Análises realizadas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelam que o tratamento térmico e a adição de extrato de guaraná à proteína de ervilha resultam em um ingrediente com grande potencial para ser aplicado em formulações de bebidas vegetais, oferecendo uma opção nutritiva e saudável à indústria alimentícia.
Essa foi a conclusão obtida por pesquisadores do Laboratório de Engenharia de Processos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA-Unicamp) após examinar uma emulsão de água e óleo produzida com a versão modificada da proteína e enriquecida com vitamina D3. A investigação contou com apoio da Fapesp.
“O aumento da demanda por alimentos sem ingredientes de origem animal tem impulsionado o interesse por proteínas vegetais. O seu protagonismo nas formulações alimentícias está associado às suas propriedades tecnológicas, como a capacidade de estabilizar emulsões, formar géis ou espumas, além de auxiliar na saciedade e fornecer aminoácidos essenciais para o organismo”, conta a engenheira de alimentos Rosiane Lopes da Cunha, professora titular da FEA-Unicamp e coautora do estudo.
No entanto, há desafios relacionados à solubilidade em água das proteínas vegetais, o que compromete suas propriedades e aplicações em alimentos. Por isso, especialistas estão trabalhando com abordagens para melhorar essas questões e uma das que têm ganhado protagonismo envolve o aquecimento e a incorporação de extratos ricos em compostos fenólicos, como os presentes no guaraná.
“A adição do extrato de guaraná é uma estratégia inovadora, que visa valorizar um produto amazônico e rico em compostos bioativos capazes de interagir com a proteína de ervilha, melhorando sua capacidade de estabilizar emulsões”, explica a pós-doutoranda Marluci Palazzolli da Silva Padilha. Já a escolha da proteína da ervilha se deu devido à sua baixa alergenicidade e boa acessibilidade, além de ser uma fonte vegetal versátil, exibindo propriedades emulsificantes e gelificantes.
Mas seu uso comercial apresenta algumas limitações, como baixa solubilidade em água, sabor desagradável e textura arenosa, dificultando sua aplicação em produtos, como bebidas. No estudo, foram exploradas as alterações geradas por meio de sua união com o extrato de guaraná e do aquecimento, melhorando suas propriedades para aplicação em formulações alimentícias.
Metodologia
Na primeira fase do projeto os pesquisadores avaliaram as modificações tecnológicas sofridas pela proteína da ervilha decorrentes do tratamento térmico e da união com o extrato de guaraná. Na segunda etapa, a emulsão foi preparada utilizando a proteína de ervilha modificada e incluindo vitamina D3, nutriente que pode favorecer o funcionamento adequado do sistema imunológico e curar o raquitismo nutricional – e que normalmente é instável em bebidas, fazendo com que sua incorporação nesse tipo de produto seja um desafio para a indústria.
Também foi avaliado o impacto da estocagem das emulsões a 25°C e na presença de luz ultravioleta (UV). “Os resultados indicam que, após 30 dias de armazenamento, pelo menos 77% da vitamina D foi preservada nessas formulações”, conta Padilha.
Por fim, as emulsões foram submetidas a um ensaio de digestão simulada para avaliar a biodisponibilidade de vitamina D. Nessa terceira fase, foi possível concluir que as formulações de emulsão estabilizada com proteína de ervilha adicionada de extrato de guaraná apresentaram maior disponibilidade de vitamina D em comparação com as emulsões estabilizadas apenas com a proteína de ervilha.
Outra boa notícia é que os processos empregados no estudo para a modificação da proteína de ervilha são facilmente escalonáveis na indústria de alimentos. O aquecimento foi feito durante 30 minutos a 90°C, método semelhante à pasteurização lenta de sucos e produtos lácteos. Em relação à incorporação do extrato de guaraná, há uma etapa de ajuste do pH que visa controlar a interação entre os compostos fenólicos do guaraná e a proteína de ervilha que é comum nas empresas da área, sendo monitorada para garantir tanto a segurança do alimento quanto o sabor.
“Essa abordagem abre novas possibilidades para o desenvolvimento de emulsificantes à base de plantas com propriedades funcionais aprimoradas. Os resultados indicam que outras proteínas vegetais também podem ser beneficiadas por essas estratégias, ampliando suas aplicações na indústria de alimentos”, afirma Cunha. “Mas é importante destacar que a otimização dos processos de modificação da proteína vegetal está atrelada à composição tanto da proteína quanto do extrato fenólico utilizado.”