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Formação de novas partículas acima do topo das árvores contribui com as chuvas na Amazônia

Pesquisa liderada por cientista brasileiro mostra como explosões de nanopartículas induzidas pela chuva ajudam a formar nuvens e precipitação

Por Luciana Constantino | Agência FAPESP
8 nov 2024, 15h30
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  • Pesquisa publicada nesta sexta-feira, 8, na revista Nature Geoscience desvenda uma importante peça do quebra-cabeça que busca explicar a formação de chuvas na Amazônia, uma das regiões mais influentes no clima global. Segundo o estudo, a floresta é capaz de produzir sozinha aerossóis que, induzidos pela própria chuva, desencadeiam um processo de novas formações de nuvens e precipitação, influenciando assim o ciclo de água, o clima e o balanço energético da Terra.

    O trabalho mostra que, com a chuva, há um aumento na concentração de ozônio que oxida moléculas naturalmente liberadas por gases exalados pela floresta, os chamados compostos voláteis orgânicos, especialmente terpenos. A oxidação produz novas partículas muito pequenas logo acima do topo das árvores, em uma espécie de explosão de nanopartículas (menores que 40 nanômetros). Essas partículas, por sua vez, dão origem a núcleos de condensação que levam novamente à formação de nuvens mesmo em condições de ar puro na estação chuvosa.

    A descoberta abre novas perspectivas nas complexas interações químico-atmosféricas, meteorológicas e dos ciclos de retroalimentação que os cientistas chamam de “oceano verde”, isto é, a capacidade da Amazônia de gerar seu próprio ciclo de nuvens e chuva de forma semelhante ao oceano. Até então, acreditava-se que a floresta não conseguia produzir esses aerossóis, e a hipótese era de que eles vinham de altitudes maiores.

    Para que haja chuva, além de vapores d’água, são necessárias partículas atmosféricas que atuem como núcleos de condensação, ou seja, superfícies onde o vapor pode se transformar em gotículas. No entanto, a origem desse processo na Amazônia ainda era pouco compreendida, principalmente durante a estação chuvosa.

    Agora, uma equipe internacional, com pesquisadores do Brasil, Alemanha e Suécia, analisou um extenso conjunto de vários tipos de dados do Observatório de Torre Alta da Amazônia, ATTO na sigla em inglês, para mostrar esse processo. Estão incluídas informações meteorológicas, de gases, entre outras.

    “É uma simbiose que ocorre em todo o processo. A chuva por um lado limpa a atmosfera, reduzindo o número de partículas. Porém, ao mesmo tempo inicia um processo de formação de novas partículas que vão crescer e servir como núcleo de condensação para a próxima chuva”, explica à Agência FAPESP o professor Luiz Augusto Toledo Machado, autor correspondente do artigo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e colaborador do Departamento de Química do Instituto Max Planck, na Alemanha.

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    A FAPESP apoia o trabalho por meio de dois Projetos Temáticos vinculados ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) – um deles liderado por Machado e outro pelo professor Paulo Artaxo, também do Instituto de Física da USP e coautor do artigo.

    No estudo, os pesquisadores descobriram que, após a chuva, as concentrações de partículas são mais altas próximas ao topo das árvores (dossel), indicando que elas são formadas dentro da floresta. Esse processo persiste na estação chuvosa, que normalmente ocorre de dezembro a maio, indicando formação contínua de partículas dentro do dossel e de uma nova população de partículas.

    “Nossas descobertas marcam uma mudança de paradigma no entendimento das interações entre partículas de aerossol, nuvens e precipitação na Amazônia. Essas interações são críticas para compreender alterações no balanço radiativo da Terra, especialmente à medida que as mudanças climáticas influenciam a circulação atmosférica, como os eventos de El Niño e La Niña”, diz Ulrich Pöschl, diretor do Departamento de Química do Instituto Max Planck, também coautor do trabalho, em comunicado da instituição.

    Segundo os cientistas, esses resultados são essenciais para entender como mudanças nos padrões climáticos amazônicos podem afetar não só o clima global, mas a estabilidade ecológica.

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    Quadro atual

    O Brasil vive neste ano uma das piores secas da história, atingindo vários Estados. Na Amazônia Legal, cerca de 69% dos municípios foram afetados em algum grau nos primeiros seis meses, superando o mesmo período de 2023. Foram 531 cidades das 772 da região, segundo levantamento do InfoAmazônia com base no Índice Integrado de Seca, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

    Impulsionada pelo El Niño, a crise climática também tem afetado os rios amazônicos, que vêm registrando os níveis mais baixos, deixando ilhadas populações ribeirinhas e afetando abastecimento e transporte. De acordo com o Serviço Geológico Brasileiro (SGB), a seca ainda pode agravar essa situação até dezembro – Boletim de Alerta Hidrológico da Bacia do Amazonas aponta que a tendência é que o rio Negro tenha “repiquetes” até o último mês e volte a subir só em janeiro. Já o rio Acre, por exemplo, teve mínima histórica de 1,23 metro em Rio Branco no final de setembro.

    Por outro lado, apesar de o desmatamento na Amazônia ter caído cerca de 30,6% entre agosto de 2023 e julho deste ano comparado a agosto de 2022 e julho de 2023 (ficou em 6.288 km² ante 9.064 km²), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a degradação da floresta, principalmente pelas queimadas, aumentou.

    Segundo Machado, o desmatamento e a degradação têm impactos importantes no ciclo de chuvas da Amazônia. “Para haver os gases que formam as partículas, é preciso ter a floresta. Sem árvores e sem vapor na atmosfera, não há partículas, reduzindo ainda mais as chuvas.”

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    Com base nos dados do ATTO, o grupo conseguiu mostrar como a precipitação pode desencadear a formação de novas partículas no dossel da floresta. Localizado no meio da Amazônia, na Reserva Biológica de Uatumã, a cerca de 150 km ao norte de Manaus, o ATTO é administrado conjuntamente por cientistas do Brasil e da Alemanha. Tem uma torre com 325 metros de altura e outras duas de 80 metros.

    Construção da ciência

    Em 2016, o grupo já havia encontrado formação de novas partículas no topo da troposfera em torno de 14 km de altura, embora ainda não tivesse entendido o processo de formação e seu papel no clima (leia mais em: agencia.fapesp.br/24177). Um novo artigo está sendo preparado apresentando essas explicações.

    Para descrever como essas partículas eram produzidas, os cientistas fizeram um experimento de campo, que chamaram de CAFE-Brazil, sigla em inglês para Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil. “Em 2023, fizemos essas grandes quantidades de medida e chegamos a descrever todo o processo de como se formam as partículas lá em cima”, completa Machado.

    Para as futuras pesquisas, apontam a necessidade de experimentos em câmaras no nível do dossel das árvores para controlar a concentração de ozônio e entender melhor sua influência na formação das partículas envolvidas na chuva.

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