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O neurocientista das plantas

O biólogo Frantisek Baluska pesquisa neurobiologia vegetal, estudo que acredita que as plantas têm inteligência para resolver problemas. Em entrevista ao site de VEJA, ele explica o porquê da resistência científica a seu objeto de trabalho e decifra as capacidades de árvores e arbustos

Por Rita Loiola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2016, 14h47 - Publicado em 9 mar 2014, 10h56
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  • Para o biólogo eslovaco Frantisek Baluska, de 56 anos, a espécie humana sofre de bloqueio psicológico que a impede de aceitar que as plantas podem ser inteligentes. “Gostamos de nos considerar o topo da evolução, essa é a nossa natureza”, afirma o pesquisador da Universidade de Bonn, na Alemanha, um dos nomes mais importantes em todo o mundo no estudo de neurobiologia vegetal.

    O neurocientista das plantas
    Baluska ()

    O biólogo Frantisek Baluska

    O título controverso do seu campo de estudos foi criado por ele e por mais quatro colegas em 2007, em um manifesto que pretendia chamar a atenção para o estudo de sistemas vegetais extremamente refinados. Com isso, Baluska não queria dizer que as plantas têm cérebro ou neurônios, mas que dispõem de ferramentas biológicas que lhes permitem resolver problemas. Uma capacidade chamada por ele de inteligência.

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    Além de conduzir pesquisas na universidade alemã, o biólogo faz parte do Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal, em Florença, na Itália, é co-fundador da Sociedade de Comportamento e Sinalização Vegetal e edita uma revista científica dedicada a pesquisas na área. Depois de quase trinta anos estudando a biologia e fisiologia das plantas, ele encontrou, nos últimos meses, evidências de que as raízes têm sua própria versão de processos que, nos animais, são chamados de sinapses. Em entrevista ao site de VEJA, Baluska discute a resistência a suas pesquisas e, com sua visão de neurocientista das plantas, explica o que é a cognição vegetal.

    Qual o seu conceito de inteligência? Há muitas definições, a maior parte antropocêntrica. Sigo aquela que vê na inteligência a habilidade para resolver problemas apresentados pelo ambiente.

    Sob essa ótica, plantas são seres inteligentes? Sim. Elas resolvem problemas o tempo todo. E como são imóveis, arraigadas no solo, seus problemas são ainda mais sérios que aqueles dos animais.

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    No entanto, a maior parte de seus colegas não concorda que exista uma inteligência vegetal. Isso é muito interessante. Acredito que a fonte desse problema está em nossa natureza humana: gostamos de nos considerar como o topo da evolução. Temos um bloqueio psicológico em reconhecer que existam outros seres tão ou mais inteligentes que nós. No entanto, não temos a capacidade de sustentar a civilização sem os vegetais. Na verdade, se todos eles se extinguissem subitamente, sobreviveríamos alguns meses, anos nos máximo. Por outro lado, a maior parte das plantas viveria se todos os animais e a raça humana desaparecessem.

    Você e seus colegas publicaram uma carta em 2007, no periódico Trends in Plant Science, defendendo o uso de termos como inteligência e comportamento em plantas. Por que, até hoje, é difícil que esses termos sejam empregados para descrever vegetais? A situação melhorou desde então. Alguns termos – comportamento, comunicação e sinalização – são aceitos agora. Mas as maiores dificuldades ainda persistem: não é possível obter recursos de agências de fomento se o projeto for escrito com palavras como inteligência, cognição ou neurobiologia vegetal.

    Falar em neurobiologia significa dizer que plantas fazem sinapses? Desde que Charles Darwin se interessou por plantas carnívoras, no fim do século XIX, sabemos que elas funcionam por meio de pulsos elétricos. Sabemos que há versões vegetais de neurotransmissores e receptores que integram e talvez ‘animem’ o corpo das plantas, da mesma forma que animam nosso corpo. Sinais elétricos controlam também a respiração e a fotossíntese em qualquer vegetal. Dados preliminares sugerem que esses sinais elétricos transmitidos por longas distâncias também controlam o tropismo nas raízes.

    Como assim? Estamos estudando a endocitose, processo em que as células absorvem materiais através da membrana celular, o principal processo de comunicação sináptica neuronal em nossos cérebros. Encontramos processos muito semelhantes nas raízes.

