Com luxo e banquete, saiba por que voar de avião era para poucos
Um passeio pela história da aviação mostra que somente os ricos voavam. Mas agora a palavra de ordem na indústria aérea é preço baixo e tecnologia
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Não faz muito tempo, viajar de avião era um evento requintado, pelo qual poucos podiam pagar. Em 1951, uma passagem aérea do Rio de Janeiro para o Recife custava o equivalente a quase seis salários mínimos da época. As pessoas caprichavam nas roupas e nos acessórios e o serviço de bordo mais parecia um banquete, com a comida servida em louça de porcelana com talheres de metal e taça de cristal para o vinho. Mas isso mudou. As viagens aéreas passaram por um processo de democratização.
Só nos últimos dez anos, houve uma queda de mais de 50% no preço dos bilhetes aéreos. Como consequência, o número de passageiros saltou de 34 milhões, em 2002, para 103 milhões no ano passado. Os dados são de um levantamento recente da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
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Voar de avião tornou-se algo tão acessível que é pouco provável que alguém sinta saudades dos tempos do glamour e dos preços inalcançáveis. “Hoje, as pessoas entendem a atividade muito mais como uma necessidade do que uma oportunidade”, afirma Guillaume de Syon, especialista em história da aviação da Universidade de Albright, nos Estados Unidos.
Mais do que indispensável, o avião se tornou nas últimas décadas o meio de transporte preferencial para percorrer grandes distâncias em curto espaço de tempo, algo fundamental em um país de proporções continentais como o Brasil. Se antes uma viagem de São Paulo para Brasília demorava uma semana por falta de estradas e transportes de massa, hoje é possível fazer a viagem em menos de duas horas, sem paradas. “É um mundo de mobilidade completamente diferente”, afirma Adalberto Febeliano, professor de economia do transporte aéreo na Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo.
Nas últimas décadas, o luxo da chamada Era de Ouro da Aviação, imortalizada em propagandas e filmes de sucesso, como Prenda-me se For Capaz, deu lugar à praticidade e aos preços baixos. “No começo da década de 1960, o governo fixava as tarifas dos voos de todas as companhias aéreas. A estratégia competitiva das empresas, então, era oferecer o melhor serviço”, diz Febeliano.
Subir as escadas de um avião era algo para poucos em todas as partes do mundo. “As principais companhias aéreas eram estatais. Por isso, algumas adotavam características ou estereótipos que queriam mostrar em nome de seu país”, diz Syon. A Swissair, por exemplo, enfatizava a pontualidade suíça. “Somente as pessoas extremamente ricas tinham o privilégio de conhecer outro país”, afirma o professor.
Crédito: Linneu Gomes Marinho de Andrade Edição: Procimar Cine-Vídeo
Por aqui não foi diferente. A Transbrasil servia feijoada em seus voos nas décadas de 1980 e 1990. A Vasp oferecia diversos tipos de bebidas alcoólicas até em voos curtos, como os da ponte aérea. O serviço de bordo da Varig chegou a ser premiado como o melhor do mundo em 1979 pela revista americana Air Transport World.
Com o término do controle governamental sobre a atividade aérea, no fim da década de 1970, o luxo foi substituído pelo preço baixo, por tecnologia e agilidade no serviço. A mudança começou nos Estados Unidos e se espalhou por vários países até chegar ao Brasil, em 2001. “Estamos em um mundo que necessita de transporte aéreo rápido. Não precisamos mais de grandes refeições ou de aeromoças que usam luvas”, afirma Febeliano, da Anhembi Morumbi. “O que vemos agora nada mais é do que uma tendência natural. A empresa oferece transporte. Outros benefícios estavam lá como uma ferramenta de competição”, diz o especialista. “Vale muito mais agora poder fazer o check-in remotamente, pela internet ou pelo smartphone.”
Imagine uma viagem longa com boa parte dos passageiros fumando. Sim, fumar durante o voo era permitido. A proibição veio em 1996, não apenas para cumprir a lei que veta o fumo em ambientes fechados, mas também por conta de um agravante. Em um avião, a fumaça não tem rotas de fuga, por conta da pressurização, e permanece no ar, gerando um ambiente pouco saudável.
Novas tecnologias
Hoje, novas tecnologias têm aperfeiçoado os equipamentos e melhorado o desempenho das aeronaves. Antes, o celular precisava ficar desligado durante todo o voo. Atualmente, já é possível manter o smartphone no modo avião e usar suas outras funções, como ler ou jogar. A possível interferência nos equipamentos da aeronave é um dos fatores a serem vencidos para fazer ligações durante o voo, mas acredita-se que esse será o próximo passo. “Logo ele será liberado, mas inicialmente deverá ser cobrada uma taxa”, diz Syon.
Algumas companhias aéreas já fornecem plataformas de entretenimento para que o passageiro use seu notebook, tablet ou smartphone com wi-fi para acessar séries, filmes e jogos. O aperfeiçoamento tecnológico também levou a um aumento da segurança das aeronaves. De acordo com levantamento da Flight Safety Foundation, 2014 viu o menor número de acidentes envolvendo aviões desde 1942. No Brasil, a média de acidentes foi de apenas 1,5 para cada 1 milhão de decolagens entre 2008 e 2014. A perspectiva de segurança fica ainda mais clara se considerarmos que atualmente a quantidade de viagens realizadas é muito maior.
O conforto dos assentos, uma característica dos aviões antigos, quando bem menos passageiros eram transportados e sobrava lugar para as pernas, é um dos principais pontos de atenção das companhias aéreas atualmente. No Brasil, a Anac concede um selo de qualidade relacionado ao espaço entre as poltronas de cada aeronave. A ideia é orientar e informar o passageiro durante a compra sobre as características do assento que será oferecido.
Muitas mudanças aconteceram desde a Era de Ouro da Aviação e os especialistas as enxergam como uma grande evolução. “Em algum momento, o comportamento dos passageiros sugeriu que esse seria o melhor caminho a seguir”, diz Syon. Afinal, é seguro dizer que a maioria das pessoas prefere trocar uma passagem caríssima, com poucas opções de horários e o banquete a bordo, por voar para qualquer destino sem gastar muito, com mais segurança, tecnologia e opções variadas de horários. Os mais de 100 milhões de passageiros brasileiros que o digam.