Em 1969, pouco tempo antes de Neil Armstrong pôr os pés na Lua, Gilberto Gil cantou com delicadeza, inteligência e melancolia o feito que se aproximava, em Lunik 9: “Poetas, seresteiros namorados, correi / É chegada a hora de escrever e cantar / Talvez as derradeiras noites de luar”. Ele parecia inspirado pelo comentário do poeta britânico John Keats (1795-1821), que acusara o físico Isaac Newton (1643-1727) de destruir a beleza de um arco-íris ao explicá-lo a partir de equações da física. Parece já não haver dúvida: desde que o ser humano chegou à Lua, há 54 anos, em pequeno passo para o homem e gigantesco salto para a humanidade, o satélite da Terra perdeu um tanto de seu charme intangível movido a desconhecimento. Deixou de alimentar poesia e juras de amor — mas nunca se afastou do interesse científico de quem a vê aqui debaixo. Agora, meio século depois, os módulos de comando das agências espaciais voltam a apontar para lá, renovando a imensidão de mistérios.
Nas próximas semanas, a Lua será desbravada de maneira impetuosa, algo jamais visto na história da exploração espacial. O CLPS (sigla em inglês para Serviços Comerciais de Carga Lunar), projeto de apoio a iniciativas privadas desenvolvido pela Nasa, enviará ao menos duas missões até o satélite. Outras duas estão previstas para o segundo semestre. Em junho, a Índia, que já fez duas tentativas de pouso controlado no solo do satélite — algo que só foi realizado até hoje por Estados Unidos, União Soviética e China —, arriscará uma terceira, chamada Chandrayaan-3. De fato, o ano reserva compromissos ambiciosos. A SpaceX, fundada pelo bilionário Elon Musk, agendou para o próximo inverno, quando será verão no Hemisfério Norte, a primeira viagem turística ao astro, a dearMoon. Financiada pelo empreendedor japonês Yusaku Maezawa, a missão levará ele e nove convidados civis à órbita lunar. O voo, que deverá durar ao menos seis dias, será a estreia do Starship, o foguete mais poderoso já construído, capaz de transportar até 100 passageiros ao espaço. O valor pago pela viagem não foi divulgado, mas estimativas apontam para algo como exorbitantes 50 milhões de dólares.
O retorno à Lua é bem diferente das primeiras empreitadas. Na década de 50, quando começou a corrida espacial, ela era símbolo da rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética. Na nova fase da exploração lunar, o astro continua sendo alvo de disputa entre duas grandes potências, mas o oponente americano mudou: agora é a vez da ascendente República Popular da China. Ambos têm metas ambiciosas. Enquanto os Estados Unidos planejam levar, em 2025, a primeira mulher e a primeira pessoa negra ao solo lunar, a nação da muralha almeja construir, nos próximos anos, uma base permanente utilizando matéria-prima do próprio satélite. As novidades não param por aí. O plano, dessa vez, não é ir para apenas fincar bandeira e voltar, mas desenvolver atividades permanentes e autossustentáveis de exploração, algo que se tornou possível ao longo das últimas décadas. “Até agora, a Lua ainda não foi explorada”, afirmou a VEJA o diretor sênior de estratégia para exploração humana e robótica da Agência Espacial Europeia (ESA), Stefaan De Mey. “Cientificamente falando, tem muita coisa a se fazer lá. A cada dia, as pessoas estão fazendo mais e mais descobertas.”
Desta vez, a exploração do satélite será feita com a cooperação de iniciativas privadas. Até agora, apenas agências estatais foram à Lua, mas as missões comerciais, à semelhança do que ocorre na órbita baixa da Terra, ganham cada vez mais espaço. Isso foi visto com bons olhos pelas estatais — afinal, não há governo no mundo disposto a fazer, sozinho, todo o investimento necessário. “Essa é uma grande mudança simbólica sobre como pensamos o espaço”, disse a VEJA a arqueóloga espacial Alice Gorman, da Universidade Flinders, na Austrália. O movimento está a todo o vapor. Em abril, com o apoio da ESA e da Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa (Jaxa), a empresa privada ispace tentou fazer o primeiro pouso comercial na Lua, mas falhou segundos antes da alunissagem. Ainda assim, a tentativa colocou a organização num patamar que nenhuma outra entidade privada alcançara até o momento.
Eterna namorada dos exploradores espaciais, a Lua representa também um símbolo de status para aqueles que conseguirem desbravá-la. “Temos muitos motivos para ir até lá, mas um dos principais é ter um astronauta europeu na superfície lunar antes do fim da década”, reconhece De Mey. A ESA é uma das vinte signatárias do acordo Artemis, um programa de cooperação internacional para exploração da Lua lançado pela Nasa. O acordo busca, além de colaboração, uma presença harmoniosa dos países no astro — algo semelhante ao Tratado da Antártica, compromisso assinado pelos que ocupam o Polo Sul para garantir o equilíbrio entre o desenvolvimento científico e a manutenção do meio ambiente.
A Agência Espacial Brasileira (AEB) também assinou o acordo, mas com planos menos ambiciosos do que os parceiros asiáticos e europeus. O Brasil não tem tradição em exploração espacial e, por isso, não investirá em foguetes e astronautas para a missão Artemis. “Vamos esquecer as partes complicadas e focar no que o Brasil tem expertise”, disse a VEJA o coordenador de satélites da AEB, Rodrigo Leonardi. “Nós vamos começar pensando no lado científico da exploração espacial.” A área de atuação brasileira não foi definida, mas já existe um projeto sendo desenvolvido no Instituto Tecnológico de Aeronáutica para a criação de um satélite de monitoramento climático que poderá entrar em órbita lunar. A AEB ainda busca parceria com institutos científicos, como a Embrapa, para a atuação em space farming, campo de pesquisa que visa ao aprimoramento de alimentos que poderão ser cultivados na Lua. A despeito do incômodo dos poetas, o sonho de ver o astro de perto está cada vez mais próximo de ser novamente realizado.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842