De lula a caramujo: o mapa dos moluscos brasileiros
Estudo inédito, que integra catálogo sobre a fauna nacional, reúne mais de 3500 espécies e ajuda a conhecer e preservar animais e ecossistemas
“Só conservamos aquilo que conhecemos”. Foi com esse lema que o biólogo Fabrizio Marcondes Machado, pesquisador ligado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenou o maior levantamento sobre os moluscos que vivem em território brasileiro. O trabalho mapeou 3 571 espécies, que habitam a terra firme, a água doce ou salgada, distribuídas em mais de 400 famílias, e faz parte do Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil, iniciativa que permite aos especialistas atualizar em uma plataforma online a lista de animais nacionais.
Machado liderou o projeto ao lado do professor Luiz Ricardo de Simone, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), dentro de um esforço que arregimentou 35 estudiosos. “Tudo começou em 2015, quando um grupo de 500 cientistas decidiu criar uma lista completa e atualizada de todas as espécies animais do país”, conta o pesquisador da Unicamp. A empreitada, claro, teve de lidar com a constante falta de recursos para pesquisas no Brasil.
Em setembro de 2022, a Sociedade Brasileira de Malacologia, a área que investiga os moluscos, decidiu que era de retomar o rol dos integrantes do filo Mollusca. Foi aí que Machado foi convidado, ao lado de Simone, para coordenar o levantamento. A primeira etapa foi reunir o maior número de especialistas aptos a classificar lulas, polvos, caramujos, ostras e companhia.
“Dentre os grupos de animais invertebrados, os moluscos são o segundo mais representativo, atrás apenas dos artrópodes, que englobam insetos. Os pesquisadores realizaram uma vasta revisão taxonômica, contemplada em um banco de dados que inclui a distribuição geográfica e o tipo de ambiente em que os animais vivem”, conta Machado. Pela primeira vez, o inventário congrega espécies terrestres, marinhas e de água doce – e é atualizado em tempo real.
“Esse é o primeiro passo para que a gente consiga criar planos de conservação para essas espécies, que poderão servir como modelo para a preservação de outros invertebrados”, afirma o professor, que hoje está em Frankfurt, na Alemanha, fazendo um pós-doutorado sobre moluscos de águas profundas do oceano Pacífico.
Desafios na pesquisa e no ambiente
Fora a carência de recursos e investimentos no campo de pesquisa, um problema crônico no Brasil, a investigação sobre os moluscos tem de contornar obstáculos como a falta de experts no assunto. “De 401 famílias de moluscos no país, temos especialistas em apenas 176 delas, ou seja, 44%. Consequentemente, não conhecemos tão bem a biologia e os aspectos ecológicos da maioria dessas espécies”, observa Machado.
“Listá-las não é a mesma coisa que estudá-las a fundo. Portanto, muito ainda se faz necessário para que possamos alcançar um conhecimento pleno sobre esse importante grupo de animais.” Segundo o biólogo, a escassez de investimentos para estudos taxonômicos tem impossibilitado a formação de novos profissionais.
Não deveria ser assim, haja vista a noção, cada vez mais aceita e difundida, de quão conectados estão os reinos animal, vegetal e fúngico (sem falar em vírus e bactérias) e os impactos das mudanças climáticas e da degradação ambiental no planeta e na sobrevivência e bem-estar das espécies.
“Há alguns anos a comunidade científica vem mostrando que as drásticas mudanças de temperatura vêm impactando de forma negativa as populações de animais como um todo, que muitas vezes são extintas antes mesmo de serem estudadas”, ressalta Machado.
Para os moluscos, particularmente, algumas questões são críticas. O coordenador do levantamento enumera os principais desafios: “A devastação de biomas terrestres, substituídos com frequência por áreas destinadas a pecuária ou agricultura, a acidificação dos oceanos e a mineração do mar profundo, para prospecção de petróleo, por exemplo”.
Conhecer para preservar: como demonstra o projeto brasileiro, esse lema é mais urgente do que nunca. Para os moluscos… e para nós mesmos.