Menina Perdida (Biblioteca Azul, 480 págs., R$ 49,90), da “escritora italiana” Elena Ferrante, chega às prateleiras brasileiras amanhã (27) e promete ser uma ótima leitura para o feriado.

    Se abrimos aspas aqui também ao tratar da autora, é porque até aí o mistério que envolve sua obra alcança: ninguém sabe a quem pertence o pseudônimo e nenhuma pessoa física veio a público assumir os louros do best-seller, ou mesmo comemorar a indicação ao prêmio Man Booker International no ano passado. Muitos tentaram descobrir quem é, afinal, a autora, mas talvez tenha se perdido na questão de sua obra: onde está Lila?

    Embora esteja sussurrada nas entrelinhas, a pergunta amarra outras tensões que não deixam o leitor desgrudar os olhos das páginas: a disputa entre as duas amigas, sua infância pobre em Nápoles, a máfia italiana, a violência doméstica, traições e as angústias da maternidade.

    Confira, em primeira mão, os três primeiros capítulos da intrigante história:

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    1.
    A partir de outubro de 1976 até 1979, quando voltei a morar em Nápoles, evitei restabelecer uma relação estável com Lila. Mas não foi fácil. Ela procurou quase imediatamente entrar mais uma vez à força em minha vida, e eu a ignorei, a tolerei, a suportei. Mesmo se comportando como se só desejasse estar perto de mim em um momento difícil, eu não conseguia esquecer o desprezo com que me tratara.

    Hoje penso que, se o que me feriu tivesse sido apenas o insulto — você é uma cretina, ela me gritou por telefone quando lhe contei de Nino, e jamais acontecera antes, nunca, de ela me falar daquele modo —, eu logo teria recobrado a calma. Na verdade, mais que a ofensa, machucou a menção a Dede e a Elsa. Pense no mal que você está fazendo a suas filhas, me advertiu, e na hora não dei importância a isso. Mas ao longo do tempo aquelas palavras adquiriram cada vez mais peso, e tornei a pensar nelas com frequência.

    Somente agora — seguramente por ciúmes, porque eu me juntara a Nino — se recordara das meninas e tinha desejado sublinhar que eu era uma péssima mãe, que, buscando ser feliz a todo custo, estava causando a infelicidade delas.

    Lila nunca havia manifestado o menor interesse por Dede e Elsa, quase com certeza nem sequer lembrava seus nomes. As vezes em que mencionei alguma tirada inteligente das meninas por telefone, ela cortou a conversa e mudou de assunto. E, quando as encontrou pela primeira vez na casa de Marcello Solara, limitou-se a um olhar distraído e a poucas frases genéricas, não deu a mínima atenção ao modo como estavam vestidas, bem penteadas, ambas capazes — embora ainda fossem pequenas — de se expressar com propriedade. No entanto elas haviam nascido de mim, eu as criara, eram parte de mim, sua amiga desde sempre: deveria ter dado espaço — não digo por afeto, mas ao menos por gentileza — ao meu orgulho de mãe. No entanto nem sequer recorrera a uma ironia benévola, demonstrou apenas desinteresse, e só. Somente agora — seguramente por ciúmes, porque eu me juntara a Nino — se recordara das meninas e tinha desejado sublinhar que eu era uma péssima mãe, que, buscando ser feliz a todo custo, estava causando a infelicidade delas. Assim que eu pensava nisso, ficava nervosa. Lila por acaso se preocupou com Gennaro quando abandonou Stefano, quando deixou o menino com a vizinha por causa do trabalho na fábrica, quando o mandou para mim quase para se livrar dele? Ah, eu tinha lá minhas culpas, mas sem dúvida era mais mãe do que ela.

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    Vamos — me diria —, nos conte que rumo sua vida tomou, quem se importa com a minha, confesse que ela não interessa nem mesmo a você. E concluiria: eu sou um rascunho em cima de um rascunho, totalmente inadequada para um de seus livros; me deixe em paz, Lenu, não se narra um apagamento.

    2.

