Epidemia virtual: a reação das redes sociais ao coronavírus
Como Facebook, YouTube, Twitter, TikTok e outros agiram frente à disseminação de informações – muitas das quais, mentirosas – sobre a doença vinda da China
Facebook, Twitter, YouTube, Instagram, TikTok, Snapchat e afins se tornaram, na última década, campos férteis para as mentiras mais danosas. São numerosos os casos que servem de prova. Vai da forma como consultorias políticas espalharam fake news e manipularam a mente de eleitores – o que foi determinante tanto na eleição de Donald Trump em 2016, quanto na de Jair Bolsonaro em 2018 –, à maneira como youtubers amalucados e adeptos do obscurantismo espalharam teorias da conspiração e teses (o certo, na real, seria nem assim chamar) assustadoras, como a do terraplanismo. Um dos campos mais afetados por essa onda de desinformação que caracteriza a rotina, on e off line, no século XXI é o da saúde.
Virou piada chamar o Google de Dr. Google, frente à tamanha quantidade de ideias perigosas que aparecem em buscas realizadas no mesmo – um mal que começou a ser contornado quando o site teceu parceria com hospitais e pesquisadores para elaborar fichas com informações confiáveis acerca de doenças. E é certo que as redes sociais, temperadas pelas falácias disseminadas, serviram de ambiente propício para o sucesso das famigeradas campanhas antivacina.
Agora é a vez da epidemia do coronavírus contaminar as redes. Caso acreditássemos em tudo o que se fala no Twitter ou no Facebook, já teriam, por exemplo curas infalíveis para a doença. Uma delas seria, segundo uma das populares fake news: manter a garganta sempre molhada e não ingerir alimentos apimentados. Além disso, existiria uma razão obscura para a epidemia. Por uma mentira espalhada por Steve Bannon, ex-estrategista do presidente americano Donald Trump e ídolo da família Bolsonaro, tudo não passaria de uma guerra biológica promovida pela China. O brasileiro Bernardo Küster, influenciador da extrema direita do país e fã de carteirinha do ideólogo e líder de seita Olavo de Carvalho, mergulhou ainda mais na teoria da conspiração, ao postar no Twitter: “Nada me tira da cabeça a possibilidade de o governo comunista chinês ter espalhado o coronavírus para arrefecer as manifestações contra a tirania do Estado”.
Em um passado recente, pré-escândalo das eleições de Trump em 2016, Mark Zuckerberg, criador e mandachuva do Facebook – e que costuma vocalizar os ânimos dos empreendedores que atuam nos bastidores das variadas mídias sociais –, se dava a negar continuamente a relevância do papel de sua cria na pandemia de desinformação que toma o globo. Após o fato evidente ter se tornado incontornável, Zuckerberg, mais uma vez como representante máximo da indústria das redes virtuais, passou a assumir o problema, só que ao mesmo tempo procurava diminuir a gravidade. De dois anos para cá, o discurso mudou substancialmente. Como retratado em texto recente deste blog, fruto de conversa com o chefão do Facebook, agora o assunto é levado a sério. Muito a sério. Ainda mais após a companhia de Zuckerberg ter sido obrigada a pagar 5 bilhões de dólares ao governo dos EUA em consequência das presepadas no pleito presidencial de 2016.
Como, então, o Facebook, e outras das mídias sociais, encararam a cacofonia em torno do coronavírus? A boa notícia: desta vez, assumiram rápido o problema e agiram. Não se repetiu o expediente vexaminoso da era em que se formou o movimento antivacinação, por exemplo.
Na semana passada, a companhia do Vale do Silício anunciou que monitora posts relacionados à epidemia. O objetivo, segundo comunicado da mesma: “limitar a disseminação de desinformação e de conteúdo danoso acerca do vírus, e conectar pessoas a informações úteis”. Na prática, a rede irá deletar posts mentirosos e alertar usuários que compartilharam fake news. Para tanto, colocou sua tropa de checadores de informação – que já foi tema de textos deste site, quando este autor visitou um desses centros de controle do Facebook, em Barcelona – nessa missão.
