As duas obras de arte com destino à Lua
Antes da retomada das missões tripuladas, projetada para 2025, a Nasa se prepara para levar ao satélite um adorno inesperado
O fascínio pela Lua sempre motivou canções, poemas e amores, e não se dissipou nem quando passou do plano abstrato para o concreto em 1969, momento em que o homem fincou sua bota, pela primeira vez, no solo intocado. A histórica caminhada do americano Neil Armstrong foi repetida em outras cinco ocasiões por onze astronautas da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, mas as visitas ao satélite da Terra foram suspensas por motivos financeiros e há cinquenta anos nenhum ser humano passeia por lá. Esse estado de coisas, no entanto, está para mudar. Graças a uma inovadora parceria entre a Nasa e empresas privadas — uma espécie de PPP espacial —, uma nova missão tripulada deve ocorrer até 2025 e, antes disso, a Lua receberá, possivelmente ainda neste ano, um adorno inesperado: duas esculturas criadas especialmente para sua desértica paisagem.
Afeito a projetos impactantes, o americano Jeff Koons propõe-se a homenagear o próprio satélite em uma obra composta de 125 miniaturas da Lua. Com cerca de 2,5 centímetros de diâmetro, elas levarão o nome de pessoas que Koons admira, como Leonardo da Vinci, Marilyn Monroe e Elvis Presley. “A superfície lunar inteira é reflexão de luz. E, a partir da filosofia, eu sempre fui atraído para essa reflexão”, diz o controvertido Koons, mestre da arte pop que detém o recorde de peça mais cara vendida por um artista vivo (seu coelho de aço inoxidável alcançou 91,1 milhões de dólares) e virou celebridade ao se unir por um ano à atriz pornô, depois política, húngaro-italiana Cicciolina. Dentro do projeto Fases da Lua, Koons vai comercializar em Terra uma escultura maior, espécie de mãe das pequenas esferas, e prevê a venda de um NFT, obra de arte digital certificada que se tornou mania entre os endinheirados.
Já Sacha Jafri, artista britânico radicado em Dubai, pretende mandar para o espaço uma placa de alumínio revestida de ouro contendo a imagem de um coração meio psicodélico. Quando a obra, intitulada Nós Nos Elevamos Juntos — com a Luz da Lua, partir para seu destino, Jafri — que durante a pandemia criou a maior tela já pintada, de 1 500 metros quadrados, posteriormente vendida por 62 milhões de dólares — vai comercializar cinco NFTs do original seguindo os passos da missão: “a entrada do foguete na estratosfera, a circum-navegação da Terra, o estilingue lunar, o pouso e o legado da obra de arte eternamente na Lua”.
Ciente da sedução exercida pela Lua, a Nasa investiu 250 milhões de dólares no projeto Artemis, nome da irmã gêmea do deus grego Apolo, que batizou as missões lunares nas décadas de 60 e 70, com apoio tecnológico e financeiro de diversas empresas privadas. “O espaço é de todos e a obra de Sacha Jafri personifica esse espírito”, pondera Dan Hendrickson, vice-presidente da Astrobotic, desenvolvedora de robótica espacial que patrocina o lançamento, literalmente neste caso, da criação do artista britânico. O financiamento da viagem das luazinhas de Koons, por sua vez, ficará a cargo da Intuitive Machines, primeiro empreendimento comercial a fornecer infraestrutura lunar. “Quando ir à Lua deixa de ser algo inalcançável e se torna viável, a expectativa da humanidade muda completamente. As empresas querem captar isso criando novos produtos”, explica Murilo Moreno, professor de marketing da ESPM de São Paulo.
As esculturas vão pegar carona nas missões não tripuladas da fase 1 do projeto Artemis e serão depositadas no Oceanus Procellarum, o maior dos “mares” lunares, junto com sondas exploradoras e outros equipamentos. O foguete que levará três astronautas, entre eles um negro e uma mulher — um calculado movimento pró-diversidade —, só deve entrar em órbita daqui a três anos, com a marca da SpaceX, do bilionário Elon Musk. O Artemis mira um novo e gigantesco salto: preparar o satélite terrestre para ser um trampolim da conquista de Marte. “A presença maciça da iniciativa privada junto à Nasa não é à toa. Há um enorme e lucrativo mercado na Lua”, diz Roberto Dell’Aglio, professor de astronomia da USP. Em um horizonte mais distante, turistas poderão visitar o satélite. Lá, além de flutuar na baixa gravidade e admirar o cenário de cinema, os visitantes verão de perto obras de arte feitas para um museu além da imaginação.
Publicado em VEJA de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802