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Quantos amigos você consegue ter?

Criador do “número de Dunbar”, o antropólogo e psicólogo evolucionista inglês Robin Dunbar explica por que, apesar das redes sociais, os amigos de verdade se restringem a um grupo de, em média, 150 indivíduos por pessoa

Por Carolina Melo Atualizado em 9 Maio 2016, 14h46 - Publicado em 17 mar 2015, 15h07

“A frequência do contato é sem dúvida o que mais importa na construção de uma amizade. A intensidade da relação depende muito do quanto você vê a pessoa e do tempo que você gasta com ela”

Quantos amigos você tem na internet? Quinhentos? Mil? Pois bem, não se iluda. O limite das relações humanas é determinado pela biologia. O ser humano tem capacidade de manter uma rede de amizade composta por, em média, 150 pessoas. Conhecido como “número de Dunbar”, ele foi estipulado, na década de 90, pelo antropólogo inglês Robin Dunbar. Aos 67 anos, o professor da Universidade de Oxford, é um dos mais importantes estudiosos da psicologia evolutiva. Segundo ele, esse número se mantém estável desde os primórdios da humanidade e não mudou com a popularização das redes sociais digitais. “Compartilhar informações pessoais com quem não se tem intimidade cria a falsa sensação de amizade”, disse ele a VEJA. Dunbar é autor de uma dezena de livros. O mais importante deles, de 2010, é How Many Friends Does One Person Needs? Dunbar´s number and other evolutionary quirks (em tradução livre, Quantos amigos uma pessoa precisa? O número de Dunbar e outras peculiaridades evolucionárias). A seguir, a entrevista de Dunbar:

Qual é o impacto das redes sociais digitais nas relações humanas, sobretudo nas de amizade? As redes, como o Facebook, mudaram a forma como nos relacionamos com os amigos que estão distantes -e, por isso, tornaram-se tão populares. Elas criam, no entanto, a falsa impressão de que possuímos muitos amigos. Encontrar a pessoa pessoalmente e conviver com ela faz toda a diferença. Nesse sentido, o Skype é melhor, pois proporciona a “coexistência” do outro, ainda que virtualmente. O problema é que o Facebook classifica todo mundo como amigo. Muitos ali são apenas conhecidos – muitas vezes, quase desconhecidos. Compartilhar informações pessoais com quem não se tem intimidade cria a falsa sensação de amizade. Na realidade, a média de 150 amigos por pessoa mantém-se inalterada, independentemente das redes sociais digitais.

Como o senhor chegou ao “número de Dunbar”, que determina a média de 150 amigos por pessoa? Esse número se mantém o mesmo desde os primórdios da humanidade. Entre os primatas, a quantidade de amigos é determinada pelo tamanho do cérebro. Quanto maior o cérebro, maior é a capacidade do indivíduo de estabelecer vínculos de amizade. Os macacos, por exemplo, mantêm uma comunidade restrita a cinquenta integrantes. É uma fórmula de sucesso. Durante milhares de anos o ser humano viveu em aldeias e vilarejos. Há pouco mais de um século habitamos grandes cidades, com populações numerosas. Ainda assim, nosso círculo social funciona da mesma maneira de milênios atrás. Aqueles que conhecemos pessoalmente, em quem podemos confiar e com quem temos alguma afinidade não passa de 150. Um dos primeiros estudos que fizemos para comprovar esse número ocorreu em 1993, quando pedimos para que famílias inglesas enviassem cartões de natal para sua rede de conhecidos, uma tradição forte no país. Ao fim da pesquisa, descobrimos que o número de pessoas que receberam esses cartões foi aproximadamente esse, 150. Dentro desta rede estavam familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho.

Na prática, o que define esse grupo? Imagine-se na seguinte situação: você está no aeroporto de Hong Kong, em plena madrugada, e vê uma pessoa conhecida. Você se deslocaria para cumprimentá-la sem hesitar? Se a resposta for positiva, essa pessoa está entre seus 150 amigos. Ela pode não ser um melhor amigo, mas você sabe quem ela é e qual o papel dela no seu círculo social – e vice versa. Essas são pessoas que você encontra pelo menos uma vez por ano e que seriam convidadas para uma grande festa organizada por você.

