Descobrir os segredos por trás dos fascínios do universo sempre foi um grande propulsor da ciência. Um desses mistérios, escondidos na complexidade do núcleo da nossa galáxia, foi o combustível para um grande projeto: lançado em 2009, ele foi chamado de Variáveis na Via Láctea (VVV), e foi responsável por fazer uma varredura em infravermelho do centro da nossa galáxia. O sucesso foi tamanho que, logo que terminou seu trabalho, em 2015, um projeto adicional foi lançado, o VVV eXtended (VVVX). Ele chegou ao fim em 2023 e, com a ajuda de brasileiros, deixa como legado o maior mapa infravermelho da Via Láctea já feito até agora.
Essa região da Via Láctea, assim como as suas proximidades, é composta por um grande aglomerado de estrelas e nebulosas, mas por serem muito condensados e repletos de corpos muito antigos, é difícil de ser investigado com aparelhos de luz visível. A adoção do infravermelho, portanto, foi a solução para estudar os objetos astronômicos presentes no centro galáctico, conhecido também como bojo.
O VVV já tinha sido revolucionário, permitindo a observação de grupos estelares e a construção de um mapa 3D dessa região. O estudo adicional, no entanto, aumentou ainda mais o potencial científico dessa investigação: no total, foram mais de 200 mil imagens, 4.200 horas de observação, 1,5 bilhão de objetos registrados e 500 terabytes de dados. A síntese de todo esse trabalho foi publicada no periódico científico europeu Astronomy & Astrophysics, em um artigo liderado pelo astrofísico brasileiro Roberto Saito e que contou com a colaboração de profissionais renomados como a pesquisadora Beatriz Barbuy, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo.
O sucesso ficou evidenciado no número de publicações que levou. Até agora, já foram mais de 300 artigos científicos e cerca de 30 teses de doutorado, tudo isso graças ao telescópio do Observatório Paranal, mantido pelo Observatório Europeu do Sul (ESO). A aposentadoria da câmera infravermelha impediu a continuação das capturas, mas os resultados ainda serão observados por um longo período. “Claramente, há muitas outras aplicações desta Pesquisa Pública do ESO para a comunidade explorar em estudos futuros da estrutura galáctica, populações estelares, estrelas variáveis, aglomerados estelares de todas as idades, entre outras áreas de pesquisa interessantes, desde astrofísica estelar e (exo)planetária até estudos extragalácticos”, escrevem os autores.
Isso acontece porque, somado a capacidade de outros telescópios, como o Hubble, o James Webb e o Nancy Grace Roman, os dados ajudam a revelar os chamados objetos transientes. Diversos outros aparelhos também devem ajudar na descoberta. O mais imediato deles é o Vera C Rubin. Com o dobro de diâmetro do Paranal e a maior câmera digital do mundo, ele fará uma varredura em ultravioleta, luz visível e infravermelho de todo o céu do hemisfério sul. Além disso, programado para iniciar suas atividades ainda na próxima década, o Telescópio Europeu Extremamente Grande, com 39 metros de diâmetro, será o mais poderoso telescópio em funcionamento, capaz de revolucionar diversas áreas da astronomia. Serão bons tempos para os apaixonados na eterna ciência celeste.