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Fabio Porchat: “Meu caminho vai contra a polarização”

O comediante mais afiado e bem-sucedido do país no momento explica por que deixou a postura de “isentão” para ampliar o combate ao extremismo

Apresentado por 26 mar 2021, 06h00

Fabio Porchat era um estudante de administração quando, em 2002, na plateia do Programa do Jô, pediu para fazer um número cômico no palco. Ao fim da apresentação, a ousadia resultou em aplausos. De lá para cá, Porchat se provou irrefreável. Cocriador do canal de humor Porta dos Fundos, ele virou figura onipresente nos cinemas, na TV e na publicidade: hoje, está no ar com dois programas no GNT, Papo de Segunda e Que História É Essa, Porchat? — este, um sucesso tão unânime que chegou à tela da Globo recentemente. Além disso, uma série no Disney+ está a caminho. O carisma e a versatilidade, somados a uma postura neutra nos divisivos anos da Lava-Jato e da queda de Dilma Rousseff, renderam-lhe o apelido de humorista “isentão”. O quadro mudou quando, ao fim de 2019, Porchat interpretou um fictício namorado de Jesus no especial de Natal A Primeira Tentação de Cristo. O filme provocou a ira dos radicais, culminando em um ataque terrorista à sede da produtora no Rio de Janeiro. Na entrevista via Zoom, o ator, roteirista e produtor de 37 anos fala de humor, vida pessoal — e explica, sobretudo, por que se imbuiu da missão de ser um contundente crítico do extremismo, seja da direita ou da esquerda.

Você deixou a postura de “isentão” para se posicionar politicamente, com fortes críticas ao governo de Jair Bolsonaro. Por que mudou? Porque vivemos um período muito difícil. Temos duas pandemias: a do corona e a do Bolsonaro. Percebi que era importante que eu me posicionasse, pois a eleição de 2022 será a mais importante da minha história. O plano de governo do atual presidente é de destruição em todas as áreas: meio ambiente, educação, economia, saúde — em plena pandemia, olha o que ele tem feito. O Bolsonaro me fez sair do armário político. Quero que as pessoas abram os olhos, e quero ajudar a fazer esse alerta. Meu caminho vai contra a polarização.

Como assim? Hoje toda conversa é polarizada, e eu não estou em nenhum desses dois lados. Sou contra o Bolsonaro e não sou petista, o que dá um nó na cabeça das pessoas, acham que sou um unicórnio. Polarizar a sociedade não resolve nada. Enquanto estamos tratando uns aos outros como inimigos, não olhamos para o que eles estão fazendo lá em Brasília. O discurso dos apoiadores do Bolsonaro é a luta contra a corrupção, que é um problema gravíssimo, vimos isso explicitamente durante o governo do PT. Mas ela não foi inventada pelo PT. Investigações sinalizam que a família Bolsonaro é corrupta. Sem falar que o presidente é incompetente. Quando as pessoas entenderem que incompetência e ignorância são tão letais quanto a corrupção, elas vão colocar ambos lado a lado e perceber que não podemos aceitar nenhum deles.

Se não está em nenhum dos lados da polarização, onde está? Sou do lado da boa política, que conversa, ouve e pondera. Voto na Marina Silva desde que ela saiu candidata. Acima de tudo, sou do time que acredita que devemos parar de tratar o outro como inimigo. O cara que votou no Bolsonaro não é meu inimigo, ele tem uma opinião diferente da minha — e isso é bom. Mas o extremismo tem tirado a razão do brasileiro. O Brasil não aguenta mais. É terrível ser inimigo das pessoas.

