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Na internet, argumentos não valem (só achismos)

E como uma ferramenta que foi fruto da era da liberdade de expressão pode se tornar agora o estopim para a volta da onda de repressão e obscurantismo

Por Filipe Vilicic 6 abr 2018, 15h27

Na lógica da rede, se um cientista de renome, digamos que Neil deGrasse Tyson (em tempo: com quem já falei em longa – e polêmica – entrevista), tuíta algo como “Terra, parabéns pelos seus 4,6 bilhões de anos. Continue redonda como sempre e dando voltas em torno do Sol”, é batata: haverá aqueles que reagirão dizendo que o planeta não foi criado há bilhões de anos, mas só faz uns milênios; que não é redondo, mas plano (voltou a crença absurda de que é a Terra plana, típica dos idos dos rivais de Galileu, de quando mandavam queimar astrofísicos; dê uma olhada no YouTube para sacar isso); e que na real nosso mundo seria o centro do Universo e tudo giraria em torno dele. E se Tyson respondesse a todos esses com argumentos, com provas científicas?

Por exemplo, a notação empírica mais infalível seria exibir a foto The Blue Marble que mostra a Terra, esférica, numa imagem feita de cima. Isso adianta na internet? Não. Independentemente da prova dada por Tyson, continuariam a clamar: “O planeta foi criado em 6 dias há tantos milênios, é achatado e tá no exato centro do cosmo”. Insistiram na estupidez. Alguns até diriam que na real a Terra estaria sobre uma tartaruga gigante. E aqui, revelo, não trato de um caso hipotético. A força que a coisa anti-Terra redonda ganhou tem sido tão grande que já há até simpósios de loucos tratando do assunto.

Pois na internet os argumentos são inúteis. Mesmo que venham de sumidades do assunto, como Tyson. E é óbvio que aqui não trato apenas de ciência.

Pode-se trocar o tópico “Terra de 4,6 bilhões de anos, redonda e que dá voltas no Sol” por, por exemplo, “vacina faz bem”. Ou ainda por assuntos econômicos, no qual muitos facebookianos se acham mais informados do que laureados com o Nobel. Ou por temas comportamentais. Pouco adianta exibir nas redes provas científicas que indiquem que pessoas nascem héteros, gays, trans… sempre terão aqueles que gritarão “mentira, vi no Facebook que não é assim”. E vale exibir artigos da Science e Nature para esse povo? Não. Eles nem vão ler.

Como é notável nos últimos dois dias, a coisa se torna ainda mais perigosa, ganhando dimensões que por vezes levam a repressões e censura, quando se trata de política.

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A internet foi o fruto máximo de uma linda era, vinda desde o pós II Guerra Mundial, na qual impera a liberdade. A de expressão, de conduta, a sexual e por aí vai. Um período no qual todos podemos falar o que pensamos – mesmo que coisas estúpidas, como “a Terra é plana” –, sem sermos censurados ou reprimidos violentamente. Qualquer um que estude a história da civilização sabe que esse elemento de liberdade não era regra para a humanidade. Antes, por milênios, imperava o obscurantismo. Torturava-se quem não concordava com o rei da vez. A democratização da maior parte do mundo ocidental parecia ter iluminado a civilização.

Tudo indicava que estávamos curtindo essa era na qual se defende o direito do outro de falar algo com o qual não concordamos. Pegou a lógica? E a internet se tornou a ferramenta máxima dessa liberdade. Isso até as redes sociais terem se tornado o que se tornaram.

Facebook, Twitter, Instagram, YouTube etc. se metamorfosearam em ambientes nos quais o diálogo não importa. Argumentos, então, são desprezados, quando não descartados no lixo. O que importa? Que o outro concorde com o que achamos. A aproximação com os amiguinhos, levando à formação de bolhas de radicais, polarizando a sociedade. E, em suma, ganha voz não aquele que melhor defende algo, que apresenta evidências. Mas, sim, quem tem mais seguidores e popularidade.

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O mundo das redes valoriza mais o quanto alguém é seguido, e a crença do mesmo, do que se o que a pessoa fala é fato. E, por fato, entenda que estou retomando aqui a lógica da “Terra redonda”.

Há alternativas para lidar com a situação. Uma delas seria continuar com essa valorização da gritaria sem argumentos. Se o caminho for esse, contudo, é inevitável a volta ao obscurantismo, à repressão, à tortura de indivíduos e ideias. Não só no ambiente virtual.

Caso a sociedade opte por combater quem fala besteira, surgirá outra armadilha aí. Continuará a se valorizar em demasia o discurso do ser médio do Facebook. E o ser médio do Facebook, convenhamos, não é tão inteligente assim. Qual será a consequência? Uma batalha campal inútil.

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Só que também existe uma terceira via. Uma na qual a humanidade poderia simplesmente relevar os comentários sem argumentos, as estupidezes. Assim como foi feito nas últimas décadas. Em que momento achamos que reluz mais o que diz um youtuber sobre, sei lá, medicina, do que o que fala um médico? Ou o que um instagrammer afirma de fitness, em comparação com um educador físico? Claro, novamente não falo aqui só de médicos e malhação. Pode-se trocar os temas por assuntos sexuais, políticos, comportamentais.

Se houver uma volta ao conceito primário de liberdade – a defesa de que mesmo um rival tem direito de falar o que quer (mas não de reprimir, ser violento e tal; aí, a Justiça resolve a questão), privilegiando o diálogo pacífico –, combinando-o ao retorno à era no qual argumentos valiam mais que brados, o cenário futurista se torna mais promissor. Aí, numa ambição de cunho esperançoso, pode ser que passemos apenas por uma fase de readequação. Não por um regresso a 1964. Ou, ainda, 1968. Ou, pior, 1939. Ou, correspondendo a um clichê contemporâneo, à formação de algo como um Big Brother de 1984.

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