Os primeiros registros escritos do uso de cogumelos alucinógenos datam ainda do século XVI. Agora, no entanto, após décadas de proibicionismo e uso restrito ao recreativo, a ciência tem um crescente interesse pelos efeitos dos seus princípios ativos e um artigo publicado nesta quarta-feira, 17, revelou o que pode ser a grande chave do seu potencial terapêutico.
De acordo com o artigo publicado na Nature, análises de ressonância magnética de pessoas sob o efeito de psilocibina revelaram que o efeito psicodélico da substância ocorre por uma dessincronização entre áreas relacionadas ao senso de tempo, espaço e autopercepção. Apesar do efeito agudo durar apenas algumas horas, parte dessa influência permanece por até três semanas.
Esse era um passo que estava faltando para melhor compreensão dos psicodélicos. “Atualmente, sabemos muito sobre os efeitos psicológicos e moleculares/celulares da psilocibina”, disse o primeiro autor do artigo Joshua Siegel, em comunicado. “Mas não sabemos muito sobre o que acontece no nível que conecta os dois – o nível das redes cerebrais funcionais.”
Como o estudo foi feito?
Para investigar o efeito da psilocibina, os pesquisadores recrutaram sete voluntários para um estudo do tipo duplo cego, onde nem o pesquisador nem o participante sabem que droga está sendo administrada. Parte do grupo foi tratado com psilocibina e, o resto, com ritalina. Em uma segunda visita, eles receberam a substância contrária.
Os voluntários foram submetidos a sessões de ressonância magnética antes, durante, entre e depois de receber as substâncias. Isso revelou aos pesquisadores que existe uma intensa atividade cerebral durante o uso da droga, que é caracterizada pela falta de sincronia entre as áreas mencionadas, que compõem a chamada rede de modo padrão.
A observação pode explicar a experiência de “dissolução do ego” relatada por alguns usuários, fazendo com que se sintam mais conectados com o mundo, mas é passageira. Apesar disso, de acordo com a pesquisa, nas semanas que se seguiram à administração da substância, os voluntários permaneceram com uma conexão ligeiramente reduzida entre a rede de modo padrão e o hipocampo, responsável pela memória e senso de espaço e tempo.
Qual o efeito terapêutico da psilocibina?
Durante as décadas de 1950 e 1960, pesquisas começaram a tratar do potencial terapêutico dos alucinógenos, mas após uma forte onda proibicionista, esses estudos foram descontinuados. Agora, essa possível função dos alucinógenos volta a ser investigada, como mostrado por reportagem de VEJA.
Especialistas sugerem que condições psiquiátricas como depressão e transtorno pós traumático estão associados a padrões patológicos de funcionamento do cérebro, caracterizados por um ciclo de pensamentos disfuncionais. A hipótese é a de que, associados ao acompanhamento psiquiátrico, os psicodélicos podem quebrar esses ciclos neurais ao criar novas conexões, facilitando os resultados buscados através da psicoterapia.
Para os autores, o estudo recente traz evidências de como isso pode estar acontecendo. “Há um efeito enorme inicialmente e, quando ele desaparece, um efeito pontual permanece”, disse o coautor Nico Dosenbach. “Isso é exatamente o que você gostaria de ver para um medicamento em potencial. Você não gostaria que as redes cerebrais das pessoas fossem destruídas por dias, mas também não gostaria que tudo voltasse a ser como era imediatamente. Você quer um efeito que dure o suficiente para fazer a diferença.”
Ainda de acordo com eles, outros estudos precisam ser feitos para investigar se o mesmo ocorre em pacientes com condições psiquiátricas, mas é possível que esse ligeira desconexão prolongada observada pela pesquisa cria uma flexibilidade na maneira como as pessoas veem a si mesmas e as suas relações, levando um ambiente neurológico mais favorável para as terapias convencionais.