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Novo livro reacende a polêmica sobre o primeiro homem a pisar no Ártico

O médico Frederick Cook disse ter sido o pioneiro, mas até hoje a sua peripécia é contestada

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h38 - Publicado em 11 jun 2023, 08h00

Guerra de narrativas, fake news, fraude. Parece uma intriga contemporânea, mas aconteceu há quase 120 anos, nos Estados Unidos. Envolveu o explorador Robert Edwin Peary e o jovem médico Frederick Albert Cook. Na época, ambos alegaram ter sido os primeiros a chegar ao Polo Norte, um feito certamente extraordinário. Cook reivindicou o título para si, apoiado em um telegrama de 1909, no qual disse que havia conquistado o objetivo em 1908. Peary, um calejado desbravador de territórios inóspitos, contestou a história. Por muito tempo, a disputa pendeu para o lado do cirurgião, em razão de sua origem e de seus modos simples. No entanto, um livro publicado agora no Reino Unido argumenta que talvez o personagem não mereça a estatura que lhe conferiram.

Publicado pela editora britânica The History Press, The Explorer and the Journalist (O explorador e o jornalista, em uma tradução livre) mostra que a comunidade científica abraçou Cook por razões triviais. Filho de imigrantes alemães, ele cresceu em um bairro pobre de Nova York, tinha aparência de um homem simples e nunca deixou de dar crédito ao que aprendeu com os inuítes — nação indígena esquimó que habita as regiões árticas do Canadá, do Alasca e da Groenlândia. Era praticamente um antídoto contra figuras grandiosas e impositivas como seu oponente Peary e o norueguês Roald Amundsen, que liderou a primeira expedição a atingir o Polo Sul, em 1911.

ÁRTICO - Aurora boreal ilumina noite no norte do planeta: beleza intocada
ÁRTICO - Aurora boreal ilumina noite no norte do planeta: beleza intocada (Owen Humphreys/PA Images/Getty Images)

Richard Evans, autor do livro, chama a atenção também para o papel do jornalista Philip Gibbs nessa controvérsia. Quando Cook anunciou que chegaria de barco a Copenhague, em setembro de 1909, repórteres de toda a Europa correram para encontrá-lo. Gibbs, um obscuro profissional britânico, era um deles. Uma entrevista exclusiva deixou-o em dúvida sobre a história do explorador. “Enquanto a sociedade científica e os colegas exploradores de Cook lhe davam o benefício da dúvida, Gibbs foi um dos primeiros a questioná-lo”, diz Evans. A principal evidência de sua farsa: uma grande massa de terra que Cook dizia estar no caminho para o Polo Norte nunca existiu. E as provas que ele dizia ter nunca foram exibidas.

A suspeita de Gibbs e sua perseguição a Cook foi repetida tantas vezes nas redações e pubs da Fleet Street, o coração da imprensa no Reino Unido, que se tornou parte da lenda do jornalismo britânico. Anos depois das reportagens que questionavam o explorador americano, o Daily Express, no qual o repórter trabalhava, classificou o trabalho como “um triunfo da intuição e perseverança”. Um livro sobre a história do jornalismo britânico publicado depois da II Guerra lembrava que “Fleet Street sentiu que havia demonstrado grande coragem ao apresentar suas conclusões, bem como astúcia ao for­mulá-­las tão rapidamente”. A verdade é que o reconhecimento demorou a chegar e só ocorreu depois que o explorador acabou se traindo.

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Cook, na verdade, alimentou o empenho de Gibbs e Peary para sua destruição. Com seus feitos questionados, ele mergulhou em uma espiral descendente. O ponto mais baixo da trajetória, contudo, ainda estava por vir. Em 1923, foi preso por fraude financeira e teve seu casamento desfeito — a última pá de terra sobre a já anêmica reputação. Até hoje a Sociedade Frederick Cook defende o explo­ra­dor. “Aqueles de nós que apoiam o Dr. Cook citam o trabalho de caridade que ele fez ao longo de sua vida como prova de seu caráter extraordinário”, diz Carol Smith, diretora executiva da Sociedade. “No final, talvez a verdadeira questão não seja qual é a verdade, mas o que é a verdade.” Até hoje, o fato é questionado e Peary tampouco recebeu os louros dessa conquista.

Realmente, persistem dúvidas sobre quem foi o primeiro aventureiro a chegar ao Polo Norte. A maioria dos especialistas, no entanto, aposta em Amundsen. “Ainda existem pessoas que querem ir para a Lua, para Marte ou para outros planetas”, justifica Anders Bache, consultor do museu Casa de Roald Amundsen. Curiosamente, o explorador norueguês foi um dos principais apoiadores de Cook. Eles se conheceram em uma das expedições que ocorreram no fim do século XIX. Inspirado por Cook, Amundsen sobrevoou o Polo Norte em um dirigível, em 1926, e foi o primeiro não nativo com provas concretas de que esteve sobre o ponto em que todas as direções apontam para o sul. O mundo, como se vê, dá voltas.

Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845

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