As pessoas compartilham e comentam notícias no Facebook sem lê-las antes?
Às vezes temos a impressão de que nossos amigos no Facebook, no Twitter, no Instagram, no Snapchat compartilham e comentam notícias e afins sem ao menos conferi-las, sem saber do que se trata. Também tenho essa percepção. Por isso, resolvi testar se tal noção é verdadeira, ou não. Há uma semana, publiquei o seguinte post […]
Às vezes temos a impressão de que nossos amigos no Facebook, no Twitter, no Instagram, no Snapchat compartilham e comentam notícias e afins sem ao menos conferi-las, sem saber do que se trata. Também tenho essa percepção. Por isso, resolvi testar se tal noção é verdadeira, ou não.
Há uma semana, publiquei o seguinte post no Facebook de Veja: Estudo indica que brasileiros leem cada vez menos. Será?. Se clicar no link da frase anterior, entenderá: trata-se de uma pegadinha. A ideia era tão-somente calcular quantas das centenas de milhares de pessoas que viram o post no Facebook iriam realmente clicar nele para saber do que se trata a notícia. Sim, menos de 10% fez isso. Até aí, tudo bem. Cada um lê o que quiser. Porém, o caldo esquenta quando se nota outro dado fruto do experimento que fiz neste blog: centenas de pessoas comentaram e compartilharam a notícia, digamos, “falsa” sem nem se dar ao trabalho de clicar nela. Como sei? Explicarei.
Dos 111 comentários deixados no post no Facebook de VEJA (sem contar os “replies” dados a eles), apenas 7 eram de pessoas que claramente conferiram a notícia “falsa” – de outros 8, não dava para ter ciência se leram, ou não. Foi fácil chegar à essa conclusão. Dentre os 96 que não leram, os comentários eram assim (preservo a grafia original):
“Novidade!!! Vcs acham que lula e dilma se elegeram por que??? Porque a Nação é culta?????”
“Discordo, com o efeito da era digital as pessoas estão lendo mais. Só não estão lendo coisas úteis”
“pois sim, kd os artistas para protestarem contra isso??? leitura é cultura ou ñ, cambada de sanguessugas que ñ tem capacidade e vivem do sangue ( leia-se dinheiro) do povo”
“Lê cada vez menos, e quando resolve ler, só lê besteira, como por exemplo, Kéfera Buchmann”
“Um pai de família com um salário mínimo gasta seu dinheiro COM COMIDA ….e ler acaba ficando em segundo, terceiro ou quarto plano. … .. uma população que se vê obrigada a sair pra trabalhar aos 14anos e muitas vezes na roça, a luta pela sobrevivência é o que fala mais alto.. .. .a leitura é questão de hábito tb… as crianças vão se espelhar em quem pra ler? Não justifica porém explica 😉 …”
“Não fizeram uma pesquisa sobre euzinha aqui. Neste ano ja li 82 livros. Essa é minha cachaça.”
“O brasileiro é o seguinte se parar o bicho come se correr o bicho pega… Como vai parar ler”
“Começa nas escolas!! Minha filha de 12 anos é obrigada a ler uma porcaria atrás da outra! Todas brasileiras! Acredito que mesmo com os pequenos deveria ter uma seleção mais criteriosa pois as crianças precisam ler mais e com prazer!”
“Precisava de um estudo para chegar em tal conclusao? Ao que parece, alem de ler menos, brasileiro esta’ raciocinando menos.”
Sejamos diretos: os “leitores” acima comentaram um estudo que não existe, nunca existiu! Outros ao menos foram mais honestos, como esses (novamente, preservo a grafia):
“Faço parte das estatística, sendo assim, não vou ler o post de veja”
“Eu nunca li um livro na vida graças a Deus”
No post que deu origem a esse experimento, pedi para quem o lê-se não estragasse a brincadeira revelando a verdade lá no Facebook. Claro, isso é incontrolável (e é natural, esperado, que alguns queiram avisar a todos que se trata de uma notícia falsa). Como esse:
“Isso é uma notícia falsa que serve apenas para fazer um teste que está dentro do link da Veja”
Será que com isso as pessoas resolveram parar de opinar sobre o post no qual não clicaram? Não. Abaixo desse comentário acima, dezenas de outros continuavam a analisar o estudo inexistente.
Indo além, 732 pessoas reagiram ao post no Facebook de VEJA, com o botão “curtir” ou com alguma das outras novas opções da rede social (espanto, raiva etc.). Não é possível saber quantos desses leram a notícia. Contudo, conseguimos analisar como se comportaram os 191 que compartilharam o post.
Desses, somente 5 claramente haviam lido o que estava neste blog – não caíram na brincadeira e quiseram compartilhá-las em seus perfis (em tempo: obrigado, fico grato por isso). Entretanto, a grandíssima maioria evidentemente não se deu ao trabalho de clicar no link antes de enviá-lo aos amigos. Um exemplo de comentário de um dos que compartilharam:
“EIS ENTÃO O RESULTADO DA FALTA DE CONTEÚDO EM MUITOS JOVENS DESTA GERAÇÃO.
SE ADULTOS JÁ NÃO LIAM IMAGINE A JUVENTUDE.
Por isso toda a visão vos é como as palavras de um livro selado que se dá ao que sabe ler, dizendo: Lê isto, peço-te; e ele dirá: Não posso, porque está selado.
Ou dá-se o livro ao que não sabe ler, dizendo: Lê isto, peço-te; e ele dirá: Não sei ler (…)”
Teve um que até escreveu um texto de quase 10 000 toques opinando sobre o estudo que não existia, e que ele compartilhou. Em outras palavras, gastou um bom tempo para opinar. Por outro lado, não gastou o mesmo tempo lendo sobre aquilo que serviu de base para seu comentário. Nem clicou no link que viu no Facebook antes de apertar no “compartilhar”.
Alguns podem argumentar: “ah, mas os mais instruídos não fazem isso”. Duvido. Para se ter ideia, três colegas de profissão (todos formados em boas universidades) vieram diretamente a mim comentar sobre o post publicado em meu blog, sem lê-lo (mas muitos outros, vale frisar, vieram falar só após conferir o link). A opinião comum deles: “Poxa, triste aquele estudo que indica que os brasileiros não leem”. Aí, eu rebatia: “Acho que você não clicou no link”. E eles admitiram.
Em suma, a resposta para o título desse texto é: “Sim, as pessoas compartilham e opinam sobre tudo nas redes sociais, sem ao menos conferir o conteúdo sobre o qual tecem seus comentários”. O que isso representa para o Brasil, para a humanidade, para a internet, para o planeta…? Não sei dizer. Deixo para vocês, caros (e, pelo jeito, raros) leitores que chegaram até aqui, a missão de comentar sobre isso. O que acham?
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