Nos dias 6 e 7 de novembro, o evento Sustainable Brands foi sediado em São Paulo, no Parque Ibirapuera, onde representantes da sociedade civil, como ONGs, e do setor privado, a exemplo de Syngenta, Danone e Toyota, debateram como as empresas estão se adaptando para fazer em favor da sustentabilidade do futuro da civilização. Entre os palestrantes, a suíça Jennifer Motles Svigilsky, diretora de Impacto Social e Sustentabilidade da Philip Morris Internacional, empresa suíça de tabaco fundada em 1847, falou sobre como até mesmo a indústria de cigarros pode mudar o rumo dos negócios.
Jennifer, que assumiu o cargo após dois anos como defensora dos direitos humanos para as Nações Unidas, no Ministério de Relações Exteriores de Israel, afirmou que só aceitou o desafio por enxergar uma possibilidade real de transformação da indústria — até então, ela também odiava qualquer relação com cigarros. Com a meta de testemunhar um mundo sem o produto, falou a VEJA sobre os desafios da transformação.
Como foi o início do processo de mudança da Philip Morris? A transformação começou há quatro anos. Nada estava acontecendo, não se falava sobre sustentabilidade. Mesmo com iniciativas muito legais em locais diferentes, quem se importaria e nos levaria a sério se não mudássemos o produto, que é o cigarro? Precisávamos criar a pressão dentro da empresa. Neste processo, as pessoas começaram a dizer que era necessário falar sobre os malefícios do produto. A única forma de falar sobre isso era pensar em parar de produzir o produto. Como satisfazer o público fumante sem causar a morte dele? A nossa estratégia de sustentabilidade tomou forma com a decisão de transformação. Em não sustentar o sucesso da empresa com a vendas de cigarros.
Contudo, enquanto a empresa ainda se mantém com a venda de cigarros, trata-se de greenwashing (termo que define a injustificada apropriação de virtudes ambientalistas por parte de organizações)? 80% da nossa receita vem do cigarro. É natural que duvidem da nossa política de sustentabilidade. Mesmo com qualquer discurso que fizermos, as pessoas querem ver as nossas ações na prática. Por isso, desenvolvemos métricas que mostram o que estamos fazendo para mudar a destinação dos nossos recursos. O quanto investimos no marketing de novos itens, quantas fábricas de cigarros foram fechadas ou transformadas em fábricas de novos produtos, diversificação da plantação de fazendeiros para não dependerem só de tabaco, entre outras ações. A partir disso, tivemos que provar quão lucrativos serão os novos dispositivos eletrônicos, por exemplo, que entregam a nicotina sem gerar a combustão, a fumaça do cigarro. Concordo que mesmo com a transparência, relatórios, e outras iniciativas, a descrença está aí e continuará entre nós por causa do histórico da empresa. O mínimo a se adotar é assumir que temos uma reputação horrível. A nossa proposta é dizer que fomos uma empresa no passado, somos outra no presente e queremos seguir uma nova direção no futuro. A mudança virá de fato quando a sociedade entender que todas as empresas de cigarro têm tecnologia para mudar o produto e não o fazem porque não querem. Representamos 15% de todo esse mercado. Há 85% que continuarão lucrando com cigarros.
Além da questão da saúde humana, o cigarro também é um grande vilão do meio ambiente. Como a empresa lida com os resíduos? A discussão sobre o uso de plásticos descartáveis foi boa porque vimos as leis mudarem muito rápido. Cigarros têm microplásticos nos filtros. Mesmo sem o plástico, o cigarro é um dos principais itens de lixo no mundo. A bituca é fedida, pequena, o fumante não tem o que fazer com ela, então ele simplesmente a descarta na rua. Precisamos de ações para mudar o comportamento das pessoas e sabemos que temos a nossa responsabilidade. No mundo todo, entramos em campanhas de conscientização, que têm que ser desenvolvidas localmente. Alguns lugares demandam cinzeiros portáteis, outros precisam de mais lixeiras nas ruas.
