Dono e apresentador do SBT, Silvio Santos tem 2 500 funcionários na emissora. Apesar da enorme folha de pagamento, a palavra final sobre a entrada e a retirada de um conteúdo do ar sempre se deu em caráter unilateral. Mudança repentina na grade, interrupção de seriado pela metade e repetição de programas: tudo é feito até hoje de acordo com a vontade do dono do Baú. Um episódio recente pode representar uma notável exceção a essa regra. De sua casa em Orlando, onde fica quase três meses do ano curtindo uma rotina que inclui compras no Walmart, o comunicador mais popular da história do país teve a ideia de ressuscitar o quadro Semana do Presidente, que foi ao ar entre 1981 e 1996. Silvio pensou em veicular o conteúdo em sua atração dominical. O objetivo seria mostrar apenas notícias positivas ligadas a Jair Bolsonaro, como já fez no passado com João Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. A intenção caiu como uma bomba dentro do canal e da família.
O líder do SBT conseguiu a unanimidade: todos são contrários. Duas de suas filhas, Patricia e Renata Abravanel (a primeira é apresentadora e a segunda assumirá a presidência do Grupo Silvio Santos em 20 de março), integram o movimento para tentar o que parecia impossível: fazê-lo mudar de ideia (procuradas por VEJA, elas negam qualquer interferência). Além do tom ufanista e da trilha sonora com fanfarras militares que remetem a um passado incômodo, um dos argumentos usados é que a adulação a Bolsonaro pode manchar a imagem simpática que a emissora tenta cultivar. Um dos slogans é “a TV que tem torcida”. Ao se inclinar acintosamente para um dos lados dentro do polarizado cenário político, a iniciativa de Silvio agradaria muito a uma ala da torcida e, ao mesmo tempo, provocaria o efeito colateral de atrair haters, atrapalhando o crescimento da marca no ambiente em que eles mais proliferam: o universo digital. O SBT é o canal do Brasil que tem mais inscritos no YouTube: 9,2 milhões. Embarcar na onda da Semana do Presidente daria à empresa o status de canal oficial da Presidência. A pedido de VEJA, um levantamento feito pela Bites, consultoria de análise de dados para relações governamentais, mostra que Bolsonaro já é fortemente ligado à imagem da emissora. Ao longo de 2019, ele acabou associado a Silvio Santos ou ao SBT em 438 000 tuítes. O grande pico ocorreu em 5 de maio, quando o presidente esteve no palco do SBT para defender a reforma da Previdência: foram 95 011 associações entre Bolsonaro e o dono do canal na rede social.
Diretamente de Orlando, Silvio deu ordem à equipe para que produzisse um piloto de Semana do Presidente. A gravação foi enviada a ele nos Estados Unidos, mas, surpreendentemente, o apresentador acabou voltando atrás na última terça, 18, suspendendo o negócio até segunda ordem. Isso não significa que o dono do Baú deixará de explicitar apoio a Bolsonaro. O deputado federal Fábio Faria (PSD-RN), marido de Patricia Abravanel, tem feito a ponte entre o sogro e o governo. O casal Silvio e Iris Abravanel mais Edir Macedo e Ester Bezerra, proprietários da Record, jantaram no Palácio da Alvorada e estiveram na tribuna de honra no desfile militar de 7 de Setembro, em Brasília. Além de receber a visita de Bolsonaro para defender a reforma da Previdência, o dono do SBT convidou Flávio e Eduardo no quadro Jogo das 3 Pistas, em julho de 2019.
A adulação ao presidente não ocorre apenas de olho nas gordas verbas de publicidade estatal. Em uma comitiva liderada pela RedeTV!, cujo sócio Marcelo de Carvalho é um ferrenho defensor de Bolsonaro, alguns empresários de comunicação conseguiram do governo federal a permissão para o retorno dos sorteios por telefone em sua programação possivelmente a partir de abril (o negócio havia sido proibido em 1998). RedeTV!, Band e Record serão as principais beneficiadas e devem lucrar cerca de 5 milhões de reais por ano. Em um primeiro momento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi contrário por temer a concorrência às loterias da Caixa. Acabou sendo voto vencido, como aconteceu com Silvio Santos na discussão sobre a volta da Semana do Presidente. A ala de oposição à ideia comemorou a reviravolta com cautela, tendo em conta o estilo imprevisível do apresentador. Nos corredores da emissora, teme-se que o assunto volte à pauta quando o dono do Baú retornar ao Brasil, depois do Carnaval.
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675