Em Édipo Rei, a mais clássica das tragédias gregas, escrita por Sófocles em 427 a.C., a esfinge de Tebas lançou um desafio ao herói que matou o pai para ficar com a mãe: “Decifra-me ou te devoro”. Ela estrangulava aqueles que se mostrassem incapazes de responder à charada: “Que criatura tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde?”. Édipo cravou: “É o ser humano. Engatinha quando bebê, anda sobre dois pés quando adulto e recorre a uma bengala na velhice”. Os enigmas atravessaram civilizações, saíram da Grécia para o Egito, fazem parte da humanidade — tanto do ponto de vista metafórico (e não por acaso Freud emprestou a provocação para a psicanálise) quanto das realizações práticas da engenharia.
Talvez não exista dúvida mais fascinante, ao longo dos tempos, do que o mistério da construção das pirâmides nas cercanias de Cairo, silenciosamente observadas pela imensidão de pedra calcária de Gizé, com corpo de leão e cabeça de ser humano, embora sem nariz. Tudo que as envolve, em infinitas revelações, é interessante demais para ser negligenciado.
Um trabalho divulgado há poucos dias pelo Fermilab, o laboratório de física de partículas do Departamento de Energia dos Estados Unidos, revelou os planos para montar o mais completo mapa das câmaras ocultas no coração da pirâmide de Quéops, colosso de 138 metros de altura. Por meio de raios cósmicos, o projeto é fazer a mais completa tomografia do monumento pétreo. Em 2017, os cientistas começaram a espiar o interior da obra. Descobriram um imenso vazio de quase 30 metros de comprimento logo acima da grande galeria. Um vão menor foi localizado na face norte da estrutura. A equipe do Fermilab pretende agora identificar o que há lá dentro. “Uma das hipóteses é que pode haver uma passagem que leva à câmara funerária do faraó Quéops”, disse o pesquisador americano Alan Bross, um dos líderes da investigação.
Ao passeio pelos intestinos dos mausoléus, soma-se agora o detalhamento de uma outra exploração científica iniciada há cinco anos — quase nada, diante da milenar história de mais de 4 500 anos das relíquias pousadas no platô à margem do Cairo. Trata-se de entender como foi possível, sem os recursos tecnológicos de hoje, alinhar tão precisamente as pirâmides. Um arqueólogo britânico, Glen Dash, um Indiana Jones de carne e osso falecido em 2019, chegou a uma resposta: os egípcios teriam usado as sombras projetadas pelo equinócio do outono. O equinócio é aquele momento, ocorrido apenas duas vezes ao ano, em que a duração do dia e da noite é praticamente igual. Com o apoio de uma haste conhecida como gnômon — como as utilizadas nos relógios de sol — foi possível marcar a curva exata das sombras. Unindo os pontos, chegou-se a uma linha perfeita, de leste a oeste. A equipe de Dash reproduziu, em pleno século XXI, o que teriam feito os matemáticos da Antiguidade.
Do ponto de vista religioso, já havia uma explicação sobejamente aceita para a beleza geométrica das construções de Gizé. Cada um dos picos foi instalado debaixo das três estrelas que compõem a Constelação de Órion. Os egípcios acreditavam que esse conjunto de estrelas correspondia a Osíris e Ísis, deuses sagrados. A ideia: ao morrer, a alma dos faraós chegaria diretamente a essa região do firmamento, atalho para o Juízo Final no outro mundo. A explicação cultural, que sempre ajudou a compreender a posição dos edifícios, alimentou Dash e seus herdeiros, que seguiram o trabalho do chefe, a entender o apuro astronômico agora revelado. Falta ainda muito a ser decifrado, mas ao menos por ora a esfinge não devorou os cientistas. Continua a valer a célebre frase proferida por Napoleão Bonaparte em 1798, ao incitar seus soldados a lutar contra as tropas de mamelucos muçulmanos: “Soldados, pensem que do alto dessas pirâmides quarenta séculos vos contemplam”. Já são 45 séculos, e as maravilhas do Egito não param de entregar segredos.
Publicado em VEJA de 20 de abril de 2022, edição nº 2785