A primeira lei no Brasil a estabelecer os instrumentos investigativos no combate ao crime organizado, a 9.034/95, nasceu do Projeto de Lei 3.516, de 1989, de autoria do então deputado Michel Temer. O texto original sofreu muitas alterações, mas já continha um item até então inédito no ordenamento jurídico brasileiro: a possibilidade de se lançar mão de “ações controladas” para angariar provas e combater organizações criminosas.
As ações controladas consistem em uma vigilância da polícia sobre uma atividade criminosa, com o objetivo de obter informações e provas mais robustas — testemunhais ou documentais — para desbaratar uma parcela maior da cadeia infratora.
O texto elaborado por Temer definia em seu artigo 7º:
“Sempre que fundados elementos se justifiquem, o juiz poderá autorizar, em decisão motivada, a não interdição policial de transporte, guarda, remessa e entrega de mercadorias, objetos, documentos, valores, moedas nacional e estrangeira, substâncias, materiais e equipamentos, relacionados com a infração penal, antes da apreensão considerada significativa para a repressão ao crime organizado.”
Ou seja, a polícia poderia adiar uma prisão ou uma apreensão de drogas ou dinheiro ilícito, por exemplo, para monitorar o seu transporte com o objetivo de identificar seu percurso e destinatário.
Foi exatamente o que aconteceu na ação controlada que a PF fez no âmbito da delação de Joesley Batista, empresário da JBS, ao rastrear e filmar a entrega de uma bagagem cheia de dinheiro para o deputado Rocha Loures (PMDB-PR), segundo Joesley a pedido de Michel Temer.
A lei da qual resultou o projeto de Temer contém um texto mais genérico, que vai muito além do simples monitoramento de transporte de produtos relacionados a um crime. Em seu inciso II, do artigo 2º, define-se que a ação controlada “consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.”
Ou seja, abriu-se ali a brecha para que, além de deixar de interferir no transporte de material ilícito, aguardando o melhor momento para agir, a polícia também poderia usar outras técnicas de investigação, como as escutas telefônicas, no desenrolar de um ato criminoso.
A lei de 1995 foi substituída em 2012, e depois novamente em 2013, por legislação mais moderna sobre crime organizado. A Lei 12.850/2013, atualmente em vigor, elenca os seguintes meios de obtenção de prova: colaboração premiada; captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; ação controlada; acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; infiltração por policiais; e cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais.
A ação controlada é definida, na lei de 2013, de maneira muito semelhante à da lei de 1995, com pequena variação:
Art. 8o Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
Na justificativa para o seu Projeto de Lei de 1989, Temer citou, entre os crimes que poderiam ser combatidos com esse recurso, “os chamados crimes de colarinho branco”. E reforça: “É óbvio que o remédio combativo há que ser diverso daquele empregado na prevenção e repressão às ações individuais, isoladas, tal qual se verifica quando de um atropelamento ou o furto de um botijão de gás, ainda que doloso.”
O “remédio” ministrado por Temer há mais de vinte anos acabou sendo usado contra ele próprio.
Para saber mais sobre as ações controladas, e seu uso no Brasil e no mundo,
leia a reportagem que estará na edição de VEJA que chega neste sábado às bancas e aos assinantes.
(NOTA DO AUTOR: Neste post, excepcionalmente, este blog não se deteve sobre reportagens de destaque da imprensa internacional. Difícil vislumbrar outro lugar no mundo, neste momento, em que a boa e velha reportagem está fazendo a diferença.)
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