Os riscos do implante hormonal para as mulheres
Indicado para problemas associados à menstruação, o procedimento tem sido procurado por seus efeitos estéticos — uso que os médicos condenam
A proposta parece irresistível para as mulheres. Um procedimento médico capaz de interromper, ou ao menos mitigar, os sintomas associados à menstruação, como a dor de cabeça e a cólica. Uma terapia afeita a tonificar o corpo, aumentar a disposição e incrementar a libido. Trata-se do implante hormonal — ou “chip” da beleza, em seu exagerado apelido. É um recurso que virou febre no Brasil, nos últimos meses, desde que usuárias famosas como as atrizes Deborah Secco, Bruna Marquezine e Letícia Birkheuer e a apresentadora Adriane Galisteu saíram por aí, nas redes sociais, badalando a intervenção.
O chip, na verdade, não é um chip. É um tubinho fino de silicone, com cerca de 4 centímetros de comprimento. Sua colocação é simples, com anestesia local e uma microincisão na região das nádegas ou no braço. Custa 3 000 reais e tem validade de seis meses a um ano — depois, é preciso trocá-lo. Não dói e pode ser retirado a qualquer momento. Os efeitos “milagrosos”, digamos assim, e ter a expressão entre aspas é compulsório, são decorrentes dos hormônios liberados pelo dispositivo. O principal deles é a gestrinona. No corpo feminino, ela inibe a ovulação e ainda estimula a ação de outro hormônio, a testosterona (veja o quadro). Conhecida por “comandar” o corpo masculino, a testosterona também está naturalmente presente no organismo da mulher. Em ambos os sexos, o composto está envolvido na produção de ossos, massa muscular, oleosidade da pele e na estimulação da libido. No sexo masculino, a produção natural é cerca de trinta vezes maior do que no feminino. Isso explica por que os homens são em geral mais fortes e mais peludos e têm a voz mais grossa, por exemplo. Para elas, o hormônio tem a função primordial de auxiliar o processo de reprodução. Mas níveis altos de testosterona alimentam, paralelamente, outro efeito: o vigor físico, e é isso que tem provocado interesse e entusiasmo. Aos 59 anos, a empresária paulista Eliana Guazzelli Pereira teve aplacadas as ondas de calor, a mudança de humor e a insônia atreladas à menopausa. Dois meses depois, vieram outras respostas: pele e músculos mais firmes. “Minha qualidade de vida mudou, e não pretendo tirar mais o dispositivo”, diz ela.
As promessas são muitas e, aparentemente, inescapáveis. Mas convém ter cautela. O implante provoca efeitos colaterais ruins, segundo entidades médicas respeitadas — e eles podem ser mais numerosos que os positivos. Não há, ainda, estudo conclusivo que associe diretamente o uso do implante a problemas de saúde, e por isso ele não é vetado. A resistência de muitos especialistas tem base em trabalhos que já relacionaram o excesso de testosterona com cânceres. Estudo conduzido pela Universidade Harvard mostrou que a aplicação do hormônio em mulheres na menopausa resultou em risco duas vezes maior de desenvolver tumor de mama. Diz o oncologista Gilberto Amorim, da Rede D’Or: “A testosterona extra pode estimular o crescimento desordenado das células mamárias, deflagrando o câncer”. Há uma agravante: a manipulação é feita em farmácias, sem o rigor necessário.
Some-se, ainda, uma confusão típica dos tempos de culto ao corpo: muitas mulheres foram atraídas pelos resultados estéticos do implante, e não porque tivessem alguma deficiência hormonal. “O uso do medicamento por pessoas que não tenham problemas hormonais é contraindicado”, diz Alexandre Hohl, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Em nota, o Conselho Federal de Medicina declarou que “tratamentos do tipo só devem ser feitos por razões médicas”. Fica o alerta.
Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666