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O cérebro adolescente

Para o psiquiatra americano Daniel Siegel, o comportamento rebelde, impulsivo e conflituoso da juventude é resultado da remodelação por que o cérebro passa nessa fase. Em entrevista ao site de VEJA, ele explica como isso acontece e quais são as experiências da juventude que devemos manter para ter sempre uma mente jovem e saudável

Por Rita Loiola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2016, 14h46 - Publicado em 15 jun 2014, 15h15
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  • Em 1818, o poeta inglês John Keats definiu a adolescência como uma época em que “a alma está fermentando, a personalidade indecisa, a vida incerta”. Quase dois séculos depois, a ciência descobriu que esse período de confusão está longe de ser fruto da alma: é resultado de transformações cerebrais profundas.

    O psiquiatra americano Daniel Siegel, professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e diretor do centro de pesquisas Mindful Awareness, é incisivo ao afirmar que o comportamento adolescente não é um efeito da emergência da personalidade ou da invasão hormonal do período. Para ele, que estuda as transformações da mente adolescente há pouco mais de duas décadas, a remodelação por que o cérebro passa entre os doze e os 24 anos é a principal responsável pelas atitudes impulsivas, rebeldes ou depressivas dos adolescentes. Queda na produção dos neurônios ou o aumento da atividade do circuito de recompensa seriam a explicação para os conflitos e questionamentos da fase.

    Biblioteca

    Brainstorm – The power and purpose of the teenage brain

    Divulgação/VEJA

    O cérebro adolescente
    Brasinstorm ()

    O psiquiatra americano Daniel Siegel explica como as mudanças vividas pelo cérebro entre os doze e 24 anos resulta no comportamento conflituoso dos adolescentes. Para o autor, é possível, por meio da compreensão desses processos e de experiências estimulantes, atenuar os períodos mais difíceis da fase e tornar o cérebro mais saudável e criativo durante a idade adulta.

    Autor: SIEGEL, DANIEL

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    Editora: JEREMY P. TARCHER/PENGUIN

    Em seu novo livro Brainstorm – The power and purpose of the teenage brain (Brainstorm – O poder e propósito do cérebro adolescente, sem edição em português), lançado no início do ano e na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times, Siegel explica que todas essas mudanças, além de compreendidas, deveriam ser cultivadas ao longo da vida adulta para que o cérebro se mantenha jovem e saudável.

    “Precisamos mudar a maneira de enxergar a adolescência. Ela não é um período de loucura ou imaturidade. É a essência de quem deveremos ser, do que somos capazes e do que precisamos como indivíduos”, afirma o psiquiatra, autor de outros dez livros sobre a mente adolescente.

    De seu escritório em Los Angeles, Siegel conversou com o site de VEJA e contou como as alterações cerebrais explicam a adolescência e de que forma as experiências vividas durante essa etapa são capazes não só de atenuar seus períodos mais difíceis, mas também moldar o adulto do futuro.

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    O senhor diz que a adolescência não termina aos dezoito anos, mas vai até os 24 anos. Qual a base científica para essa afirmação? Muitas pessoas acreditam que a adolescência termina antes, mas sabemos agora, com base em publicações neurocientíficas recentes, que há uma remodelação do cérebro que vai até a metade da terceira década de vida. Esse processo inclui a ativação de diversos circuitos e sistemas cerebrais e está relacionado ao comportamento que conhecemos como típico da adolescência.

    Então o aumento da produção hormonal não tem a ver com a rebeldia e impulsividade da juventude? É verdade que os hormônios estão em ebulição na puberdade. Nos garotos, por exemplo, a elevação da testosterona os torna mais agressivos. No entanto, o segredo para explicar o comportamento adolescente é outro: toda essa flutuação hormonal provoca mudanças no circuito cerebral de recompensas.

