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A boa e velha reportagem

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“Nós criminalizamos o vício”

Porta-voz da polícia americana conta porque Baltimore, que tem uma taxa de homicídio maior do que a do Rio, está revendo a política das "janelas quebradas"

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2017, 18h00 - Publicado em 8 Maio 2017, 16h54
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  • Baltimore, no estado de Maryland, nos Estados Unidos, é uma das cidades mais violentas dos Estados Unidos, com 55,4 homicídios por 100.000 habitantes (o triplo da taxa do Rio de Janeiro, com 18 por 100.000 em 2015). Foi também palco de protestos violentos do movimento Black Lives Matter, em abril de 2015, depois da morte de Freddie Gray, um homem negro de 25 anos, sob custódia da polícia. O episódio levou o departamento de polícia de Baltimore a fazer uma revisão profunda de seus métodos. No ano passado, paralelamente à cobertura das eleições presidenciais americanas, fiz esta entrevista com Nicole Monroe, porta-voz da polícia de Baltimore, sobre o que mudou desde os protestos de 2015 na cidade. Monroe tem 45 anos e está há mais de 20 anos na corporação. Ela revelou que a política de tolerância zero adotada na década passada fracassou (houve um ano em que 1 em cada seis cidadãos da cidade passaram ao menos um dia na cadeia), e que a posição da polícia agora é de defender o controle de armas. A seguir, os principais trechos da conversa:

     

    Como os policiais de Baltimore reagem às acusações de que eles dão tratamento injusto aos cidadãos negros?

    De fato, há um estigma em relação a isso. Especialmente depois dos protestos de 2015. As pessoas dizem certas coisas, mas não podemos deixar isso afetar nossa missão. Muitos de nós aceitamos o emprego para ajudar, e é preciso entender que o trabalho do policial é acompanhado de muita responsabilidade, pois temos o direito de tirar a liberdade e até a vida de uma pessoa. As críticas são uma decorrência natural disso, e precisamos ser capazes de aceitá-las. Aprendemos muito com os protestos. Aprendemos o que não fazer e o que podemos mudar na maneira de atuar. Os protestos nos forçaram a olhar para nós mesmos, a pensar em melhores práticas, treinamentos e políticas, e a sermos mais responsáveis. Nós tínhamos uma política de uso da força que estava nos manuais por uma década, sem revisões.

    A senhora pode dar um exemplo?

    Um exemplo de melhoria foi a adoção de um novo sistema de aplicação de regras de conduta, chamado Power DMS. Antes, quando um novo procedimento policial era colocado em prática, isso era simplesmente comunicado por email. Não havia como os supervisores checarem e se assegurarem de que seus subordinados tinham de fato lido e compreendido aquela política. Agora, as mudanças são comunicadas de maneira direta e acompanhadas no dia a dia. Mas eu gostaria de voltar à questão da percepção. Pode até ser que não seja nossa intenção agir de determinada forma, mas se essa é a percepção das pessoas, se é assim que elas se sentem, precisamos nos assegurar de que estamos fazendo a nossa parte para se certificar de que isso mude. Você pode fazer a mesma coisa várias e várias vezes sem nada de ruim acontecer. De repente, algo ruim acontece. Então você percebe que deveria estar recorrendo a práticas melhores. Se as regras de conduta forem bem elaboradas e estiverem sendo respeitadas, a percepção das pessoas de que são um alvo diminui.

    Como chegou nesse ponto? Por que elas sentem que estão na mira da polícia?

    Não sei como é no Brasil, mas aqui, por um bom tempo, houve a “teoria da janela quebrada” no trabalho policial. Nós éramos guiados pelas estatísticas. Havia essa guerra contra as drogas e muita gente, por menor que fosse a infração, acabou na cadeia. Com isso, nós criminalizamos o vício. Famílias foram separadas. Isso foi algo que aconteceu do dia para a noite. Com a guerra às drogas, veio a violência. Obviamente, nós tendemos a policiar mais pesadamente áreas que têm mais violência. Onde existem mais assaltos e mais homicídios há uma presença maior da polícia. Como resultado, houve uma maior interação da polícia com os cidadãos nessas áreas. E as pessoas sentiram que essas interações foram negativas. Aos poucos, nos afastamos de muitas das coisas positivas que fazíamos para contrabalancear isso.

    Então a polícia não deveria pegar tão pesado com os infratores?

