Fábio Porchat fala da vitória no Emmy: “Consagração de nosso humor”
O Porta dos Fundos, que nasceu como um canal de internet, agora atua em diversas plataformas. A vitória em Nova York foi com um especial de Natal na Netflix
Ontem (25) o Porta dos Fundos foi laureado com uma das maiores consagrações possíveis para comediantes de qualquer nacionalidade: o Emmy Internacional, na categoria “Comédia”, por Se Beber Não Ceie, especial de Natal que foi ao ar na Netflix em dezembro de 2018 – e no próximo dia 3 terá outro, A Primeira Tentação de Cristo, como detalhado em texto anterior desta coluna. Foi a segunda vez que concorreram ao prêmio, perderam no ano passado com Portátil, produção veiculada pela Comedy Central. “Parece clichê, mas realmente não esperávamos ganhar agora”, disse Fábio Porchat, sócio do Porta e o roteirista de Se Beber Não Ceie, a este colunista. “Disputamos com um especial de 40 minutos. Os concorrentes eram todos de formatos de séries longas, com temporadas”.
A conversa com Porchat ocorreu por telefone, enquanto ele, e o restante do grupo, estava a bordo de um Uber em Nova York, entre viagens. Foi naquela cidade dos EUA que tiveram, um dia antes, a noite de glória, comemorada tanto em uma festa oficial quanto em um bar nova-iorquino. Confira a seguir a entrevista, temperada com muitas risadas de um Porchat compreensivelmente emocionado.
Imagino que, após o prêmio, o grupo todo deve ter sido bem requisitado. Conseguiram um respiro para comemorar, beber algo? Assim que tiramos as fotos de todo mundo, fomos para a festa do Emmy. Legal que encontramos vários brasileiros, pois nove indicados eram do país. Depois fomos só nós para o Fat Cat, um bar com música ao vivo, sinuca, ping pong. Deu para comemorar bem.
No momento em que foram chamados para o palco do Emmy, após anunciados como vitoriosos, o que veio à cabeça? Naquele minuto você fica cego a tudo. Parece clichê dizer isso, mas realmente não esperávamos levar o troféu. Éramos os únicos que participávamos da categoria “Comédia” com um especial, de 40 minutos. Os concorrentes eram todos de formatos de séries longas, com temporadas. Como o (canadense) Workin’ Moms, que estava na segunda temporada, e era a segunda vez que concorria. Tanto que nem estávamos nervosos, não achávamos que seríamos os vitoriosos. A moça anunciou nosso nome, e estávamos de boa. Aí que pulamos, ficamos cegos, e eu não sabia direito o que acontecia. Consegui fazer o discurso que eu havia treinado, mas depois achei que faltou tanta gente para ser agradecida.
Quando o Porta começou, em 2012, o tipo de comédia que propuseram foi muitas vezes rejeitado pela TV (sugestão: confira a história do grupo em O Clube dos Youtubers, livro de autoria deste colunista). Tanto literalmente, quando ofertaram a ideia do Porta para a Fox. Quando indiretamente, pela rejeição de outras propostas dos membros da trupe, em outras emissoras. O que mudou desde então para levarem o maior prêmio justamente… do ramo da TV? A gente queria fazer esse tipo de humor que fazemos. Quando um programa que eu fazia com o Gregório (Duvivier), o Junto & Misturado, foi cancelado na Globo, e a Fox não quis nossa ideia, recorremos ao YouTube. E hoje os tempos são outros. O que começou com um canal de YouTube se expandiu, e estamos fazendo especiais para a Netflix. Tanto é sinal de novos tempos que o Porta é um canal de YouTube, com um especial na Netflix, e ganhou o Emmy, que é um prêmio tradicional da TV. Hoje somos bem mais do que a nossa atuação na internet. Viramos produtores de bom conteúdo, exportando o nosso modelo para o mercado internacional. Já chegamos ao México e queremos abrir canais em outros locais, como nos EUA (confira esses planos em texto anterior desta coluna, no link). Vamos quebrar uma série de barreiras para a comédia brasileira.
Considera que transformaram a forma de se fazer comédia no país? Consagramos o nosso jeito de fazer rir. De forma consciente, ou inconsciente, o público percebe o nosso diferencial. Por exemplo, temos liberdade total para falar do que quisermos. Podemos fazer piada de qualquer coisa, bater em tudo. Já tiramos sarro de machismo, racismo, religião. Assuntos que eram tabus em outros meios. A audiência percebe essa nossa liberdade e isso a atraiu. Pois não temos medo de ir até as últimas consequências. O que vale é rirmos da piada. Se for engraçado, quer dizer que não se trata de simples polêmica. Mais do que isso, definimos que temos como alvo o opressor, quem está em cima. Não os mais vulneráveis. Outra mudança significativa para a comédia brasileira.
É esse tipo de humor que agora levam para o México e pretendem exportar para os EUA? E sem tanta adaptação. Temos uns 1200 esquetes no Porta dos Fundos, sendo que consideramos que 800 são de temas universais. Esses roteiros serão adaptados internacionalmente. Mas só haverá adaptações menores. Por exemplo, se citamos a Hebe, ou outra personalidade nacional, ou ainda termos e gírias bem do Brasil, os roteiristas locais irão ajustar a cada realidade.
Com o Emmy, deu um gostinho de, digamos assim, vingança? No sentido de “olha só, não acreditavam em nós, e agora levamos o prêmio máximo da TV”. Não. Não agora. Esse gostinho já tivemos em 2013, pois o sucesso já veio há muito. O Emmy é a consagração disso.
Com a dimensão que estão tomando, conseguem já se ver exercendo um soft power brasileiro, espalhando por aí, por meio da comédia, a nossa cultura? Tento não nos levar tão a sério por um motivo. Quando alguém começa a se achar tanto, costuma ser porque não tem tanta importância assim. Só que, sim, sei de nossa importância. Acho brilhante como entramos para a cultura popular brasileira. E fizemos isso com qualidade e constância, sem cair. Tanto que este ano é justamente o no qual batemos o nosso recorde de visualizações no YouTube, e ainda tivemos o melhor faturamento de nossa história. Não somos mais a novidade, como já fomos. Viramos uma certeza. A certeza de que no Porta vão encontrar algo de muitíssima qualidade. E dar risadas.
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