    Pensamentos desse tipo se tornaram uma constante naqueles anos. Foi como se Lila, que no fim das contas só havia pronunciado aquela única frase pérfida sobre Dede e Elsa, tivesse se tornado a advogada defensora de suas necessidades de filhas, e eu me sentisse obrigada a demonstrar a ela que estava errada toda vez que as negligenciava para cuidar de mim. Mas se tratava apenas de uma voz inventada pelo mau humor: o que ela realmente pensava sobre minhas atitudes de mãe eu de fato não sabia. Ela é a única que pode dizê-lo, se é verdade que conseguiu inserir-se nesta cadeia longuíssima de palavras para modificar meu texto, para introduzir com astúcia alguns elos faltantes, para desatar outros sem se dar a ver, para falar de mim mais do que eu tenho vontade, mais do que sou capaz de dizer. Torço por essa sua intrusão, espero por isso desde que comecei a esboçar nossa história, mas preciso chegar ao fim e submeter todas estas páginas a uma verificação. Se eu tentasse fazer isso agora, certamente travaria. Estou escrevendo há muito tempo e estou cansada, é cada vez mais difícil manter esticado o fio do relato dentro do caos dos anos, dos acontecimentos miúdos e grandes, dos humores. Sendo assim, ou tendo a passar por cima dos fatos relacionados a mim para logo agarrar Lila pelos cabelos com todas as complicações que ela tem, ou, pior, deixo-me tomar pelos acontecimentos de minha vida apenas porque os desembucho com mais facilidade. Mas tenho de me furtar a essa encruzilhada. Não devo seguir o primeiro caminho, no qual — já que a própria natureza de nossa relação impõe que eu só possa chegar a ela passando por mim — eu acabaria, caso me colocasse de fora, encontrando cada vez menos vestígios de Lila. Nem devo, por outro lado, seguir o segundo. De fato, o que ela com certeza mais apoiaria é que eu falasse de minha experiência cada vez mais profusamente. Vamos — me diria —, nos conte que rumo sua vida tomou, quem se importa com a minha, confesse que ela não interessa nem mesmo a você. E concluiria: eu sou um rascunho em cima de um rascunho, totalmente inadequada para um de seus livros; me deixe em paz, Lenu, não se narra um apagamento.

    Então o que fazer? Mais uma vez dar razão a ela? Aceitar que ser adulto é parar de se mostrar, é aprender a se esconder até se dissipar? Admitir que, quanto mais os anos avançam, menos eu sei de Lila?

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    Nesta manhã, tento controlar o cansaço e volto à escrivaninha. Agora, que estou perto do ponto mais doloroso de nossa história, quero buscar na página o equilíbrio entre mim e ela que, na vida, não consegui encontrar sequer comigo mesma.

     

    3.

    Dos dias em Montpellier me lembro de tudo, exceto da cidade: é como se nunca tivesse estado lá. Afora o hotel, afora a monumental sala magna onde ocorria o congresso acadêmico de que Nino participava, hoje vejo apenas um outono ventoso e um céu azul apoiado em nuvens brancas. No entanto, por muitos motivos, aquele topônimo — Montpellier — ficou em minha memória como um sinal de evasão. Eu já tinha estado uma vez fora da Itália, em Paris, com Franco, e me sentira eletrizada por minha própria audácia. Mas então me pareceu que meu mundo era e continuaria sendo para sempre o bairro, Nápoles, ao passo que o resto era como uma breve escapada em cujo clima de exceção eu podia me imaginar como de fato nunca seria. Já Montpellier, que no entanto era bem menos excitante que Paris, me deu a sensação de que minhas barreiras tinham se rompido e que eu estava me expandindo. O puro e simples fato de me encontrar naquele lugar constituía a meus olhos a prova de que o bairro, Nápoles, Pisa, Florença, Milão e a própria Itália eram apenas fragmentos minúsculos de mundo, e que seria bom eu não me contentar mais com aqueles fragmentos. Em Montpellier percebi a limitação do olhar que eu tinha, da língua com que me expressava e com a qual tinha escrito. Em Montpellier me pareceu evidente quanto poderia ser estreito ser esposa e mãe aos trinta e dois anos. E por todos aqueles dias densos de amor pela primeira vez me senti libertada dos vínculos que acumulara ao longo dos anos, os vínculos devidos à minha origem, os que eu havia adquirido com o sucesso nos estudos, os que derivavam das escolhas de vida que fizera, sobretudo do casamento. Ali também compreendi as razões do prazer que experimentei no passado ao ver meu primeiro livro traduzido em outras línguas e, ao mesmo tempo, as razões do desprazer por ter conquistado poucos leitores fora da Itália. Era maravilhoso ultrapassar fronteiras, deixar-se ir a outras culturas adentro, descobrir a provisoriedade do que eu tinha tomado por definitivo. Se no passado eu tinha julgado o fato de Lila jamais ter saído de Nápoles — assustando-se até com San Giovanni a Teduccio — como uma escolha discutível, mas que ela saberia como sempre reverter em sua vantagem, agora aquilo me parecia simplesmente um sinal de estreiteza mental. Reagi como quando se reage a quem nos insulta com a mesma fórmula que nos ofendeu. Você se enganou a meu respeito? Não, querida, fui eu, eu que me enganei: você vai ficar a vida toda vendo os caminhões passarem pelo estradão.