    Que tipos de transformações são essas? Durante a adolescência há um crescimento do circuito cerebral que utiliza a dopamina, um neurotransmissor que nos faz buscar prazer e recompensa. Ele começa no início da adolescência e chega ao seu auge na metade dela, levando os adolescentes a buscar emoções e sensações intensas. Esse aumento natural da dopamina pode dar aos adolescentes um poderoso sentimento de estarem vivos quando estão envolvidos em atividades novas e estimulantes. E também levá-los a focar apenas nas sensações positivas, não dando valor aos riscos e perigos.

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    É por isso que os adolescentes costumam ter ações impulsivas, sem pensar nas consequências? Exatamente. Além disso, a maior quantidade desse neurotransmissor leva à tendência maior aos vícios: todos os comportamentos e substâncias viciantes incluem a produção de dopamina. Como os adolescentes estão propensos a novas experiências, eles também respondem com uma carga maior de dopamina, o que pode levar a um forte círculo vicioso. Um terceiro comportamento gerado pela remodelação cerebral é a super-racionalidade. Ela é a capacidade de pensar apenas em termos literais, concretos, sem olhar para o contexto. Com esse tipo de pensamento, o jovem pode ser levado a considerar apenas os benefícios de suas ações e não pensar no lado negativo.

    Há alguma razão para tudo isso acontecer nesse período da vida? Todas essas atitudes geradas pelas mudanças cerebrais – impulsividade, rebeldia, intensidade – são necessárias para que os jovens saiam de seu círculo familiar e conheçam o mundo. Dão a coragem necessária para mudar, partir e inspiram os adolescentes a procurar novidades. Afinal, a casa é confortável e previsível, enquanto o mundo está cheio de armadilhas e surpresas. Há uma visão evolutiva que afirma que, se os jovens não saíssem de casa e deixassem seu grupo, nossa espécie teria muita chance de se reproduzir entre si, o que seria geneticamente prejudicial às próximas gerações. Nossa sobrevivência individual e social depende dessa coragem dos mais novos.

    Isso quer dizer que os adolescentes estão fadados a viver situações perigosas? O que acontece é que eles não têm tempo para pensar em suas atitudes. Fazer uma pausa significa considerar outras opções além daquelas imediatas, comandadas pela invasão de dopamina – só que fazer isso requer tempo e energia e não é simples. A boa notícia é que essa reflexão é resultado da ação de fibras localizadas na parte superior do cérebro, que começam a crescer também durante a adolescência. São elas que ‘freiam’ os impulsos. Junto com outro processo, chamado integração, que é a ligação entre as diferentes áreas cerebrais, o adolescente começa a conseguir parar e pensar em seus atos.

    E quanto tempo isso leva tempo para acontecer? O timing do desenvolvimento do cérebro é moldado por informações genéticas e também pelas experiências vividas. As experiências são capazes de modelar as conexões cerebrais, promover a integração do cérebro e também fazê-lo funcionar de forma coordenada. São elas também que vão ajudar o adolescente a compreender o contexto, confiar em suas intuições e deixar de ver apenas o que é literal.

    Que tipos de experiências seriam essas? Uma delas, e a mais importante, é a que promove a vontade de refletir sobre valores, em vez de seguir proibições. Um ótimo exemplo são as campanhas americanas contra o fumo na adolescência. Enquanto elas mostravam imagens de corpos degradados ou davam informações médicas com o objetivo de amedrontar os jovens, o número de viciados apenas cresceu. A situação só mudou quando os publicitários começaram a mostrar de que forma as companhias faziam uma lavagem cerebral nos jovens com o propósito de ganhar mais dinheiro com a venda dos maços. Em vez de focar no medo, algo negativo, a campanha centrou esforços no valor positivo de ser forte diante de adultos manipuladores. Essa é a diferença entre estimular um impulso e promover uma reflexão sobre valores. E isso ajuda também a promover importantes ligações cerebrais, que vão definir o cérebro adulto.

