Foram dezessete minutos e 23 segundos de tensão no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) até que o Amazônia 1 entrasse em órbita. O primeiro satélite de monitoramento inteiramente projetado, construído, testado e operado pelo Brasil foi lançado na madrugada de domingo do Centro Espacial Satish Dhawan, na ilha de Sriharikota, na Índia. Posicionado a 750 quilômetros de altitude, o equipamento desenvolvido pelo Inpe, em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), dará início a uma nova era de coleta de dados da Amazônia e da agricultura brasileira, eliminando, assim, o conflito de informações sobre desmatamento que insiste em confundir a comunidade internacional. Com dados precisos e confiáveis, o país terá melhores condições de monitorar seus campos e vegetação nativa. Veja primeiras imagens do satélite.
Parte do projeto chamado Missão Amazônia, o novo satélite é o terceiro dedicado à mesma finalidade, sucedendo ao CBERS-4 e ao CBERS-4A, fruto de uma cooperação com a China. O novo aparelho também vai monitorar a região costeira e reservatórios de água, antecipando possíveis desastres ambientais. Ele começou a ser desenvolvido em 2008, com a participação de doze empresas brasileiras e um investimento de 400 milhões de reais. A estrutura metálica, de 2,5 metros de altura e 640 quilos, foi embarcada no foguete indiano PSLV-C51, um propulsor com 44 metros de altura. A passagem só de ida, que incluía a companhia de dezoito dispositivos de outros países, saiu por 140 milhões de reais.
Os satélites da série Amazônia são formados por dois módulos integrados, porém independentes. A parte superior é o cérebro: denominado módulo de carga útil, abriga câmeras e equipamentos de gravação e transmissão. Já a inferior é a plataforma multimissão (PMM), que contém todos os subsistemas de que a nave necessita para operar — é o coração do dispositivo. O conceito PMM, também usado por outras nações, permite a redução de custos e de prazos, já que dispensa os engenheiros de ter de passar pelo desenvolvimento da estaca zero.
Fazendo uma analogia com as montadores de veículos, se o Amazônia 1 fosse um carro, PMM seria o chassi sobre o qual podem ser montados novos modelos. Com isso, sabe-se que a fabricação do Amazônia 1B e Amazônia 2 — que formarão a tríade orbital brasileira — será acelerada, mesmo que as datas de lançamento ainda não estejam confirmadas.
Viajando a uma velocidade média de 27 000 quilômetros por hora, o Amazônia 1 leva cerca de 100 minutos para dar uma volta completa ao redor da Terra. Isso significa que, em períodos muito curtos, está de volta ao mesmo ponto sobre o território nacional, aumentando, assim, a frequência de monitoramento. Ele possui câmeras capazes de registrar grandes extensões em fotografias de baixa resolução. As imagens geradas, portanto, não mostram em detalhes elementos como casas ou carros, mas permitem olhar de uma vez só uma faixa de 850 quilômetros. “Para aplicações de larga escala, como monitoramento de vegetação, desmatamento e desastres ambientais, é extremamente bem adaptado”, explicou Marco Chamon, coordenador do Inpe, em um webinar dedicado ao tema.
Para monitorar minimamente a floresta, o Brasil ainda depende do satélite americano Landsat, que fornece dados de imagem de alta definição a cada dezesseis dias. O CBERS-4 e o CBERS-4A, que servem ao mesmo propósito, fornecem imagens a cada três ou quatro dias. Eventualmente, a coleta de imagens do Amazônia 1 poderá ser encurtada para intervalos de dois dias em caso de demanda emergencial.
O sucesso da missão coloca o Brasil em um seleto clube de vinte países que dominam o ciclo completo de satélites. Ao longo de quase duas décadas, a indústria nacional adquiriu tecnologia de mecanismos de abertura de painéis solares, controle de altitude e órbita, além de organizar o lançamento com outras nações, como a Índia, que cobra bem menos do que outras agências para levar a carga.
Impedir a devastação da maior floresta do mundo é um dos principais objetivos da Missão Amazônia. O escopo, no entanto, tem mais abrangência: tornar o Brasil um gerador massivo de dados de seu próprio território. O Amazônia 1 é, portanto, um pequeno equipamento que representa um grande salto para o futuro. Usado com responsabilidade, deve ser celebrado.
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728