Apesar de compartilharem exatamente o mesmo DNA, os gêmeos idênticos podem apresentar personalidades completamente diferentes – mesmo quando criados na mesma família. Até agora, os pesquisadores não sabiam exatamente por meio de que mecanismos os indivíduos superavam sua programação genética e se diferenciavam ao longo da vida, formando sua individualidade. Uma nova pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista Science mostra que as experiências pelas quais cada pessoa passa ao longo dos anos podem levar à formação de novos neurônios em seu cérebro, moldando a sua personalidade e comportamento – e tornando diferentes indivíduos que são geneticamente idênticos.
CONHEÇA A PESQUISA
Título original: Emergence of Individuality in Genetically Identical Mice
Onde foi divulgada: periódico Science
Quem fez: Julia Freund, Andreas M. Brandmaier, Lars Lewejohann, Imke Kirste, Mareike Kritzler, Antonio Krüger, Norbert Sachser, Ulman Lindenberger, Gerd Kempermann
Instituição: Universidade Técnica de Dresden, na Alemanha
Dados de amostragem: Quarenta camundongos fêmeas geneticamente idênticas, criadas dentro de uma gaiola grande e com vários ambientes a serem explorados
Resultado: Os pesquisadores descobriram que os camundongos que mais exploraram os ambientes da gaiola tinham, no final da experiência, um número maior de novos neurônios no hipocampo. Isso mostra que, apesar de compartilharem o mesmo DNA, as experiências podem alterar o cérebro – e a personalidade – dos indivíduos
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores estudaram o cérebro e o comportamento de quarenta camundongos geneticamente idênticos. Com quatro semanas de idade, eles foram colocados dentro de uma grande gaiola, com muitos brinquedos e opções de atividades à sua disposição. A intenção dos cientistas era estudar se, apesar das semelhanças em seu DNA, os camundongos iriam explorar o ambiente de formas diferentes. “Os animais não eram somente geneticamente idênticos, eles também estavam vivendo no mesmo ambiente. No entanto, esse ambiente era tão rico que cada animal foi capaz de construir suas próprias experiências nele”, disse Gerd Kempermann, pesquisador do Centro para Terapias Regenerativas da Universidade Técnica de Dresden, na Alemanha.
Para estudar o padrão de movimentos dos animais, os pesquisadores instalaram radiotransmissores em cada um deles. Os dados captados durante o estudo mostraram que, apesar do ambiente e dos genes comuns, eles mostraram padrões de comportamentos muito individuais. Cada um deles reagiu ao novo ambiente de um jeito, explorando as áreas da gaiola e usando os brinquedos com frequências diferentes. Ao longo dos três meses que durou o experimento, essas diferenças de comportamento foram aumentando cada vez mais.
Ao final do estudo, os pesquisadores analisaram o cérebro de cada um dos camundongos, e concluíram que aqueles que haviam explorado mais o ambiente da gaiola também contavam com um número maior de novos neurônios. “Apesar de os animais dividirem o mesmo espaço, eles foram se diferenciando cada vez mais em seus níveis de atividade. Essas diferenças foram associadas a alterações na geração de novos neurônios em seu hipocampo, uma região do cérebro associada com o aprendizado e a memória. Os animais que mais exploravam o ambiente desenvolveram mais neurônios novos do que os mais passivos”, disse Kempermann.
Segundo os pesquisadores, isso demonstra que o cérebro pode ser moldado a partir da interação do indivíduo com o ambiente, e que o crescimento de novos neurônios durante a vida adulta promove a individualidade.
Neurônios da individualidade – Entre a maioria dos mamíferos, a formação de novos neurônios costuma acontecer até pouco tempo depois do nascimento. Seu desenvolvimento em adultos é muito mais limitado e se restringe – entre os humanos – ao hipocampo. Segundo os neurocientistas, isso permite ao cérebro reagir a novas e complexas informações de modo mais flexível.
O estudo publicado nesta quinta-feira é o primeiro a mostrar que as experiências pessoais e o comportamento resultante delas contribuem para a formação de novos neurônios e a individualização do cérebro. Apesar de ter usado camundongos, o estudo também pode explicar as diferentes personalidades de gêmeos idênticos humanos. “A formação de novos neurônios na fase adulta também acontece no hipocampo dos seres humanos. Nós presumimos ter encontrado a fundação neurobiológica da individualidade – que também se aplica para os homens”, disse Kempermann.
Durante o experimento, os pesquisadores também analisaram o cérebro de um grupo controle de camundongos, que ficou de fora da grande gaiola usada no experimento e foi enclausurado em um ambiente comparativamente pouco atrativo. Entre esses animais, a geração de novos neurônios foi bem menor do que entre os que podiam explorar um grande número de ambientes. “Quando visto a partir de uma perspectiva educacional e psicológica, o resultado sugere que ambientes mais ricos favorecem o desenvolvimento da individualidade”, diz Ulman Lindenberger, pesquisador do Instituto Max Planck de Desenvolvimento Humano, na Alemanha, que também participou do estudo.