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Por que não conseguimos manter uma rede maior de amigos? O problema não é capacidade de memória. Conseguimos fazer isso com um número muito superior a 150 indivíduos – saber quem são e o que fazem. A questão é o tipo de relação que mantemos com as pessoas. Qual é o papel que elas têm em nossa vida? Quanto tempo nós investimos na relação com elas? Dos 150 amigos, cinquenta são considerados bons amigos. Desses, apenas quinze podem ser chamados de melhores amigos. E entre eles, somente cinco pertencem à categoria dos amigos íntimos, aqueles que você procura quando está com problemas, pede conselhos, busca consolo e até mesmo aceita dinheiro emprestado. É importante lembrar que o número 150 é uma média. Ele pode variar, conforme a personalidade de cada pessoa, suas habilidades sociais e seu gênero. Alguém com mais traquejo para lidar com os mais diversos tipos de pessoas, obviamente tende a ter um círculo de amizade maior. Da mesma forma, acontece com os extrovertidos –ainda que o vínculo estabelecido por eles seja menos profundo do que os firmados entre os introvertidos e seus amigos.

O que define os diferentes graus de amizade? A frequência do contato é sem dúvida o que mais importa na construção de uma amizade. A intensidade da relação depende muito do quanto você vê a pessoa e do tempo que você gasta com ela. Investimos cerca de 40% do nosso tempo social com nossos cinco amigos íntimos e 60% do tempo social com nossos quinze melhores amigos. Sobra pouco para os cem amigos que restam. São os encontros de verdade, cara a cara, que sustentam e fazem uma amizade sobreviver. Se um novo amigo entra em nossa vida, significa que algum outro amigo, com quem não se tem mais tanto contato, perdeu seu lugar no grupo dos 150. É mais ou menos como ocorre nos relacionamentos amorosos: você quer fazer com que seu parceiro se sinta especial e, para isso, você precisa sacrificar o tempo dedicado a outras pessoas. É por isso que, quando um amigo muda de cidade, fica mais difícil manter o vínculo.

Os familiares estão incluídos na conta dos 150 amigos? Sim, algumas pesquisas mostraram que, na Europa, 50% das pessoas do círculo social são parentes. Já no Brasil, essa proporção é ainda maior, ultrapassando 50% dos laços de amizade, talvez porque as famílias são maiores. A relação que estabelecemos com os parentes que estão no grupo dos 150 difere muito da que estabelecemos com os amigos que adquirimos ao longa da vida. Quando passamos mais de seis meses sem encontrar um desses amigos, os vínculos emocionais com ele tendem a enfraquecer. Com isso, essa pessoa acaba por perder o lugar na hierarquia das relações sociais. Há de se levar ainda em conta ainda que as amizades passam por mudanças no transcorrer dos anos. O cartel de amigos costuma se renovar em cerca de 20% de tempos em tempos. Em contrapartida, a relação de amizade estabelecida dentro da família não requer essa presença constante. Ela se tende a se manter intacta durante quase toda a vida.

Não é preocupante o tempo que as pessoas, sobretudo os jovens, passam online? Sim, muito preocupante. Ao longo da vida nós temos de desenvolver diversas habilidades para conseguirmos sobreviver em nosso complexo mundo social. Leva-se cerca de 20 a 25 anos de prática para que uma pessoa tenha habilidades sociais satisfatórias. Se, por exemplo, uma criança estiver brincando no parque e outra criança jogar areia nela, ela aprenderá a administrar essa situação de forma adequada e manter seu círculo social funcionando. Mas crianças que não tem a oportunidade de passar por essas experiências e adquirir essas habilidades sociais podem se tornar alienadas e completamente egoístas. Elas passam muito tempo conversando com os amigos pela internet e, se algum deles insultá-lo, basta fechar a janela da conversa e começar a bater papo com outra pessoa. Na vida real não nós podemos fazer isso, nós somos obrigados a aprender maneiras de lidar com situações desagradáveis. As conversas online tendem a ocorrer em uma bolha. O ato de não vermos as pessoas com quem estamos conversando faz com que nossa imaginação voe. Atribuímos a nosso interlocutor as características que gostaríamos de encontrar no modelo perfeito de amigo ou parceiro.

