No mais superficial, essa é a notícia:
Os últimos 7 dias foram intensos para o YouTube Brasil. Na quarta-feira (5), o popularíssimo site de streaming do Google promoveu o principal evento da marca, em São Paulo, o Fanfest / Brandcast. Na sexta passada (30), anunciou que dentre as dez celebridades brasileiras com maior poder e influência entre jovens, cinco são youtubers. No ínterim, o humorista Whindersson Nunes, com quase 13 milhões de fãs, passou o Porta dos Fundos como o maior canal do YouTube no país – o que foi anunciado com fervor pelos googlers, o apelido dado aos membros da tropa de funcionários do Google. Contudo, o mais importante é o que esses fatos exibem e não, digamos, os fatos em si. E do que se trata todo esse show?
Há uma mensagem clara nisso tudo. Uma que pode ser traduzida em trechos de uma das músicas que a cantora Karol Conka apresentou no palco do Brandcast: “É o poder, aceita porque dói menos (…) É o poder, o mundo é de quem faz (…) Sociedade em choque, eu vim pra incomodar / Aqui o santo é forte, é melhor se acostumar.” Portanto, o YouTube quer – e peço licença pra ser direto – colocar o p(*) na mesa. Ou seja, mostrar que tem esse “poder” todo. E, não só isso, que usa esse “poder” como bem entender.
Com isso, a marca prova a que veio. A primeira parte de seu megaevento na quarta-feira foi dedicada aos fãs. Jovens se acotovelavam, gritavam, para ver cada um dos mais de 120 youtubers que estavam no evento. Lá se destacam, por exemplo, Whindersson Nunes, Nilce (do canal Coisa de Nerd), Luba e Julio Cocielo, quatro daqueles cinco youtubers mais influentes dentre jovens. Aliás, no top 10 (que conta com celebridades da TV, também, a exemplo de Luciano Huck), havia apenas um homossexual, Luba, justamente vindo do YouTube.
“Sei que agora posso usar toda a influência que ganhei com meu público de milhões para, inclusive, defender causas nas quais aposto”, disse-me Whindersson Nunes que, em um de seus últimos vídeos, “Tempo de política nos (sic) interior”, se apoiou em suas piadas para criticar a atuação de candidatos em cidades pequenas.
Sim, vale colocar esse peso na balança. A grande maioria dos fãs de youtubers entra no site em busca de se divertir, tão-somente. E há uma parcela enorme de crianças, jovens, indivíduos que ainda talvez nem sejam ativos profissionalmente e/ou politicamente. Entretanto, um dia esses crescerão. E os youtubers querem ter papel na formação cultural dessas milhões de pessoas. Não é pouca coisa, quando se vê que os seguidores das celebridades online os imitam em tudo.
Seja no mais superficial, o fácil de se ver, como nos cabelos coloridos e na forma de se vestir. Como, também, na opinião que possuem. Se os youtubers pregam a bandeira LGBT, seus fãs aderem à causa. Se uma parcela dos famosos se declara a favor da legalização de alguns tipos de drogas, é provável que seus seguidores caminhem na mesma direção.
Então, aí está o primeiro “poder” exibido pelo YouTube: o de determinar o que é cool na cultura do século XXI. O site tem se firmado como o pastor das ovelhas digitais.
Só que os youtubers não fazem isso como as celebridades do século passado, ditando tudo de cima pra baixo. Eles não só abraçam e beijam os fãs, antes de saírem andando (ou correndo, antes que alcancem!), de costas. Há uma intimidade entre os ídolos e seus adoradores. Um elemento que tem transformado o conceito que se tem do que é uma celebridade.
Vou ao exemplo: nessa primeira parte do evento, a Fanfest, havia uma divisão típica – embaixo, os fãs; em uma ala separada, os famosos, os jornalistas, os anunciantes. Entretanto, o público não aceitou isso. Fãs xingavam, reclamavam, chamando pelos youtubers, reclamando que eles estavam lá, na área Vip, “metidos”, e nem queriam conversar com quem lhes dá tantos cliques em vídeos. A resposta: grande parte dos youtubers, por conta própria, sem seguranças a tiracolo, desceu entre os “mortais”, para dar atenção a todos. Tá aí um segundo poder a ser exibido: o de definir o que é ser famoso e influente no século XXI.
E vamos para a segunda – e mais interessante – parte do megaevento, o Brandcast.