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    Os dias voaram. Os organizadores do congresso tinham reservado há tempos para Nino um quarto individual em um hotel e, como me decidi a acompanhá-lo muito tarde, não houve jeito de substituí-lo por um de casal. Portanto, estávamos em quartos separados, mas toda noite eu tomava uma ducha, me preparava para a noite e, com o coração batendo forte, ia visitá-lo em seu quarto. Dormíamos juntos, agarrados um ao outro como se temêssemos que uma força hostil nos separasse durante o sono. De manhã pedíamos o café no quarto e gozávamos daquele luxo que eu só tinha visto no cinema, ríamos muito, estávamos felizes. Durante o dia eu o acompanhava ao auditório do congresso e, embora os palestrantes lessem páginas e páginas eles mesmos com um tom entediado, estar com ele me entusiasmava, e eu sentava a seu lado sem o perturbar. Nino acompanhava todas as falas com muita atenção, tomava notas e de vez em quando me sussurrava no ouvido comentários irônicos e palavras de amor. No almoço e no jantar, nos misturávamos aos acadêmicos de meio mundo, nomes estrangeiros, línguas estrangeiras. Claro, os conferencistas de maior prestígio ficavam numa mesa só para eles, nós participávamos de uma grande mesa de estudiosos mais jovens. Mas me espantei com a desenvoltura de Nino, seja durante os trabalhos, seja no restaurante. Como era diverso do aluno de antigamente, até mesmo do jovem que me defendera na livraria de Milão quase dez anos antes. Tinha deixado de lado o tom polêmico, atravessava com tato as barreiras acadêmicas, estabelecia relações com um ar sério e ao mesmo tempo cativante. Ora em inglês (ótimo), ora em francês (bom), conversava de maneira brilhante, exibindo seu velho culto das cifras e da eficiência. Me senti cheia de orgulho pelo seu sucesso. Em poucas horas se tornou simpático a todos, que o requisitavam para cá e para lá.

    Insistiu na flexibilidade que atribuía à infância, me pareceu que isso a apaziguava. Acrescentou: em nosso meio é bastante comum que os pais se separem, os filhos sabem que é possível.

    Houve apenas um momento em que mudou bruscamente, na noite anterior a sua fala no congresso. Tornou-se ríspido e indelicado, me pareceu tomado pela ansiedade. Começou a falar mal do texto que tinha preparado, repetiu várias vezes que, para ele, escrever não era tão fácil quanto para mim, irritou-se por não ter tido tempo de trabalhar bem. Me senti culpada — foi nosso caso complicado que o distraiu? — e tentei remediar abraçando-o, beijando-o, incentivando-o a ler sua fala para mim. Ele leu, e eu me comovi com seu ar de aluninho assustado. O texto me pareceu não menos tedioso que os outros que eu tinha ouvido no auditório, mas o elogiei muito, e ele se acalmou. Na manhã seguinte se exibiu com um ímpeto recitado, e foi aplaudido. À noite, um dos acadêmicos de prestígio, um norte-americano, o convidou a se sentar ao lado dele. Fiquei sozinha, mas não me incomodei. Quando Nino estava presente eu não conversava com ninguém, mas na sua ausência tive de me arranjar com meu francês precário e fiz amizade com um casal de Paris. Gostei deles porque logo descobri que estavam numa situação não muito diferente da nossa. Ambos consideravam sufocante a instituição da família, ambos haviam deixado para trás dolorosamente filhos e cônjuges, ambos pareciam felizes. Ele, Augustin, com seus cinquenta anos, tinha o rosto avermelhado e olhos azuis muito vivos, além de um grande bigode louro. Ela, Colombe, pouco mais de trinta anos como eu, tinha cabelos pretos curtíssimos, olhos e lábios desenhados com força em um rosto pequeno, uma elegância encantadora. Falei principalmente com Colombe, que tinha um filho de sete anos.