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O Porta dos Fundos tem um histórico de esquetes de humor político, que alfinetam todos os lados. Agora, porém, o grupo vem sendo apontado como “de esquerda”. Essa associação reflete de fato o que a produtora é? Hoje, defender o meio ambiente é ser de esquerda. Se eu digo “não pode queimar o Pantanal”, já gritam do outro lado: “Seu esquerdista”. Não tem nada a ver com esquerda e direita defender o casamento gay, nem querer que mulheres sejam respeitadas, por exemplo. Tem a ver com ser cidadão, ser humano, com a evolução da sociedade. O Porta tem uma agenda progressista nos costumes, com certeza. Posso dizer em nome do grupo que combatemos o racismo, a homofobia, o machismo e batemos nisso o tempo todo. Sempre fizemos vídeos políticos. Temos vários sacaneando o PT, Lula, Dilma. Aliás, esse papo de esquerda e direita só interessa ao pessoal da elite política. O povo quer comida na mesa, emprego, hospital. Seja lá de qual lado for o presidente.

“A função do humor é fazer rir, não é propagar preconceitos. E era o que estávamos fazendo. O politicamente correto é chato? É. Mas imagina o que o negro acha do racismo”

Recentemente, apoiadores de Bolsonaro recuperaram uma notícia de 2016, sobre um cachê que você recebeu de uma festa de uma firma de advo­cacia proveniente de fraude da Lei Rouanet. Sabia de onde vinha esse valor? É triste essa nova realidade no Brasil, em que temos de nos defender de fake news e de notícias antigas que já haviam sido resolvidas. Essa é a forma que o gabinete do ódio bolsonarista encontrou de tentar desqualificar quem critica o governo. Eu fui contratado por uma empresa para fazer um show de stand-up. Fui, fiz, passei a nota fiscal desse evento, tudo dentro das bases legais. Quando uma empresa me contrata, não tenho como saber legalmente como ela está. Do meu lado, estava tudo perfeitamente legal. Não prestei depoimento, porque foi um “golpe” que eu, inclusive, sofri.

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O discurso anti-Lei Rouanet foi um dos combustíveis da campanha de Bolsonaro. Como responde a isso? O Bolsonaro não governa, ele se vinga. Ao mexer na Rouanet, com esse discurso de que os artistas mamam na teta do governo, quem se prejudica não somos eu ou o Antonio Fagundes, nem a Marieta Severo: são o bilheteiro, o segurança do teatro, os técnicos de som e de luz, o cenógrafo, o coreógrafo. Profissionais que precisaram do auxílio emergencial na pandemia, e não lhes foi dado. Foi necessário criar a Lei Aldir Blanc para que recebessem uma ajuda. Sem falar que a Lei do Audiovisual dá lucro, cria empregos. Então, é uma vingança torta e equivocada. Ele acha que o Gilberto Gil e o Caetano Veloso vão à falência. Que o Chico Buarque, agora, coitado, está pedindo dinheiro no sinal. Isso, só na cabeça do Bolsonaro.

Já pensou em entrar para a política? Não. Mas nunca direi nunca, porque vão usar essa entrevista contra mim quando eu me candidatar à Presidência para derrubar o Luciano Huck (risos). Mas não, não penso. Tenho aspi­rações cômicas. No fundo, faço política com meu humor.

Falando em Luciano Huck, há rumores de que, assim como ele, você estaria negociando um programa dominical na Globo, após a saída do Faustão. É verdade? Esse lugar é de Luciano Huck, eu jamais ousaria tocar no nosso futuro presidente (risos). Na verdade, o Faustão deveria continuar, mas quer parar, né? E com razão: 32 anos depois, ele quer gastar o bilhão dele.

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Hoje, celebridades vivem sob a sombra da cultura do cancelamento e do politicamente correto. Como isso tem afetado o humor? A função do humor é ser engraçado. É fazer rir. Pode ser uma torta na cara ou uma sátira política. Algo banal ou que faça a gente pensar. Mas a função do humor não é propagar preconceitos. E era o que estávamos fazendo havia muito tempo. Estamos numa fase de mudança. O politicamente correto é consequência do preconceito. É chato? É. Ninguém falou que seria legal. Se você acha o politicamente correto chato, imagina o que o negro acha do racismo. O que o gay acha da homofobia? É chato, mas faz refletir. Legal é falar o que quiser o tempo todo sem parar para pensar. A questão não é mais se é chato ou não. É de garantir nossa evolução como ser humano e sociedade. Estamos andando para a frente ou para trás? Se for para trás, está errado.