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    Ou seja, as experiências vividas durante a adolescência são mesmo capazes de ter efeito por toda a vida? Entre os doze e os 24 anos ocorre a diminuição da produção de neurônios e das conexões cerebrais – as que ficam se tornam mais fortes e produtivas. Durante a infância há uma superprodução de neurônios e das conexões entre eles, as sinapses. Esse crescimento é intenso até cerca dos onze anos para as meninas e doze e meio para os meninos. A partir daí o cérebro escolhe os neurônios e conexões que são mais usadas e descarta aquelas que parecem inúteis. Quanto mais usamos algumas conexões, melhores e mais complexas elas se tornam. Por isso, as experiências que temos durante a adolescência, nossos hábitos e sensações moldam o adulto que seremos.

    Então é correto em dizer que a adolescência é o único tempo em que aprendemos alguma coisa? A formação do cérebro vai responder ao foco que você der a suas atividades nesse período. Por exemplo, se você quiser ser um medalhista olímpico, é melhor começar antes da adolescência, assim as ligações serão fortalecidas durante a juventude. Se o interesse for apenas ter uma habilidade musical, o ideal é começar antes do fim da adolescência – quanto mais usamos os neurônios e circuitos, melhores eles serão.

    Uma adolescência difícil, com experiências negativas, pode causar problemas ao cérebro adulto? Muito stress pode ser realmente negativo. Ele pode causar uma diminuição exagerada de neurônios e sinapses, o que é destrutivo – perdemos mais células do que deveríamos. Nesse período, a tensão não tem nenhum ângulo positivo.

    No entanto, é bastante estressante ter que decidir o futuro antes dos 24 anos. Entendo o que diz. Tudo isso pode, realmente, parecer muita pressão sobre os jovens. No entanto, acredito que, mais que tensão, podemos ver esses processos como uma oferta para que o adolescente perceba que pode, ativamente, mudar sua vida. Eles podem ter a responsabilidade sobre o rumo de suas existências: é mais um convite a refletir sobre esse poder do jovem que uma expectativa sobre o que pode dar errado.

    Além da rebeldia e impulsividade, o comportamento típico dos adolescentes inclui tristeza e o tédio com a vida. Por que isso acontece? Sabemos que o nível basal de dopamina no cérebro não é grande. Ele é baixo e, quando isso acontece, pode causar irritação, melancolia, tristeza e até depressão. Outro circuito envolvido nisso é o sistema límbico do cérebro, responsável por nossas emoções mais primitivas. Ele também está mudando, então as emoções, os sentimentos e as sensações podem ser perturbadas. Por isso os adolescentes parecem viver em uma gangorra de emoções: de um dia de um jeito, no seguinte o contrário.

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    Em seu livro, o senhor afirma que a adolescência não é uma fase que temos que suportar até que passe. Porém, todas as suas difíceis mudanças terminam assim que nos tornamos adultos. Por que isso não deve ser chamado de imaturidade? A diferença é que um período de imaturidade é visto como um tempo em que somos incapazes. Então aprendemos algumas coisas e nos livramos dela. A adolescência não é assim. Suas transformações são importantes e devem não só ser vividas, mas também mantidas. Não devemos nos livrar delas! Os principais aspectos da adolescência são aqueles que todos os estudos de neurociência indicam como fundamentais para manter o cérebro jovem e saudável.

    Como assim? Há quatro aspectos que chamo de ‘essência da adolescência’: entusiasmo emocional, entrosamento social, busca de novidades e criatividade. Esses quatro elementos são cruciais durante a adolescência. Viver com paixão, estar rodeado de amigos, ir atrás de novas ideias e experiências e manter o cérebro sempre criativo são experiências que os adolescentes vivem intensamente e são elas que, quando adultos, mantêm a mente em boa forma. O cérebro é maleável, muda durante toda a nossa vida, e pode ser moldado por novas experiências. Podemos, intencionalmente, procurar essas vivências e afetar positivamente o desenvolvimento cerebral.

    O senhor afirma que a adolescência é que dá o ‘direito de nascer’ ao ser humano. Só nos tornamos humanos após essa fase? Nascemos com potenciais que podem ou não se realizar. E eles só irão se tornar concretos a partir das mudanças vividas pela mente adolescente. A adolescência é o momento em que ganhamos a consciência de quem somos e do que podemos ser – em que nos tornamos humanos de maneira plena.

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