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    Em um seu livro Communication in Plants – Neuronal aspects in plant life (Comunicação em Plantas – Aspectos neuronais da vida das plantas, publicado em 2007 e sem tradução no Brasil), você afirma que as plantas “reconhecem outros organismos como bactérias, fungos, outras plantas, insetos, pássaros e animais que, provavelmente, incluem os humanos”. Isso quer dizer que elas têm consciência de si e do ambiente em que vivem? Ninguém sabe isso porque, como expliquei, ainda não é possível estudar esses assuntos com toda a liberdade. No entanto, a comunidade científica aceita que as plantas têm sistemas sensoriais que permitem que elas conheçam os vegetais ao redor, bactérias, insetos, animais e, sim, humanos. É muito provável que elas tenham a sua própria consciência e compreensão vegetal. Elas podem manipular insetos, animais e, talvez, os homens (por meio de aromas, formas, cores e substâncias que alteram a consciência) para o seu proveito.

    E essas habilidades foram comprovadas por estudos científicos? Sim, todos esses aspectos já foram muito bem estudados, mas ainda não foram interpretados pela perspectiva da neurobiologia vegetal. Eles são muito importantes para a ciência agrícola.

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    Várias das novas descobertas em neurobiologia vegetal admitem que haja novos significados para o tropismo, a conhecida capacidade das plantas de se movimentar segundo estímulos como luz ou água. O que você afirma é que os vegetais não respondem automaticamente a esses sinais, mas escolhem fazer isso? As plantas leem ao menos vinte parâmetros diferentes do ambiente e integram todas essas informações em suas células e tecidos para responder de maneira inteligente – senão, elas não sobreviveriam. Isso requer memória, aprendizado, atenção e cognição. Mas é preciso lembrar que elas têm sua própria versão dessas habilidades, ditada por sua vida vegetal. Nesse aspecto, a parte da planta mais interessante é a raiz, que busca água e minerais no solo, um lugar muito heterogêneo. Essa é uma tarefa difícil e ela se une a fungos e bactérias para ser bem-sucedida. Recentemente, além desse comportamento de busca, foram identificados na raiz também os de fuga e evasão. Raízes são capazes de comunicar suas experiências de stress, reconhecer a si e a outras raízes, identificar plantas da sua família e as estranhas e ter comportamento coletivo. Um único pé de centeio precisa coordenar suas 13 815 672 raízes e radículas, com um comprimento total de 622 quilômetros.

    Você mencionou a memória. Plantas se lembram de suas experiências passadas? É claro que as plantas têm memória. Ela é necessária para sua adaptação e sobrevivência em ambientes que estão, o tempo todo, se modificando. Mas reforço: são memórias específicas de vegetais e nossa compreensão a seu respeito ainda é muito restrita.

    Você é especialista em comunicação entre as plantas. Por que resolveu pesquisar um tema tão controverso? A sobrevivência humana depende das plantas. Na verdade, nossa evolução foi dividida com os vegetais cultivados por nós e, como a comunicação entre as árvores é muito importante para nos manter vivos, devemos entendê-la. Além disso, jamais seremos capazes de compreender a biosfera e a natureza humana sem ter um melhor conhecimento dos vegetais em toda a sua complexidade sensorial e neurobiológica.

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    Muitos biólogos argumentam que não devemos antropomorfizar as plantas. Por que vocês gostam de usar o mesmo vocabulário para descrever plantas e animais? Acho que o antropocentrismo de nossa ciência é um problema muito maior. Todo o nosso esforço científico começou com humanos, depois se dirigiu aos animais e só então chegou às plantas. Toda a terminologia científica é recheada de termos antropomórficos. É muito interessante como o conceito de inteligência bacteriana recebe uma oposição menor, indicando que, realmente, temos algum problema psicológico em relação aos vegetais.

    Árvores têm um sistema neuronal semelhante ao animal? Sim, plantas têm seu próprio sistema neuronal específico e vegetal espalhado por todo o seu corpo. Raiz e flores representam os dois polos da planta e estão ligados por não só por sistemas vasculares especializados em transporte de nutrientes, água e químicos, mas também por meio de sinais elétricos vegetais.

    Sendo assim, elas sentem dor? Não sabemos. Mas podemos especular que elas tenham versões específicas de dor, pois sintetizam diversos anestésicos, como etileno e éter, quando são feridas ou estão sob stress. Para qualquer organismo vivo é importante estar a par dos estragos sofridos e a dor é um sinal fundamental. Plantas são também sensíveis a todos os anestésicos e têm suas próprias versões de olhos, audição e olfato. Necessitam tudo isso para sobreviver na natureza.

    O naturalista britânico Charles Darwin foi o primeiro a perceber as habilidades “inteligentes” das plantas. Você se considera um de seus seguidores? Ele foi um visionário nesse assunto também e, por isso, o consideramos o “pai” da neurobiologia vegetal. Mas seu avô Erasmus e seu filho Francis também eram muito ativos nesse tema. Inclusive, para o primeiro simpósio de neurobiologia vegetal organizado por mim e pelo biólogo italiano Stefano Mancuso em maio de 2005, criamos um logo com a foto de Darwin sobre uma raiz.

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