Aqui, tinha tudo para ser mais um daqueles shows chatos para anunciantes. O foco óbvio, afinal, era em vender publicidade às marcas. Mas, calma aí, não é bem isso. “O YouTube dá voz a quem precisa ser ouvido”, declarou, de início, Fabio Coelho, vice-presidente do Google e diretor-geral da empresa no Brasil. Parece “modinha”, politicamente correto. Não é bem isso. É bem mais interessante (e divertido) do que aparenta.
Seguiu-se a Coelho uma leva de apresentações nas quais um fator se destacava: majoritariamente, as falas eram de mulheres, exibindo “poder”. Havia ainda gays, com seu “poder”. E muitos negros. “Ah, que mensagem bonitinha, mas tão comum”, alguns poderiam dizer. Novamente, convido-o a olhar por trás da cortina.
No YouTube, como costuma ser em diversas outras plataformas, a bandeira da diversidade costuma (espante-se!) afastar anunciantes, não atrai-los. Sim, estamos no século XXI. Só que as marcas mais tradicionais, aquelas “da família”, as com mais dinheiro em caixa, ainda têm receio de associar sua imagem a mulheres, gays e negros. Então, por que o YouTube resolveu colocar justamente esses (e quase que só eles) no palco, em um evento que seria para atrair anunciantes?
Na real, o YouTube não quer saber só do que as outras empresas esperam do YouTube. Um esnobismo tão cool nos dias de hoje (só que se trata de um que está sendo estabelecido pelo próprio YouTube).
Ele quer é atrair quem se interessa pelos valores da companhia. Logo, resolveu jogar na cara do público: “Nós promovemos a diversidade, como a causa do feminismo, e não é pelo politicamente correto. É por ser o correto”.
No palco, dentre palestras, cantou Liniker – músico gay, crossdresser, negro e do gueto moderno. E também Karol Conka e Ludmilla, mulheres negras. Para terminar, uma atração internacional. Mas não alguma pop qualquer que seria de esperar. Estava lá a canadense Kiesza, que poucos dos publicitários mais velhos presentes conheciam. Só que uma representante icônica desta geração do século XXI: a dos hipsters, do LGBT, da diversidade. A proposta: se alguém mais velho do público não a conhecia, bastaria dar um Google no nome, para compreender sua relevância.
Foi um “tapa na cara”. Incomodou, pode acreditar. De alguns da plateia, ouviam-se ofensas direcionadas ao palco. Liniker subiu e os mais preconceituosos falavam no canto: “bichona” (perdoe-me o uso do palavrão, aqui). As mulheres estavam lá e alguns sussurravam: “ah, que bonitinha; como é fofo ver as mulheres lá em cima”.
O YouTube e seus funcionários? Não estavam aí para esses. Aliás, estavam, pois, quando possível, tomavam a iniciativa de combater as reações preconceituosas. Pois, no fim, o que eles querem é mostrar o “poder”, esse aí que todos querem. Com a mensagem clara: “nós somos isso e só venha pro barco se você apoia nossas bandeiras”. Agora, sim, é um “barco” que tá valendo muitos, muitos, bilhões de dólares. Interessado?
Ok, convenhamos, pode ser tudo muito hipster e gay para alguns. Só que, acostume-se, estamos na era do hipster, da diversidade e, friso, não da aceitação crua do que o outro quer ser. É mais que isso.
Como mostrou o YouTube em seu evento “hipster”, é tempo de não mais aceitar, mas de se admirar com o que o próximo tem de diferente. E esse site aí, cada vez mais onipresente na vida, quer provar que possui papel central, decisivo, nas mudanças de paradigmas dos anos 2010. E quem não gostar desse tsunami de mudanças? Provavelmente, terá de engolir tudo. A sugestão: o melhor a fazer é se juntar ao show, ou ao menos curti-lo de longe.
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Ah, e daquelas exceções masculinas, de cara mais tradicional, que acabaram por tomar o palco, uma se destacou, aplaudida (com justiça!) de pé: o cartunista Mauricio de Sousa, da Turma da Mônica. Só que, aí, há outra diferença, bem simbólica.
Mauricio utilizou um gagdet de realidade virtual do Google para desenhar, no “ar”, um de seus personagens, o dinossauro Horácio. Olha aí, mais uma vez, o “poder”: aqui, o de tentar provar que mesmo aqueles que já se consagraram, que alcançaram a glória, terão de se adaptar às novidades impostas pelas gigantes da tecnologia.
Afinal, “É o poder! Aceita porque dói menos”.
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