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O inimigo é de plástico

Um estudo da WWF, uma das mais influentes entidades ambientalistas do planeta, mostra que os oceanos estão inundados desse material — e o Brasil é um vilão

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 mar 2019, 07h01 - Publicado em 8 mar 2019, 07h00

Desde que um vídeo mostrou uma tartaruga torturando-se com um canudo plástico enfiado no nariz, o mundo começou a se sensibilizar para outro vilão ambiental além das emissões de gases de efeito estufa. Na semana passada, a WWF, uma das mais influentes entidades ambientalistas do planeta, deu números concretos a esse vilão. Vamos a eles: 10 milhões de toneladas de lixo plástico são jogados nos oceanos todos os anos. De 1950 para cá, a produção de plástico virgem aumentou 200 vezes e 75% desse material foi descartado na natureza, sem nenhuma forma de reciclagem ou reúso.

Os dados — anunciados às vésperas da Assembleia Ambiental das Nações Unidas, a ser realizada em Nairóbi, no Quênia, entre a segunda-feira 11 e a sexta-feira 15 — são motivo de vergonha para o mundo em geral e para o Brasil em particular: estamos em quarto lugar entre os maiores poluidores de plástico da Terra (somos superados por EUA, China e Índia, todos países muito mais populosos) e em último no índice de reciclagem (apenas 1,28%, contra uma média mundial de 9%).

O ERRADO E O CERTO - Acima, aterro ilegal no DF: aqui, a maior parte dos canudos vai para os lixões. Ao lado, fábrica de reciclagem na Suécia, que reutiliza tudo o que se descarta (Pedro Ladeira/Folhapress/Casper Hedberg/The New York Times/Fotoarena)

“Depois de firmado o Acordo de Paris — documento assinado por 195 nações, inclusive o Brasil, em 2015 —, que limita as emissões de gases de efeito estufa como forma de combater as mudanças climáticas, entramos em uma nova fase do combate pela sustentabilidade”, declarou, um dia após a publicação do estudo, Gabriela Yamaguchi, diretora de engajamento social da unidade brasileira da WWF, fundada em 1961 na Suíça. “Precisamos agora tratar do perigo representado pelo uso do plástico e de como firmar compromissos nacionais com o objetivo de mudar a cadeia produtiva desse material”, frisou ela. Dito de outro modo, além do CO2, o plástico entra em cena, com destaque, no papel de inimigo dos propósitos sustentáveis.

O intuito do relatório da WWF é servir de inspiração e, ao mesmo tempo, de pressão para que a assembleia da ONU consiga a aprovação de propostas concretas para o meio ambiente. Um dos objetivos da reunião, que pretende atrair todos os 193 membros fixos das Nações Unidas, é justamente propor um acordo internacional — nos moldes do assinado em Paris para mitigar as consequências do aquecimento global — com a finalidade de sugerir medidas a ser adotadas em relação ao mercado do plástico. “De alguma maneira o consumidor tem de sentir o impacto ambiental da fabricação no valor final de cada produto, como canudos e copos”, observa Gabriela.

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(Arte/VEJA)

Já há iniciativas pontuais exemplares nesse sentido. No ano passado, por exemplo, a União Europeia declarou o banimento, em todos os países do bloco, até 2021, dos principais insumos feitos de plástico não reutilizável, como talheres. A França, por sua vez, proibiu o uso de qualquer item descartável. No Brasil, algumas cidades litorâneas — as mais afetadas pelo despejo em praias e mares — também tomaram atitudes nesse sentido. Foi o caso do Rio de Janeiro e de Ilhabela, no litoral de São Paulo, nas quais é proibido o uso de canudos plásticos em estabelecimentos comerciais.

“Aprovar leis é fundamental, mas deve haver um monitoramento constante para a ação efetivamente dar certo”, diz a coordenadora dos programas Mata Atlântica e Marinho da WWF Brasil, Anna Carolina Lobo. “Na prática, a população precisa ser conscientizada para que incorpore no seu modo de vida a ideia de que usar esse material é o mesmo que contribuir para a poluição em larga escala do planeta.”

De acordo com Anna Carolina, a Ilha de Fernando de Noronha servirá como o primeiro laboratório brasileiro a ser observado. Em dezembro, o administrador-geral da reserva, Guilherme Rocha, decretou “a proibição da entrada, comercialização e emprego de recipientes e embalagens descartáveis” no local. Moradores e turistas agora são estimulados a usar sacolas retornáveis, embalagens de papel e quaisquer produtos que sejam biodegradáveis. Na ilha, o mal foi cortado pela raiz. “Diferentemente de como é em cidades como o Rio, em Fernando de Noronha o plástico nem poderá entrar na área”, diz Anna Carolina.

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No Brasil, reafirme-se, o problema não é a coleta, e sim a reutilização desse material. Mais de 90% dos plásticos são recolhidos no país, mas tão somente 1,28% é reutilizado — um índice ridículo. “A infraestrutura de reciclagem é precária e não deve melhorar o suficiente”, afirma Gabriela, da WWF. “A única solução possível será a substituição do plástico por outras matérias-­primas.”

Na semana que vem — e também a pretexto da assembleia da ONU —, o biólogo Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, divulgará um minucioso relatório de aconselhamento científico para as agências ambientais das Nações Unidas. Realizado em parceria com dezenove especialistas de catorze nacionalidades, o estudo, de nome longo — “Diretrizes para o monitoramento e avaliação de lixo plástico no oceano” —, foi coordenado pelo brasileiro, pelo geólogo escocês Peter Kershaw e pelo oceanógrafo francês François Galgani. “Trata-se de um guia prático sobre como os países podem agir, considerando o bioma, a área costeira e a vida marinha de cada um para conter e reverter os estragos causados pelo lixo plástico”, diz Turra.

VEJA teve acesso antecipado ao documento. Em 124 páginas, compilam-se sugestões sobre como monitorar ações conservacionistas. Em relação a políticas de proibição de canudos, por exemplo, Turra e seus colegas propõem uma forma de dimensionar o problema. Primeiro, recomendam limpar uma área marítima delimitada para, depois, medir o volume de novos descartes que chegam até ela e rastrear sua origem. Com isso, será possível saber se uma lei foi eficaz para conter o fluxo de lixo plástico. Em outros casos, os cientistas receitam o uso de redes de arrasto para a coleta e de veículos subaquáticos, operados remotamente, como meio de fiscalização. Também é recomendado o acompanhamento constante da presença da substância sintética no estômago de animais e em ninhos de pássaros.

“Tudo isso só funcionará se houver um processo de conscientização de todas as pessoas, que precisam saber que frutos do mar, sal marinho, tudo o que vem do oceano está contaminado em alguma medida. Até mesmo a água mineral de garrafinha tem partículas de plástico”, diz Anna Carolina, da WWF. “Se os animais consomem essas partículas, nós as ingerimos quando nos alimentamos desses mesmos animais. Ainda estamos para descobrir como essa sujeira afetará nossa saúde a longo prazo.” Em outras palavras, a humanidade tem de compreender que, quando se fala em “jogar fora” o lixo, muitas vezes não se está realmente “jogando fora”. O que se faz há milênios é simplesmente “jogá-lo” nas águas — que cobrem 70% da superfície da Terra. E os novos estudos alertam para o fato de que, de alguma forma, a maré do lixo está se voltando contra o planeta — e contra nós.

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Publicado em VEJA de 13 de março de 2019, edição nº 2625

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