Do outro lado do politicamente correto estão os radicais que agridem e ameaçam. Como lida com eles? O humor do Brasil sempre foi calcado em tirar sarro do outro. Suas raízes vêm do rádio: é o português burro, a loira burra, o argentino escroto — o corno é sempre o outro no Brasil. Quando o jogo vira e o cara se torna o alvo da risada, ele resolve atirar, diz que vai processar, grita que não podemos fazer. O Brasil é pródigo em dizer que não pode. Mas esse “não poder” é um perigo. O humor é poder. O humor tem de confrontar isso. É através da comédia que se destroem monstros. Se algo é intocável, ele vira regra, vira lei e vira um monstro. Temos de poder rir de tudo para que esses monstros não cresçam.

Em 2019, o Porta dos Fundos foi alvo de um atentado após o especial de Natal A Primeira Tentação de Cristo, que retratava Jesus como gay. No ano passado, o especial Teocracia em Vertigem fazia uma crítica contundente à política brasileira, especialmente à era Bolsonaro. Que tipo de reação o último filme causou? Teocracia foi nosso especial mais visto na história, mas, como não tinha Jesus gay, dessa vez não jogaram bomba. O problema não é brincar com Jesus, o problema é a homofobia. O Kibe (Antonio Tabet, o Kibe Loco, cocriador do Porta) falou que, se fosse um Jesus preto e gay, não teriam jogado bomba no nosso prédio, e sim entrado na nossa casa para nos matar. A verdade é que o Brasil é preconceituoso. Nunca antes tivemos um presidente que representasse tão bem o país.

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A investigação do atentado segue sem desfecho. Tem acompanhado a situação? Não tem o que fazer, só esperar. No Brasil, nada se resolve. Menos da metade dos homicídios aqui é resolvida. É a terra da impunidade. Viramos estatística.

“O Bolsonaro não governa, ele se vinga. Ao mexer na Lei Rouanet, quem se prejudica não somos eu ou o Fagundes: são o bilheteiro, o segurança do teatro, os técnicos de som e de luz”

Recentemente, você disse que percebeu ter “privilégios” por ser um homem branco e heterossexual, nascido em situação financeira confortável. Por que isso passou a ser um peso? Reconhecer isso não quer dizer que não vejo méritos nas minhas conquistas. Não tem nada a ver com aquele papo de “perdão por ser hétero”. O fato, porém, é que o mundo foi administrado para que eu chegasse o mais longe possível. E é difícil perceber isso. O que adianta ganhar a corrida de 100 metros se eu comecei faltando 1 metro para chegar e outras pessoas, faltando 100? É uma injustiça. Abri os olhos e tenho feito minha parte, buscando mais representatividade nas empresas que tenho e criando conteúdos relevantes para colocar esses assuntos em pauta.

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Antes do seu casamento, havia especulações se você era gay. Elas o incomodavam? Ainda há rumores, eles não cessam. Se fosse, não teria problema em dizer, pois não sou galã de TV, que tem a imagem prejudicada por causa da homofobia. Se eu descobrir mais tarde também, tudo bem. De repente, viro uma bicha velha divertidíssima, caso com um novinho e vou para a Itália gastar tudo o que eu tenho.

No final de cada episódio do Que História É Essa, Porchat?, o convidado é questionado sobre o que estaria escrito em seu epitáfio. E no de Fabio Porchat? No meu, estaria escrito: “Se Deus existir, eu volto para te contar. Se não voltar, é porque Ele não existe”.

Mas e se Deus existir e o proibir de voltar para contar? Por mim, tudo bem. Já provei minha ideia.

Publicado em VEJA de 31 de março de 2021, edição nº 2731

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