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A importância da amizade para o ser humano é tão importante hoje quanto no passado? Claro que sim. Nós só sobrevivemos em grupo. Hoje em dia não precisamos dos amigos para nos protegermos dos predadores, como acontecia nos primórdios da humanidade. As circunstâncias mudaram, evidentemente. Os amigos são essenciais para todo tipo de situação que nos permite seguir a vida com sucesso – de alguém para desabafar a quem tome conta de seu filho quando você tiver um compromisso. O grupo dos 150 amigos define uma série de acontecimentos em nossa vida. Em 70% dos casos, o encontro do par romântico acontece por intermédio de uma dessas pessoas. Além disso, vários estudos já mostraram que os amigos são importantes até para a saúde. Se você quiser viver muito, eu aconselho a ter uma rede bem integrada de amigos de qualidade. A construção de relações de amizade ricas e duradouras está associada a uma série de benefícios à saúde. Ajuda na prevenção de uma série de doenças –distúrbios cardiovasculares, depressão, Alzheimer, entre outras. Eu diria que os efeitos positivos da amizade na saúde são tão grandes quanto parar de fumar.

Assim como existe um hormônio associado ao stress, podemos dizer que há um hormônio da amizade? Sim, a endorfina. Ela funciona como uma espécie de ópio, mas sem oferecer o risco da dependência. Quando o contato com outra pessoa nos é de alguma forma prazeroso, a endorfina é liberada, proporcionando a sensação de relaxamento e felicidade. Rir, conversar, sair para dançar ou ouvir música com os amigos são gatilhos para a síntese de endorfina. Graças a essa substância, nos sentimos parte de um grupo, um dos principais alicerces para a consolidação da amizade.

Como homens e mulheres se diferem em relação à comunidade? A explicação é a mesma para todos os primatas. As fêmeas que definem a vida social, os machos apenas as seguem, eles são mais flexíveis e não têm relações tão profundas quanto as fêmeas, que são mais intensas em seus relacionamentos. Entre a maioria das espécies primatas, o segredo para uma fêmea ter sucesso reprodutivo vem do apoio que ela ganha das outras fêmeas. E é preciso muita dedicação para que elas consigam se inserir nesse mundo social. Pesquisas com babuínos do Quênia mostraram que as fêmeas que tiverem sucesso socialmente são também as que tiveram a prole mais numerosa e sobrevivente ao longo da vida.

Isso significa que mulheres têm mais habilidades sociais? Sim. Para os homens as amizades são mais casuais, enquanto para as mulheres essas relações são mais intensas, mais valiosas. Se um casal mudar de cidade, por exemplo, é mais provável que a mulher mantenha as amizades antigas. Uma das explicações para isso está no fato de que as mulheres compartilham com as outras os problemas relacionados aos cuidados com os filhos. Para o homem, se ele for morar em outra cidade, só precisa de um novo clube para frequentar – não importa quem são os sócios. É como um time de futebol: é importante que os jogadores tenham um bom relacionamento, mas a relação não necessariamente precisa ser intensa. Esse raciocínio funciona bem no campo da política, negócios, forças armadas… Mas as coisas podem mudar muito, porque as mulheres estão cada vez mais presentes nessas áreas.

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Essas diferenças também podem ser notadas no cérebro de homens e mulheres? Ainda não sabemos exatamente como, mas o cérebro de homens e mulheres estão organizados de maneira diferente. Uma boa pista é o fato de mulheres terem mais substância branca, o que gera mais conexões no cérebro. Talvez por isso as mulheres consigam administrar um número maior de amigos. Elas geralmente têm uma rede social maior e mais complexa, com mais “melhores amigos”.

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