Em novembro de 1998, uma coalizão formada por Estados Unidos, Rússia e outros treze países colocou em órbita, após onze anos de construção e ao custo de 150 bilhões de dólares, a Estação Espacial Internacional (ou apenas ISS, sigla para International Space Station). Além de expressar um fantástico avanço científico para a época, o projeto nascido principalmente da junção de forças entre a Nasa, a agência especial americana, e a Roscosmos (a Nasa da Rússia) sintetizava o apogeu da cooperação entre potências internacionais. O mundo, afinal, deixara para trás as tensões da Guerra Fria e parecia caminhar para uma nova era de paz. Desde então, a ISS mostrou ser possível a colaboração entre nações que se comportavam como rivais, ampliou os conhecimentos sobre o espaço sideral e trouxe valorosas conquistas em diferentes áreas da ciência. Agora, tudo isso ficará para trás. Segundo a Nasa, a Estação Espacial será desativada em 2030, após longa jornada que terá durado exatos 32 anos. No ano seguinte, seus destroços deverão mergulhar nas profundezas do Pacífico Sul, na região de Point Nemo, conhecida como “o lugar mais solitário da Terra”.
Sob diversos aspectos, o fim da Estação Espacial é reflexo dos novos tempos. Nos últimos anos, americanos e russos voltaram a se estranhar, e a guerra na Ucrânia acabou por trazer de volta velhos desentendimentos. A aposentadoria da espaçonave também marca a transição para investidas comerciais na órbita terrestre baixa, como é conhecida a área do espaço próxima à Terra. Cada vez mais, os bilhões de dólares necessários para projetos desse tipo serão desembolsados pela iniciativa privada.
Outro aspecto a se considerar é o fato de que, após duas décadas e meia de uso, a Estação Espacial já cumpriu o seu dever científico. De acordo com a Nasa, não há mais avanços que ela possa oferecer. A partir de agora, a agência americana pretende destinar os valores que serão economizados com a interrupção da ISS para a exploração do espaço profundo, ainda desconhecido pela ciência e que certamente reserva mais surpresas.
Nada disso, contudo, apaga a trajetória formidável da ISS. Nesse laboratório sideral, físicos produziram o chamado quinto estado da matéria, um feito que pode ajudar na compreensão da mecânica quântica, algo bem difícil de ser atingido no solo firme da Terra. Também em pleno espaço, profissionais da química aprimoraram o estudo das proteínas, o que levou ao desenvolvimento de medicamentos capazes de combater alguns tipos de câncer e doenças neurodegenerativas. Como não poderia deixar de ser, os cosmonautas ainda investigaram o impacto da microgravidade na fisiologia humana para, no futuro, garantir maior segurança em viagens interplanetárias. Desde 1998, pelo menos 3 000 experimentos foram realizados a bordo da Estação, o que a tornou um dos laboratórios mais produtivos da história da ciência.
Diversas iniciativas ambicionam ocupar o espaço que será deixado pela ISS. Desde novembro do ano passado, a Tiangong, uma estação espacial 100% chinesa, está em órbita e com experimentos científicos em andamento. Rússia e Índia também demonstraram interesse em ampliar seu protagonismo nesse campo. Nos Estados Unidos, pelo menos três agências privadas — uma delas, a Blue Origin, de Jeff Bezos, que prevê lançar a sua espaçonave em 2027 — desenvolvem as suas próprias estações. Embora com pouca tradição na área, o Brasil almeja fazer parte da nova e promissora era de exploração espacial. Rodrigo Leonardi, coordenador de Satélites e Aplicações da Agência Espacial Brasileira, revela que o país tem discutido participar da missão Artemis, que retomará as viagens à Lua. Não há dúvida: a ISS pode ter chegado ao fim, mas a odisseia da conquista do espaço está apenas começando.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836