    ‘Ainda faltam uns meses’, falei, ‘para que minha primeira filha faça sete, mas neste ano ela já vai para o segundo ano do fundamental, é excelente.’
    ‘O meu é muito esperto e fantasioso.’
    ‘Como ele encarou a separação?’
    ‘Bem.’
    ‘Não sofreu nem um pouco?’
    ‘As crianças não têm a nossa rigidez, são bem mais flexíveis.’

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    Insistiu na flexibilidade que atribuía à infância, me pareceu que isso a apaziguava. Acrescentou: em nosso meio é bastante comum que os pais se separem, os filhos sabem que é possível. Mas justo quando lhe dizia que eu, ao contrário, não conhecia outras mulheres separadas exceto uma amiga minha, ela mudou bruscamente de registro e começou a lamentar-se do menino: ele é ótimo, mas lento — exclamou —, na escola dizem que é desorganizado. Fiquei muito surpresa que tivesse passado a se expressar sem ternura, quase com rancor, como se o filho se comportasse daquele modo para feri-la, e isso me deixou ansiosa. Seu companheiro deve ter percebido e se intrometeu, gabou-se de seus dois rapazes, um de catorze e outro de dezoito, brincou sobre como eles atraíam tanto as mulheres jovens quanto as maduras. Quando Nino voltou a se sentar a meu lado, os dois homens — sobretudo Augustin — passaram a falar malíssimo da maior parte dos palestrantes. Colombe se meteu quase imediatamente na conversa com uma alegria meio artificial. A maledicência criou vínculos rapidamente, Augustin falou e bebeu muito a noite toda, sua companheira ria assim que Nino conseguia abrir a boca. Os dois nos convidaram a ir a Paris com eles, de carro.

    ‘Não, não volte. Nem eu, nem as meninas, nem minha mãe queremos ver você de novo.’

    As conversas sobre os filhos, e aquele convite ao qual não respondemos nem sim nem não, me fizeram recolocar os pés no chão.
    Até aquele momento Dede e Elsa tinham voltado à minha mente com insistência, e Pietro também, mas como suspensos num universo paralelo, imóveis ao redor da mesa da cozinha de Florença, ou diante da televisão, ou em suas camas. De repente meu mundo e o dele voltaram a se comunicar. Percebi que os dias de Montpellier estavam para terminar, que inevitavelmente Nino e eu retornaríamos às nossas casas, que precisaríamos enfrentar as respectivas crises conjugais, eu em Florença, ele, em Nápoles. O corpo de minhas meninas se reintegrou ao meu, e senti violentamente seu contato. Há cinco dias não sabia nada sobre elas e, ao me dar conta disso, senti uma náusea intensa, e a saudade se tornou insuportável. Tive medo não do futuro em geral, que agora parecia imprescindivelmente ocupado por Nino, mas das horas que estavam por vir, do amanhã, do depois de amanhã. Não consegui me segurar e, embora já fosse quase meia-noite — que importância tem, disse a mim mesma, Pietro está sempre acordado —, tentei telefonar.

    Foi algo bastante trabalhoso, mas por fim consegui uma linha. Alô, falei. Alô, repeti. Sabia que do outro lado estava Pietro, e o chamei pelo nome: Pietro, é Elena, como as meninas estão. A comunicação se interrompeu. Esperei alguns minutos e então pedi à telefonista que ligasse de novo. Estava determinada a insistir durante a noite toda, mas desta vez Pietro respondeu.
    ‘O que você quer?’
    ‘Me fale das meninas.’
    ‘Estão dormindo.’
    ‘Eu sei, mas como elas estão?’
    ‘E você se importa com isso?’
    ‘São minhas filhas.’
    ‘Você as abandonou, não querem mais ser suas filhas.’
    ‘Disseram isso a você?’
    ‘Disseram a minha mãe.’
    ‘Você chamou Adele?’
    ‘Sim.’
    ‘Diga que estou voltado daqui a uns dias.’
    ‘Não, não volte. Nem eu, nem as meninas, nem minha mãe
    queremos ver você de novo.'”

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