Encolheram os satélites, e o acesso ao cosmo ficou mais ‘democrático’
Quase setenta anos após o lançamento do primeiro modelo artificial, o Sputnik-1, a miniaturização das sondas avança
Considerado o marco inicial da exploração espacial moderna, o lançamento do Sputnik-1 pela União Soviética, em 1957, teve impacto duradouro na tecnologia e nas relações internacionais. O primeiro satélite artificial a orbitar a Terra representou uma vitória — ainda que efêmera — da extinta federação comunista na Guerra Fria contra os Estados Unidos e permitiu a coleta de dados científicos valiosos para futuras missões espaciais. Um ano depois, a então nascente agência espacial americana, a Nasa, daria uma resposta à altura e levaria aos céus o Vanguard 1, desenvolvido com o objetivo de testar tecnologias de lançamento e coletar dados sobre a atmosfera, além de contribuir para a vigorosa pesquisa espacial no país. Ele ainda está no ar, livre e faceiro.
As sondas espaciais já passam de 10 000 e são essenciais para geolocalização, meteorologia, transmissão de sinais de rádio e TV, comunicação e, é claro, para o bom funcionamento da internet. Esse número, no entanto, sofreu uma grande expansão nos últimos anos, como resultado de uma revolução profunda e silenciosa: a decolagem de sondas pequeninas, no avesso dos brutamontes trambolhudos de antes, com tamanhos que se aproximavam dos de carros, ônibus e até casas, como é o caso da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). Os numerosos, embora diminutos, aparelhos de hoje são os chamados cubesats, e alguns podem pesar apenas 1 quilograma.
É esse o nome dado a uma subcategoria dos nanossatélites, desenvolvidos em 1999 pelas universidades Cal Poly e Stanford, na Califórnia americana. O objetivo era possibilitar a criação de modelos pequenos, de pesquisa, que tivessem baixo custo de montagem e facilidade de lançamento. Por algum tempo, grandes instituições se mantiveram avessas à ideia, por a terem como amadora, mas é postura que mudou. “Trata-se de um modelo de exploração comercial que permite o desenvolvimento de uma economia espacial sem depender de governos ou grandes verbas”, diz Lucas Fonseca, fundador e CEO da Airvantis, uma startup que pretende colocar um cubesat brasileiro ao redor da Lua nos próximos anos.
A preocupação financeira é a regra do jogo. Levar objetos ao espaço é extremamente caro. No caso dos satélites, pode chegar a 35 000 dólares por quilograma. A solução, portanto, foi miniaturizá-los. Com menos de 10 quilogramas e uma grande versatilidade, os cubesats autorizam, por assim dizer, a democratização do acesso ao cosmo. O Brasil, por exemplo, lançou o primeiro em 2014, o NanosatC-BR1, e hoje já tem pelo menos dez outros em órbita, com uma quantidade igual sendo desenvolvida para estreia nos próximos anos.
É projeto de longo prazo, que vem dando frutos. “A ideia era desenvolver um modelo que permitisse a instituições brasileiras lançar experimentos em órbita”, diz Otávio Durão, que participou do desenvolvimento de variados modelos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Os satélites de tamanho reduzido abriram uma nova perspectiva para o desenvolvimento do setor espacial, e agora nós temos que aproveitar essa oportunidade.” Além do lançamento de uma constelação de nanossatélites, previsto para os próximos anos, várias empresas brasileiras, como a Visiona e a Engesat, já têm equipamentos semelhantes em órbita. Ao menos dez países africanos, sem tradição espacial, como Senegal e Zimbábue, também estão desenvolvendo esse tipo de tecnologia para entrar de vez no cobiçado setor.
Ela é interessante por estar adequada a necessidades comezinhas, de pés no chão, e não a mirabolantes e indizíveis planos de futuro. Hoje, a maior parte dos cubesats está em órbita baixa e tem utilidade em campos diversos, como o da chamada internet das coisas e na captura de imagens da Terra para fins de controle climático. E o leque de possibilidades vem se abrindo com rapidez impressionante. Nos últimos anos, grandes missões conseguiram colocar os satélites “modestos” nas órbitas da Lua e de Marte. Há, enfim, algo no ar além dos aviões de carreira, e, ainda que não possamos ver daqui onde estamos, convém apostar na imensa esperança alimentada pelo conhecimento humano.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917