Cientista premiada defende políticas ambientais viáveis economicamente
Vencedora do Prêmio Internacional For Women in Science, Suzana Nunes é vice-reitora da Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah, na Arábia Saudita
Uma das cinco vencedoras do Prêmio Internacional For Women in Science, a química brasileira Suzana Nunes é professora e vice-reitora da Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah, na Arábia Saudita. Na premiação, parceria entre a empresa de cosméticos francesa L’Oréal e a Unesco, que reconhece a excelência científica de pesquisadoras em níveis nacional, regional e internacional, foi laureada como representante da África e Estados Árabes. Junto com o troféu e o diploma, entregues há cerca de um mês, ela recebeu também 100 000 mil euros.
Nascida no Brasil, a professora Suzana atua na Arábia Saudita há muitos anos. Foi premiada por seu trabalho no desenvolvimento de filtros de membrana para obter separações químicas altamente eficientes com menor pegada de carbono. Sua pesquisa provou ser particularmente benéfica para as indústrias de água, petroquímica e farmacêutica na obtenção de um ambiente mais sustentável. “É um prêmio muito importante, porque traz reconhecimento e uma visibilidade muito grande”, disse ela, em entrevista a VEJA.
Qual a importância desse tipo de premiação, voltada para mulheres cientistas de diversas áreas de estudo?
É muito importante. Deveria ser completamente natural, não um tópico que a gente conversa. Com tudo que contribuímos para o progresso, é muito importante motivar mulheres nessa área. Não é, com certeza, como há 50 anos, mas ainda é uma área que somos uma minoria. Então, a gente precisa celebrar cada cada reconhecimento.
Pode contar como foi sua trajetória e por que resolveu ir para a Arábia Saudita?
Eu cresci no Brasil e fui professora da Unicamp. Depois, fiz pós-doutorado na Alemanha. Então, fiquei um bom período entre Brasil e Alemanha, trabalhando na universidade, em Campinas, e em empresas privadas. Chegou um ponto em que eu queria voltar para a vida acadêmica.
Mas quando surge a Arábia Saudita?
Foi há mais ou menos uns 13 anos, quando me disseram que estava sendo inaugurada uma universidade lá, com ênfase em ciência e tecnologia. Eles estavam inaugurando a universidade com uma missão muito especial, uma universidade completamente internacional, com foco em água, energia e separações industriais — onde realmente eu estava trabalhando. Acho que foi uma chance muito especial, um desafio muito grande. Porque estavam começando do zero, mas com muitas facilidades, com muitos equipamentos de ponta e trazendo gente do mundo inteiro mesmo. Nós temos mais de cem nacionalidades no campus. Hoje, eu sou o correspondente mais ou menos a vice-reitora e também sou professora de química e engenharia ambiental.
Qual é o foco do seu trabalho?
Eu trabalho na interface entre química e engenharia. Nós desenvolvemos membranas que são filtros, como se fossem uma peneira superfina com poros cem mil vezes menores do que um fio de cabelo. São mecanismos com os quais conseguimos separar substâncias em nível molecular. Eu consigo separar gases, consigo separar sal da água do mar para obter água potável. Mas o meu foco principal no momento é tornar a indústria mais sustentável, já que as indústrias química, petroquímica e farmacêutica são responsáveis por praticamente um terço da energia no mundo todo.
E como fazer isso?
Fala-se muito no transporte, que despeja muito carbono na atmosfera. Mas para chegar no mundo completamente sustentável a gente precisa passar por uma transição. Essa transição é tornar a indústria mais limpa, mais efetiva, com menos CO2. Metade da energia usada em indústria química vai para separação, que hoje em dia é feita por calor e destilação. A ideia é propor tecnologias que vão diminuir essa energia e o uso de gás.
E isso é possível?
Sim, é possível. Com membranas finíssimas, como aquelas com as quais trabalhamos. Com isso, a gente tenta reduzir essas etapas fazer algo bem seletivo mesmo.
Então, a ideia de uma indústria sustentável não é uma quimera?
Não é uma quimera, mas é um desafio muito grande. Eu acho que indústria de forma geral é muito conservadora. É difícil mudar. Por exemplo, para mudar isso precisa de políticas públicas ambientais. Mas não é só trabalhar com o lado ambiental, também tem que promover tecnologias economicamente interessantes.
E o Brasil tem um perfil sustentável?
No campo do transporte, o Brasil é uma referência. É um dos poucos países que tem alternativas ao petróleo e à gasolina como combustíveis fósseis e ao carvão como fonte de energia. Estamos na linha da sustentabilidade há muitos anos. Mas cada país tem uma solução diferente.
Tivemos um período em que a ciência foi muito negligenciada. Investir nela ainda é essencial?
Para zerar o CO2, zerar o aumento de temperatura e assegurar o futuro dessa nova geração, os jovens vão precisar de uma solução. E ela está na ciência. Isso só vai ser possível baseado em uma ciência, em fatos reais, e não em fantasia. É muito importante conservar biodiversidade. Muito importante, essencial, conservar a Amazônia. Conservar todos os tesouros que o Brasil tem. É uma luta intensa, cada vez mais intensa. Nós tivemos aqui recentemente um grande congresso internacional na universidade ligando sustentabilidade e educação. Um dos pontos discutidos foi assegurar que haja uma transferência de conhecimento para o público também. Não só para os cientistas.