    Não estou, de maneira alguma, dizendo que não devemos combater o crime. E também não estou dizendo que a violência associada à venda de drogas é algo que deve ser ignorado, mas é preciso olhar para o quadro maior. Você tem que observar quem está sendo afetado, e não podemos ver essas pessoas como danos colaterais. Essas são as pessoas a quem estamos servindo. E as pessoas têm diferentes necessidades. Reconhecer isso fez a polícia mudar e perceber que existem muitos outros recursos além de simplesmente algemar alguém para acabar com um problema. Nós somos agentes sociais? Não, não somos. Mas nós somos, quase sempre, a primeira frente de contato das pessoas que estão em apuros. Quando alguém tem um problema, liga para o 911 (número de telefone de emergência). Quer nós sejamos ou não a instituição que vai poder ajudá-los, o fato é que somos os primeiros para quem os cidadãos ligam.

    Pelo fato de ser negra e policial, a senhora recebe alguma cobrança ainda maior por parte dos cidadãos que acham que a polícia é injusta com os cidadãos negros?

    Eu não apenas sou uma policial afro-americana, mas eu também cresci nessa cidade. Eu tenho amigos e família nessa cidade. Eu não me recordo de ter sido tratada de maneira diferente por pessoas com quem tive contato nas ruas por ser uma policial afro-americana. Aqui a questão do profissionalismo é essencial. Se já me disseram coisas nada gentis ou agradáveis? Claro, mas é parte do trabalho você não ser muito sensível a isso. Como uma agente da paz, não podemos reagir a isso. Muitas vezes, quando vamos atender uma ocorrência em um bairro, as pessoas nos recebem com insultos, e sim não é porque elas realmente se sentem assim, mas porque precisam dar essa impressão para as pessoas que estão por perto, de que elas não gostam da polícia ou de que não querem colaborar com a polícia. No geral, porém, considero recompensador ser uma policial afro-americana. Acho que a falta de diversidade gera intolerância. Por isso, estar na minha pele, na minha pele marrom, e fazer esse trabalho me faz olhar as coisas de um jeito diferente. Isso faz de mim melhor? Não, só me dá outra perspectiva. Quando você tem um departamento de polícia que é uma caldeirão cultural, isso faz diferença para melhor.

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    A adoção de câmeras para filmar todas as operações policiais teve impacto positivo?

    Sim. A natureza humana é falha e, sabendo disso, adotamos soluções como essa das câmeras acopladas ao uniforme (body-worn cameras, em inglês) para que, quando algo acontecer, mesmo que haja uma multidão de pessoas sacando seus celulares, nós tenhamos uma perspectiva completa do que aconteceu. Muitas vezes as pessoas decidem filmar a cena quando veem algo empolgante. Mas elas ligam os celulares naquele momento, não registram a abordagem policial desde o início. As câmeras no corpo dos policiais foram muito úteis. As reclamações sobre uso de força diminuíram muito.

    Todos os policiais usam?

    Nem todos os policiais usam ainda, porque o equipamento é caro. Mas em toda patrulha há pelo menos um policial usando. No final do dia, as imagens são descarregadas no computador do departamento de polícia e, se houve ocorrência com uso de força, um supervisor assiste imediatamente às gravações, para examiná-las. As pessoas se comportam melhor quando sabem que estão sendo assistidas.

    Existem muitas armas nas ruas em Maryland ou em Baltimore?

    Nosso chefe de polícia fez lobby a favor de um maior controle de armas. Existem mais armas do que gostaríamos na rua. Se você for na nossa página na internet, vai confirmar o que estou dizendo, pois somos obrigados a postar a imagem e os dados de todas a armas que apreendemos.

    Por que o excesso de armas é ruim para o combate ao crime?

    Basta ver a estatística de pessoas que morrem vítimas de armas de fogo em Baltimore. É um perigo para as pessoas que devemos proteger, além de ser um perigo para os policiais. A lei de armas é muito branda. Andar na rua em Baltimore com uma arma carregada é uma mera infração, não um crime. O cidadão não vai sequer para a cadeia.

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    Suponho que a maioria das pessoas que são mortas pela polícia estão armadas.

    Acredite ou não, nós não temos tantos tiroteios envolvendo a polícia. Nós tivemos cerca de 340 mortes violentas em Baltimore no ano passado, e a polícia estava envolvida em apenas 50 desses episódios.

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