E quais as soluções para o problema atual, enquanto o comportamento não muda? Sempre nos perguntam sobre bitucas biodegradáveis. Mas isso não quer dizer que basta chover e ela se desintegrará com a água. Levará ao menos dez anos para que desapareça naturalmente. Acho que isso é pior para a consciência do público consumidor, que acreditará que o produto é ecologicamente correto. A melhor forma é mudar o comportamento das pessoas. Além disso, não é tão fácil reciclar o cigarro e usar o material em outro produto. Como empresa, temos que tentar entender os contextos locais, os parceiros de cada lugar, os problemas que acontecem em cada país, e estarmos dispostos a ser parceiros das soluções. Nosso papel é deixar claro que queremos reduzir a geração de resíduo e que estamos abertos a encontrar as soluções.
Quando o mundo estará livre dos cigarros? Por um lado, infelizmente, nem todas as empresas do setor têm o mesmo comprometimento que o nosso. Se a Philip Morris parar de vender cigarros amanhã, nossos concorrentes vão ocupar o nosso espaço. Queremos ficar livres do cigarro, como empresa e como planeta. Para acelerar o processo, precisamos de partes diferentes da sociedade trabalhando em conjunto. Com o esforço coletivo entre o setor privado, ONGs e processos regulatórios eficientes para a transformação da indústria, que oferecerá outros produtos para o consumo de nicotina, poderemos acelerar a transformação em dez anos.
Quais as maiores dificuldades com relação aos novos produtos? Em alguns países, como no Brasil, os eletrônicos para o consumo de nicotina ainda não foram autorizados, então temos que continuar como empresa exatamente da mesma forma como somos agora, ou seja, vendendo cigarros. O ceticismo com a indústria do tabaco é gigante e às vezes faz com que fiquemos paralisados. Adesivos e chicletes de nicotina não foram suficientes para reduzir o número de fumantes. Precisamos de um produto que seja o mais parecido possível com a experiência que um fumante tem ao acender um cigarro. Se as agências regulatórias afirmassem que a partir de uma determinada data a venda de cigarros estaria proibida, as empresas que mudarem antes sairiam na frente e poderia ser uma estratégia para transformar o sistema.
Cigarros eletrônicos também causam problemas à saúde. Por que introduzir um novo produto que trará outros problemas às gerações futuras? Uma solução não deveria chegar com um novo problema. O melhor, com certeza, é simplesmente não fumar. A segunda melhor coisa é parar de fumar. A solução que estamos propondo é para os 1 bilhão de habitantes que são fumantes hoje. O produto não deve ser fabricado para a juventude que não consome nicotina. Contudo, um sétimo da população é fumante e eles deveriam ter uma opção melhor para saciar o próprio vício.
Basicamente, a empresa continuará vendendo cigarros até conseguir ser lucrativa apenas com as opções eletrônicas? O negócio dos cigarros está financiando a transformação da indústria. Montadoras de veículos estão fazendo o mesmo compromisso com relação a combustíveis fósseis. Cigarros não são a discussão mais importante na sociedade, como eletricidade, por exemplo. Mas a sociedade precisa trabalhar em conjunto para criar uma mudança e ser realista sobre a demora que pode levar para alcançar esse objetivo. Não estamos mudando tão rápido porque 85% do mercado não está interessado. Eles ainda fazem bastante dinheiro com a venda de cigarros.
E o que acontecerá com a empresa depois que 1 bilhão de pessoas deixarem de ser fumantes? 1 bilhão de pessoas é muita gente. Levará muito tempo até chegarmos a esse cenário. Mesmo assim, nesse processo de transformação da empresa, atraímos diversos tipos de talento para inovação e tecnologia. Eu mesma jamais trabalharia para uma empresa de cigarros se não tivesse apostado na transformação. Acredito que conseguiremos desenvolver muitas outras coisas, outros produtos e tecnologias, quando atingirmos a marca de não termos mais 1 bilhão de pessoas fumantes no planeta.