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100 Loucos Anos

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Um século da aventura olímpica parisiense
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Episódio 8: Flanar não é vagabundagem

Deambular para cima e para baixo é modalidade parisiense. Lá atrás, o filandês Paavo Nurmia corria, só corria. Hoje são os quenianos e etíopes

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 ago 2024, 15h53 - Publicado em 8 ago 2024, 14h23

Este blog segue com a ideia original, a de buscar uma história de 100 anos atrás, do tempo da Olimpíada de 1924, e costurá-la com um evento ou uma prova de agora. A cada postagem uma piscadela para ontem e outro para hoje.

Um acontecimento de 1924…

O flâneur é uma entidade parisiense. Na indagação da escritora americana Lauren Elkin, que desde 2004 vive no bairro de Belleville: “Onde será que deparei pela primeira vez com essa palavra, flâneur, tão peculiar, tão elegante e francesa, com seu â arqueado e seu eur ondulado?”. Do verbo francês flâner, o flâneur, “aquele que vagueia a esmo”, nasceu na primeira metade do século XIX, nas passages de Paris recobertas de aço e vidro, tempo em que o barão George-Eugène Haussmann, prefeito da cidade, “o artista demolidor”, reinventou o desenho urbano da metrópole, com a abertura de imensos e lindos bulevares. O flâneur, o andarilho, figura de ócio e privilégio masculino, e aqui recorro novamente a Lauren Elkin, “entende a cidade como poucos, pois memorizou-a com os pés”. Na década de 1860, Charles Baudelaire retratou o sujeito dado a deambular como um artista-poeta da cidade moderna: “A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito”. 

Charles Pierre Baudelaire, 1821 - 1867. French poet, essayist and art critic. After a contemporary print. (Photo by: Universal History Archive/Universal Images Group via Getty Images)
De Charles Baudelaire, sobre os andarilhos: “a multidão é seu universo, como o ar é dos pássaros” (Universal History Archive/Getty Images)

Mas, afinal de contas, quem é que em 1924 flanava por Paris, herdeiro de Baudelaire? Louis Aragon, poeta, romancista e ensaísta, então com 27 anos de idade, da turma surrealista, mas sempre incomodado, um passo para a frente. Naquele ano olímpico, ele começou a rabiscar um livro que publicaria em 1926, O Camponês de Paris, viagem onírica pela cidade retalhada por andaimes. Um dos mais bonitos capítulos da obra, A Passagem da Ópera, é de 1924. É como um manifesto da beleza, da força das artérias da cidade como um organismo vivo, “a alma encantadora das ruas”, tal qual escreveria o carioca João do Rio a respeito de seu lugar no mundo. De Aragon: “‘O bulevar Haussmann já chegou, hoje, à Rua Laffitte’, dizia outro dia L’Intransigeant. Apenas alguns passos do grande roedor e, engolido o bolo de casas que o separa da Rua le Pelletier, ele virá desventrar a moita que atravessa com sua dupla galeria a Passagem da Ópera, para ir dar obliquamente sobre o Bulevar dos Italianos. É quase no nível do café Luís XVI que ele irá se ligar a essa via por uma singular espécie de beijo, do qual não se podem prever nem os efeitos nem a ressonância no vasto corpo de Paris. Pode-se perguntar se uma boa parte do rio humano, que transporta diariamente da bastilha à La Madeleine incríveis torrentes de devaneio e de langor, não vai transbordar nessa nova saída e modificar, assim, todo o curso dos pensamentos de um bairro e, talvez, de um mundo”. 

Quem também flanava por Paris, nas pistas do moderníssimo estádio de Colombes, em Yves-du-Manoir, era o finlandês Paavo Nurmi, a indiscutível estrela dos Jogos, mais do que Johnny Weissmuller. Nurmi – o “homem-relógio”, por sua mania de correr olhando as horas, cronometrando-as com precisão suíça – venceu em em espaço de tempo de seis dias as provas de  1.500 metros, 3.000 metros por equipes, 5.000 metros e as duas provas de cross country. No cross country, aliás, os atletas pisavam no chão à margem do Sena, em pouco mais de 10 quilômetros, até a chegada diante das arquibancadas de Colombes. Nurmi sempre na frente, vagueando como Baudelaire, como Aragon. 

 

… e um de agora

Troque-se os finlandeses pelos quenianos e etíopes, as mecas das provas de longa distância. Um conselho: seguir com atenção, como um flâneur romântico, na final dos 10.000 metros desta sexta-feira, a sensacional Beatrice Chebet, do Quênia, que já ganhou ouro nos 5 000. Em maio ela quebrou o recorde mundial da distância com o tempo de 28m54s14, a primeira mulher a derrubar a casa dos 29 minutos nos 10 quilômetros. O tempo foi 7 segundos mais rápido do que a marca anterior, da etíope Letesenbet Gidey, estabelecida em 2021. Entre os homens, nos 5.000 deste sábado, aí, sim, dá para apostar em um “primo” de Nurmi, o noruguês Jakob Ingebrigtsen, que em Tóquio venceu os 1.500 metros. E não há como fugir de uma pergunta e uma resposta do Prêmio Nobel Jon Fosse, conterrâneo de Ingebrigtsen, em entrevista a Alessandro Giannini, nas páginas amarelas de VEJA: “Em boa parte de seus livros, os personagens são assombrados pelo passado. Por que isso? É a vida. Cada ser humano tem o seu passado, que está consigo o tempo todo. Não conhecemos a capacidade do cérebro, não sabemos quão grande ele é. De certa forma, lembramos de tudo. Não lembramos das coisas conscientemente, mas elas estão em algum lugar. E continuam impactando-nos, dessa ou daquela forma”.

 

No episódio de domingo, 11 de agosto, o derradeiro, a bebedeira de Zelda e F.Scott Fitzgerald encaminha a próxima olimpíada, em Los Angeles

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