Mas não só isso. O Facebook realmente parece ter aprendido a lição. Agora, quando se busca por informações sobre o vírus no site, o indivíduo se depara com uma cartela de informações confiáveis, elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, a empresa irá coletar dados diversos que podem servir de base para ações de prevenção e combate a serem tomadas. Informações que serão, a princípio, analisadas por cientistas das universidades Harvard (EUA) e Nacional de Tsing Hua (Taiwan).
Desta vez, é de se aplaudir a rapidez do Facebook. As medidas tomadas serão também aplicadas no Instagram, de propriedade do mesmo grupo. Todavia, ressalta-se um porém: no WhatsApp, que também é do Facebook, nada foi feito de útil. Pelo serviço de mensagens privadas, continua-se a espalhar alucinações sobre o coronavírus. Compreende-se, contudo, a dificuldade de realizar ações de controle nesse app. Afinal, diferentemente de como é no Facebook e no Instagram, o WhatsApp em tese é destinado tão-somente a troca de mensagens entre familiares, amigos, colegas de trabalho etc.
E o que fizeram as outras redes sociais? Cada uma à própria maneira, seguiram as diretrizes tomadas por Zuckerberg. O Twitter não possui a prática de banir posts do tipo aqui tratado. Isso simplesmente não está em seu DNA. Ou seja, muita falácia circula entre os mais de 15 milhões de tuítes que foram publicados sobre o coronavírus. Contudo, não quer dizer que nada foi feito. O Twitter replicou uma das ações do Facebook: quando se busca por informações da doença, a pessoa se depara com um compilado de dados confiáveis, organizados pela OMS.
O app chinês TikTok – cujas operações, desconfia-se, são indiretamente controladas pelo Partido Comunista daquele país – fez o mesmo. Quando um usuário (na maioria, crianças e adolescentes) busca por informações, encontra os dados da OMS. Além disso, ao que tudo indica, o aplicativo tem ainda deletado publicações de conteúdo mentiroso.
Outro que agiu rápido foi o YouTube. O site não pretende apagar vídeos de teor especulativo ou falso. Porém, promete diminuir a relevância dos mesmos – na prática, não aparecerão à grande maioria do público –, assim como concederá maior destaque a produções profissionais, que expliquem a epidemia com base em argumentos científicos.
Dentre as redes sociais mais populares, as duas únicas que quase nada fizeram foram a Snapchat e a Reddit. A primeira alega que não precisa agir porque o que é publicado em sua rede usualmente desaparece após um dia no ar. Balela: afinal, usuários podem optar por deixar o conteúdo online por mais tempo; e, na era ultraconectada em que vivemos, 24 horas de uma mentira no ar já é o suficiente para que a mesma se espalhe por todos os cantos. O segundo, o Reddit, restringiu-se a inserir alertas em fóruns de discussão que tratam do assunto de forma, digamos assim, duvidosa.
Um dos efeitos mais positivos da ação rápida, com eficiência inédita para o meio das redes sociais, é que assim fica mais fácil combater a epidemia com base em fatos, não achismos, nem alucinações. Em vez de sair correndo atrás de desmentir absurdos, comunicadores, médicos, pesquisadores conseguem focar no trabalho de disseminar as informações corretas.
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A medida também é útil para separar o joio do trigo. Inclusive quando se pensa em conspirações. Uma conspiração que, diferentemente das doideiras de olavistas, não é fake news: a China, submetida a um sistema político autoritário e extremamente fechado, demorou duas semanas para avisar o mundo da epidemia do coronavírus; até agora, aparenta esconder dados fundamentais; e, no início da agrura, quando o restante do planeta não tinha ciência do pandemônio em formação, prendeu (sim, colocou na cadeia) cidadãos desesperados que tentavam avisar a todos do caos que tinha início. E como estes faziam isso? Com posts em redes sociais. Tá aí um ótimo uso para Facebook, Twitter e cia.
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