As correntes marítimas são um importante fator na manutenção do clima em todo o mundo. A principal delas é conhecida como Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês) e é responsável por levar a água aquecida dos trópicos para as regiões polares, levando a um equilíbrio entre os dois extremos. No entanto, um estudo científico divulgado esta semana alerta para um possível colapso desse sistema em decorrência do aquecimento global.
O estudo levou em consideração a análise da temperatura do Atlântico Norte entre 1870 e 2020. De acordo com os autores, as evidências apontam para um enfraquecimento progressivo dessas correntes, sugerindo o interrompimento em algum momento entre 2025 e 2095. Os dados, no entanto, dividem os especialistas. O relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), por exemplo, previu, com base em modelos matemáticos, que esse tipo de colapso não deve ocorrer ainda neste século.
Essas correntes são dirigidas por dois fatores diferentes, o sal e a temperatura. No Ártico, a água fria e salgada é mais densa e afunda, abrindo espaço para o fluxo de água quente vindo da região equatorial. “Com o aquecimento global, o gelo derretido da Groenlândia, a chuva e a água doce do oceano Ártico diluem essa superfície salgada, impedindo que ela afunde”, afirmou a VEJA o autor do estudo publicado na Nature Communications, Peter Ditlevsen. “Consequentemente, a AMOC para de funcionar.”
“Em linhas gerais, o artigo confirma algo que já sabíamos: a AMOC está enfraquecendo e um eventual colapso é possível”, afirma o professor e pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), César Barbedo Rocha. Ele afirma, no entanto, que é pouco provável que isso ocorra já em 2025 e que “esses resultados ainda precisam ser verificados cuidadosamente em outros estudos”.
Isso já aconteceu no passado. Durante a última era glacial, há mais de 12 mil anos, a corrente parava e voltava com frequência. Quando estava interrompida, a temperatura média podia variar de 10 a 15 graus no período de uma década – uma escala assustadoramente superior ao 1,5 grau de aquecimento no período de dois séculos estabelecido como limite pelo Acordo de Paris. Ditlevser diz, contudo, ser necessário tomar cuidado com as extrapolações. “Durante a era do gelo o clima foi diferente do ambiente quente que temos hoje, portanto, não é uma analogia de um para um.”
A intensificação das temperaturas causada por esse possível desequilíbrio afetaria profundamente as chuvas e a agricultura, mas esse não é o único problema. Quando a água afunda, no Ártico, ela leva consigo uma grande quantidade de oxigênio, algo essencial para a manutenção da vida no oceano profundo. Se esse ciclo se interromper, o ecossistema marítimo também se desequilibra, o que certamente teria um impacto considerável na diversidade terrestre.
A notícia vem em meio a diversos alertas. Após recordes em junho, julho deve ser o mês mais quente já registrado no mundo, algo evidenciado pelas temperaturas ineditamente altas que têm assolado os moradores do hemisfério norte a medida que o verão entra em sua fase final. “A mudança climática está aqui. É aterrorizante. E é apenas o começo”, disse nesta quinta-feira, 27, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.