Fidípides, conta-se, foi o primeiro a correr uma maratona. No ano de 490 a.C., o herói grego atuava como mensageiro, soldado e diplomata ao mesmo tempo. Uma das versões da lenda afirma que, primeiro, percorreu ao menos 200 quilômetros, entre Atenas e Esparta, para pedir auxílio espartano na iminente guerra contra os persas. Na sequência, e sempre em velocidade máxima, zarpou para o campo do combate. Após os gregos vencerem a Batalha de Maratona, contudo, houve temor de que os persas fugidos iriam com seus barcos em direção a Atenas, em manobra de vingança. Fidípides voltou a correr, agora os famosos 42 quilômetros da maratona olímpica, para avisar atenienses. Por seu sucesso, Atenas pôde se preparar e repelir o império de Darius I. Todavia, exausto, o herói corredor morreu logo após entregar sua derradeira mensagem.
No passado, assim se fazia diplomacia: correndo de um lado para o outro. O método evoluiu. Vieram os cavalos, os navios, os carros, os aviões, os telegramas, os telefonemas. No século XXI, é a vez do Twitter. A rede social, em que passarinhos azuis virtuais transmitem curtas mensagens de forma praticamente instantânea, é o palco de uma das negociações mais tensas da história contemporânea: a troca de farpas, com agressões e recuos, de Donald Trump com Javad Zarif, o ministro de Relações Exteriores do Irã.
Em 1962, ao longo da crise dos mísseis em Cuba, ainda era demorado, difícil, promover a comunicação entre nações. Diplomatas preferiam registrar tudo por escrito, pois falas podem ser interpretadas de forma errônea. Assim demorou, como exemplo, em torno de 12 horas para a embaixada estadunidense em Moscou decodificar uma mensagem de apenas cinco páginas da União Soviética. Ao longo das negociações, surgiram outros momentos assim. Quando representantes soviéticos tinham de enviar cartas a Washington, por exemplo, confiavam em um ciclista. Sim, num ciclista. A ele cabia pedalar até a Casa Branca para lá deixar recadinhos de Nikita Khrushchev.
O problema de comunicação foi notado pelo líder russo. Quando decretou o acordo final, o de paz, com os Estados Unidos, Khrushchev realizou anúncio na rádio, para que Kennedy logo ouvisse a nota oficial da União Soviética. Depois de todo esse vaivém é que os comunistas propuseram a criação do famoso telefone vermelho, como linha direta de contato entre os dois lados da Guerra Fria.
Nos últimos dias, o Twitter se candidatou, de forma involuntária, a se tornar um remodelado telefone vermelho. Foi por lá que se acompanhou a tensão entre Estados Unidos e Irã. Na rede social, Trump chegou até a insinuar que cometeria um crime de guerra: atacar regiões de valor cultural e religioso para iranianos. No site, Javad Zarif respondia de imediato às manobras do presidente estadunidense. Após a morte do general Qasem Soleimani, prometia vingança.
A história continuou a se consolidar pelo Twitter. Por lá circulavam os boatos mais quentes, a exemplo da carta que o comandante das forças dos EUA no Iraque teria entregue a líderes locais, prometendo a retirada de suas tropas. Também avisos, a exemplo da notificação que impedia aviões comerciais estadunidenses de sobrevoar aquela região do Oriente, por questões de segurança.
Assim como o Twitter se tornou palco para celebrar tapas uns nos outros, foi nele que se promoveram recuos, supostamente em busca de firmar paz – não se sabe se temporária. Talvez devemos à rede social o rápido içar de bandeiras brancas. As tensões não chegaram nem próximo da intensidade da crise dos mísseis de Cuba.
O iraniano Javad Zarif não se demorou a tuitar, após o bombardeio de bases dos EUA na região: “O Irã tomou e concluiu medidas proporcionais de autodefesa sob o Artigo 51 da ONU (…) Não procuramos a escalada da guerra, mas nos defenderemos contra agressões”. Trump logo se posicionou, novamente em sua principal plataforma, o Twitter: “Tudo está bem! Mísseis disparados pelo Irã em duas bases militares localizadas no Iraque. Avaliação de mortes e danos sendo feita. Até agora, tudo bem!”.
Presenciamos um momento que certamente entra para a história. De uma era na qual ações diplomáticas são tomadas de forma pública, em tempo real, aos olhos de todos, na vitrine das redes sociais.
(Para acompanhar este blog, siga no Twitter, em @FilipeVilicic, no Facebook e no Instagram.)
O Twitter abriu, sim, portas para escancarar faces cruéis, assustadoras, da humanidade – alimenta ódio, raiva, preconceitos, inclusive os espalhados em perfis de políticos tuiteiros como Trump e Bolsonaro. Todavia, também se consagra não só como campo de ação para multidões que pressionaram todos os lados – EUA, Irã, ou mesmo no caso daqueles que pediam a Bolsonaro para não jogar o Brasil no meio das discussões bélicas –, como para as respostas dos líderes pressionados. Para a sorte de todos, por enquanto: “Até agora, tudo bem!”.
Também deste blog:
O Jesus gay do Porta dos Fundos condiz com o ideal da criação da internet
A tese que explica o ataque de Bolsonaro a Leonardo DiCaprio (e outros)
A teoria por trás do leão e das hienas de Bolsonaro