Uma nova opção para tratamento de lesões medulares chega ao Brasil. Médicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Hospital São Paulo (HSP) divulgaram nesta quarta-feira uma técnica que combina conhecimentos da ginecologia e da neurologia para ajudar pacientes paraplégicos e tetraplégicos a recuperar movimentos e funções corporais, como o controle da bexiga. Chamado Implante Laparoscópico de Neuroestimulador (Lion, na sigla em inglês), o método havia sido realizado apenas em quatro países (Suíça, Áustria, Alemanha e França) e foi testado em quatro brasileiros.
A neuroestimulação é um método conhecido por ajudar pacientes a recuperar movimentos, por meio de eletrodos implantados em sua medula. Desta vez, os cientistas colocaram os eletrodos nos nervos femorais (que controlam o músculo da coxa), ciáticos (pés e quadril) e pudendo (responsável pelo controle da urina e das fezes). Para atingir esses nervos, localizados em uma região mais interna do abdômen, foi feita uma laparoscopia, cirurgia minimamente invasiva muito utilizada na ginecologia. Além dos eletrodos, um neuroestimulador foi implantado no paciente, por baixo na pele, na região próxima ao umbigo.
Depois da operação, um controle remoto é usado para manipular a emissão de estímulos elétricos, escolher quais nervos e em qual intensidade. Além disso, o tratamento envolve um processo intenso de reabilitação motora. De acordo com a fisioterapeuta Salete Conde, são necessárias dez horas semanais de exercícios para ganho de massa muscular e coordenação. “A fisioterapia é que ajudará o paciente a reaprender os movimentos perdidos com a lesão”, explica.
Caso de sucesso – O estudante de medicina Francisco Moreira, de 25 anos, sofreu uma lesão na quinta vértebra (na região do pescoço) em 2009, praticando snowboard. A lesão foi considerada de grau B, quando o paciente tem alguma sensibilidade abaixo do nível da lesão, sem função muscular. Hoje, cinco meses após a cirurgia, Francisco consegue elevar os braços acima da cabeça, ficar de pé, deslocar o quadril para a lateral e mover os pés.
Nas sessões de fisioterapia, ele caminha dentro de uma piscina e, na semana passada, deu seu primeiro passo fora d’água. Além disso, a capacidade de sua bexiga dobrou, permitindo que ele possa ficar mais tempo sem uma sonda para coletar a urina – o que foi, segundo ele, um dos maiores ganhos em qualidade de vida gerados pelo tratamento. “Eu faria a cirurgia novamente mesmo se fosse só por isso”, afirma. Francisco também passou a ter mais sensibilidade na sola do pé e nas pernas.
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Custos – Nucelio Lemos, ginecologista que trouxe a técnica para o Brasil e realizou a cirurgia, estima que cerca de 100 pessoas no mundo foram submetidas a esse tratamento até hoje. O procedimento é caro: custa por volta de 300.000 reais, sendo metade consumida pelo aparelho implantado. Além disso, as sessões de fisioterapia consomem aproximadamente 5.000 reais por mês, e a cada dez anos são gastos mais 100.000 reais para trocar a bateria do aparelho. Desde janeiro deste ano, o método entrou para a lista de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o que significa que os planos de saúde precisam cobrir as despesas.
A técnica pode ser aplicada em paraplégicos ou tetraplégicos, com a condição de que os nervos estimulados estejam intactos. Pessoas com lesão incompleta e mais baixas, salientam os médicos, são os maiores beneficiados. Os quatro pacientes que passaram pelo procedimento no Brasil recuperaram algumas funções e até movimentos, mesmo uma pessoa acidentada onze anos antes. “Quanto menos tempo se passa entre a lesão e o implante, maior o ganho do paciente”, afirma Lemos. A razão disso é que, em casos mais recentes, o estímulo elétrico provoca neuroplasticidade, a capacidade do sistema nervoso de se reeducar para realizar as funções prejudicadas pela lesão. Lemos conta que, na Suíça, onde a técnica foi criada, um dos pacientes já consegue andar por 30 metros com o aparelho de estimulação desligado. “Com o dispositivo ligado, o paciente caminha 1,5 quilômetro.”