O canal Porta dos Fundos surgiu no YouTube – como detalho em história dentre as narradas no livro O Clube dos Youtubers; assim como em podcast fruto da mesma obra – a partir de um incômodo dos fundadores com a falta de recepção de suas ideias na TV. O tipo de humor que era proposto, por exemplo, por Antonio “Kibe” Tabet, Fábio Porchat e Gregório Duvivier, não tinha espaço àquela época em uma Globo, ou na Fox, emissoras nas quais tentaram emplacar esquetes como os que hoje vingam na internet. Em um resumo, por isso que eles se juntaram a Ian SBF e João Vicente de Castro para lançar o que se tornou uma das empreitadas mais célebres do YouTube brasileiro – e certamente aquela que comprovou que era possível fazer, com imenso sucesso, comédia de altíssima qualidade na web. Todavia, passados 7 anos da estreia, o Porta virou um império.
“Adorei que falou ‘império’, menino. Somos uma empresa com poucas pessoas, mas com ambições grandes”, comentou, em entrevista a esta coluna, a CEO do grupo, Tereza Gonzalez, enquanto dava risadas – e continha emoções de maior envergadura. Por trás da modéstia da definição como “empresa com poucas pessoas”, todavia, ressalta-se uma empreitada que, sim, pode ser chamada de “império”. Talvez, quiçá, um novo império do soft power da cultura brasileira.
O reino do Porta tem expandido cada vez mais suas fronteiras. Prova disso é que, na próxima segunda (25) a trupe estará em Nova York para a premiação do Emmy Internacional. Troféu ao qual o grupo foi indicado não pelas peripécias no YouTube, mas pelo ácido especial de Natal que publicaram na Netflix no ano passado, o Se Beber Não Ceie. Só que leve em conta que a glória pontual, faturando ou não o Emmy, é só um retrato simbólico de muito, muito, mais que o Porta está fazendo.
Recentemente, entrevistei Porchat para as Páginas Amarelas de VEJA, em conversa sobre seu novo programa na GNT. Quem produz o talk show remodelado? O Porta. O grupo também está por trás da parceria com a HBO que levou à criação do Greg News, de Gregório Duvivier. “Juntamos talentos extraordinários que sabem interpretar o que está acontecendo no mundo”, observou Tereza. “Assim abrimos possibilidades a projetos que surgem de cada um de nosso time. O Kibe, por exemplo, deve lançar várias empreitadas novas, como uma ligada à área de esportes. Já o João Vicente deve vir com duas iniciativas, que nem são atreladas ao ramo da comédia”.
Em dezembro, aí no canal de YouTube, começará o #FimdeAnodoPorta, que propõe a publicação de um esquete por dia, até o fim do mesmo mês. O espaço mais tradicional do grupo, na plataforma de vídeos, já tem sido também aberto a outras iniciativas variadas, incluindo um programa focado em videogames. Porém, o que mais surpreenderá daqui para frente deve ser como se expandirão os braços do Porta para variados públicos, plataformas e países.
“A entrada da Viacom no negócio nos possibilitou concretizar iniciativas cada vez maiores”, pontua Tereza. Parte majoritária (51%) foi vendida em 2017 para a multinacional estadunidense, por trás dos canais MTV e Nickelodeon. Especula-se que por uma quantia de 60 milhões de reais.
Algo que se intensificou após a aquisição: as parcerias. No próximo Natal, o Porta lançará mais um especial na Netflix, o A Primeira Tentação de Cristo. Há ainda em andamento uma série no Facebook, outra na Amazon Prime, além dos acordos já estabelecidos com Globo e HBO. Em março está programado para ter início a seleção do(a) protagonista de O Novo Futuro Ex-Ator do Porta, reality show que passará no YouTube Originals, a versão premium do site da Google, provavelmente no segundo semestre de 2020.
O que aparenta ser o plano mais destemido, no entanto, é o de alargar as fronteiras para mercados internacionais. “É um caminho esperado irmos para os Estados Unidos, com atores locais e falando em inglês. Além de Europa, já levando em conta aí latinos de Portugal, Espanha, Itália, França, mas também nos vemos fazendo um humor muito próprio ao que permeia a Inglaterra”, compartilhou a CEO. Uma das inspirações do Porta, afinal – e assim como da grande maioria dos bons comediantes contemporâneos –, é o genial Monty Python.
Será que o grupo conseguirá manter o estilo de humor deles, também bem para o gosto brasileiro, lá fora? Esse é o objetivo. Já se pode vislumbrar um soft power brasileiro nascendo aí. E se o Porta levou a mudanças tremendas na forma de se fazer rir no Brasil – sendo um dos motivadores de uma reformulação total do programa global Zorra, por exemplo –, pode ser que essa influência se estenda globalmente. Seria algo como o K Pop brasileiro?
As pisadas internacionais já podem ser sentidas. Isso desde abril, com o lançamento de Backdoor, versão mexicana do Porta. Em tão-somente sete meses, a página no YouTube alcançou quase 2,8 milhões de seguidores. O vídeo de maior público, Hariña (em espanhol, “farinha”), ultrapassou 41 milhões de visualizações.
Para formular o Backdoor, entretanto, a ideia não foi simplesmente traduzir episódios brasileiros. “Membros do Porta, como o Gregório, passaram um tempo no México treinando a equipe local, em workshops de roteiros. Doze elencos foram formados, com produção baseada na seleção prévia de 400 vídeos que motivariam as gravações locais”, contou Tereza. O modus operandi deve ser seguido em outros países: o grupo viajará até os locais, selecionará artistas e os ensinará a fazer o estilo de comédia que caracteriza o Porta.
No Brasil, o coletivo já tirou sarro de religiões, policiais, políticos de todos os espectros ideológicos… e ainda está se somando à contagem àqueles que são alvos da jocosidade da trupe. Será que, como irrita de bolsonaristas a petistas por aqui, deverá mexer em vespeiros polêmicos no México, ou nos EUA? Vai “passar a mão na bunda do guarda”, em expressão usada com recorrência por Gregório Duvivier, mesmo quando o guarda for Donald Trump ou (ainda mais arriscado) traficantes mexicanos? “Ainda não levantamos essa dúvida, não. Mas é a algo a se considerar”, concluiu a CEO do Porta dos Fundos – que nasceu marginal, redefiniu o jeito de se fazer humor no Brasil, virou mainstream (só que, convenhamos, elevando a qualidade da comédia costumeira) e agora cria asas para ultrapassar fronteiras e, quem sabe, moldar um império do soft power (hoje em dia, demasiadamente enfraquecido) da cultura nacional. O certo: não faltará graça nessa história.
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