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O dino é nosso: a saga do fóssil Ubirajara, que será devolvido ao Brasil

Caso mudou a postura de instituições estrangeiras em relação a objetos paleontológicos obtidos de forma duvidosa

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 31 jul 2022, 08h00
UBIRAJARA - Representação do dinossauro e o fóssil (no círculo): de volta para casa após trinta anos -
UBIRAJARA - Representação do dinossauro e o fóssil (no círculo): de volta para casa após trinta anos – (@naturkundemuseumkarlsruhe/Instagram; Bob Nicholls/paleocreations.com/.)

Depois de quase três décadas, Ubirajara voltará para casa. A saga do fóssil de dinossauro com nome indígena ganhou contornos finais na semana passada. As autoridades da Alemanha anunciaram que o exemplar, guardado no Museu de História Natural de Karlsruhe, será devolvido ao Brasil, de onde foi retirado de forma irregular em 1995, após ser descoberto na Bacia do Araripe, um vasto manancial paleontológico que se estende por Pernambuco, Piauí e boa parte do Ceará. Falta apenas definir detalhes sobre o método e o momento do retorno, que estão sendo tratados em conversas intermediadas pelos Ministérios de Relações Exteriores dos dois países. É uma decisão histórica, com repercussões diplomáticas, vale dizer — a começar pela devolução das descobertas a seu país de origem, como o Brasil.

arte Fóssil

Encontrado na Bacia do Araripe, no Nordeste, o fóssil foi objeto de estudo de um grupo de cientistas europeus que, em dezembro de 2020, publicou um artigo na prestigiosa revista Cretaceous Research. Além de descrever o animal pré-histórico, eles batizaram-no elegantemente de Ubirajara jubatus. O nome em tupi significa “senhor da lança”, numa clara referência às estruturas que se projetam de seu pescoço. Na descrição, supõem que o corpo do bicho seria coberto por “protopenas”, filamentos escuros que se assemelham às penas das aves modernas. Primeiro de sua espécie encontrado por estas bandas, teria vivido há cerca de 120 milhões de anos, no período conhecido como Cretáceo Inferior.

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ARANHA - Cretapalpus vittari: homenagem à cantora Pabllo Vittar -
ARANHA - Cretapalpus vittari: homenagem à cantora Pabllo Vittar – (Renan Bantin/museu palácio cidade Nuvens/.)

Sem a participação de paleontólogos brasileiros nem referências claras à procedência do fóssil, a pesquisa teve sua idoneidade contestada. Logo a hashtag #UbirajaraBelongsToBR (Ubirajara pertence ao Brasil) se espalhou pelas redes sociais em diversos países. A resposta da publicação científica, porém, tardou. A retratação do artigo só foi feita quase um ano depois. Ainda assim, repercutiu de forma positiva na decisão de outras instituições ao redor do mundo, que se adiantaram em devolver exemplares oriundos do Brasil.

Há outros dois casos emblemáticos. O primeiro foi o da aranha Cretapalpus vittari, nomeada em homenagem à cantora Pabllo Vittar. O fóssil e 35 outros exemplares que estavam na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, foram devolvidos e depositados no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, no Ceará. O segundo envolveu um crânio do pterossauro Tupandactylus imperator, que estava em posse do Instituto Real Belga de Ciências Naturais, de Bruxelas, e foi repatriado para o Museu de Ciências da Terra, no Rio de Janeiro.

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PTEROSSAURO - Crânio do Tupandactylus imperator: da Bélgica para o Rio -
PTEROSSAURO - Crânio do Tupandactylus imperator: da Bélgica para o Rio – (./.)

A aventura de Ubirajara envolveu tratativas mais longas. Quando foi decidido seu repatriamento, o estado alemão de Baden-Württemberg assumiu uma posição clara sobre as questões de proveniência dos bens culturais que abriga, evitando confusões futuras. “Temos buscado consistentemente o esclarecimento dos eventos que o cercam”, disse por meio de nota Theresia Bauer, titular do Ministério da Ciência, Pesquisa e Artes do estado alemão. “É importante que, com essa devolução, enviemos um sinal claro sobre o correto manuseio dos itens de coleção, sua procedência e honestidade científica.”

Do lado de cá, apesar do anúncio europeu, houve incômodo, em calorosa guerra cultural. Nos corredores do Museu Nacional do Rio, possível nova casa do dino, a grita é ruidosa. O paleontólogo Alexander Kellner, diretor da instituição, classificou o caso do Ubirajara e a retratação do estudo como “vergonhosos”. É reação semelhante a de Renato Guilhardi, vice-­presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, e a de Alamo Saraiva, diretor do Museu Plácido Cidade Nuvens, outro candidato a receber o fóssil. Eles fazem coro: o estudo em torno de Ubirajara precisa ser republicado, mas agora com mais cuidado, e quem sabe atribuindo outra alcunha ao agora famoso personagem. “Mas ciência não tem fronteiras”, disse Guilhardi a VEJA. O episódio é oportunidade de ouro para que a comunidade científica brasileira defenda seu patrimônio. Sem nacionalismo exacerbado, mas reparando um erro de trinta anos.

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Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800

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