Com fama de simpaticão e envolvente, Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, pontificou com grande sucesso na política fluminense ao longo de 23 anos, período em que firmou alianças duradouras. Aí veio a derrocada: símbolo da corrupção e ostentação escancaradas pela Operação Lava-Jato, passou seis anos na cadeia. Solto em dezembro, não demorou a refazer amizades — tanto pelo Instagram, onde tem 25 000 seguidores, quanto pessoalmente, aproveitando a liberdade de circular pelo Rio — e, sim, influenciar pessoas, ainda. Discretamente, atuando nos bastidores, o ex-presidiário Cabral é ouvido e cortejado como consultor informal de deputados, líderes partidários e ocupantes de gabinetes no governo estadual.
A sombra do ex-governador, réu em 37 ações penais e condenado a mais de 400 anos de cadeia em primeira instância, se fez percebida logo no início do ano, quando ainda estava em prisão domiciliar. Seu filho Marco Antônio Cabral, ex-deputado federal que não se reelegeu, ganhou, em março, um cargo na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Cabralzinho, como é chamado, foi nomeado pelo novo presidente da casa, Rodrigo Bacellar (PL), para uma vaga no Setor de Arquivo, com salário que, somando o rendimento bruto mais gratificações, ultrapassa 20 000 reais. “Somos amigos nos momentos ruins e bons”, disse Bacellar a VEJA, referindo-se a Cabral, aliado de longa data.
Ao que tudo indica, o trabalho de Cabralzinho não se restringe aos arquivos parlamentares. Ele se reporta diretamente ao presidente da Alerj, a quem chama de “irmão”, tem acesso livre ao seu gabinete com o uso de digital e participou de pelo menos uma reunião com fornecedores, em abril. “Já se vê a nítida influência de Cabral na postura de Bacellar e na condução de pautas mais abrangentes”, observa um político, pedindo anonimato. Exemplo: a discussão no plenário sobre o uso da Cannabis medicinal pelo SUS, projeto progressista teoricamente incompatível com o viés conservador do presidente da Alerj, mas que Cabral avaliou ter potencial para angariar apoios à esquerda. Além do filho do ex-governador, trabalham no prédio da Assembleia sua primeira mulher, Susana Neves, e sua mãe, Magaly. A assessora Susana é funcionária desde 2017, com salário na faixa dos 13 000 reais, e acaba de ser poupada de uma onda de demissões. Magaly foi nomeada novamente neste ano, ganhando 10 700 reais, para o gabinete de Franciane Motta, mulher do ex-presidente da Alerj Paulo Melo, que esteve preso junto com Cabral.
Segundo aliados, o ex-governador está montando uma sala em um complexo empresarial na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, para dar expediente como conselheiro político. “Ele vem se articulando muito nesse sentido”, diz André Ceciliano (PT), outro ex-presidente da Alerj. Enquanto aguarda o escritório ficar pronto, pessoas próximas afirmam que ele vai espraiando sua atuação, dando pitacos informais na gestão de secretários do governo estadual como Dr. Luizinho (PL), chefe da área da saúde e apontado como potencial candidato à prefeitura do Rio em 2024, Leonardo Lobo, titular da Fazenda, e Rodrigo Abel, secretário de Gabinete do governador. Os dois primeiros não retornaram as ligações de VEJA e Abel negou qualquer contato. A influência de Cabral, afirmam representantes do alto escalão do governo, chega ao governador Cláudio Castro (PL), com quem estaria falando ao telefone pelo menos uma vez por semana. Procurado, Castro negou a informação veementemente.
Instalado em um flat de frente para a Praia de Copacabana, Cabral alterna o tempo livre, que não é pouco, entre a malhação pesada — hábito adquirido no tempo de detenção —, lives nas redes e, sobretudo, telefonemas, almoços e jantares com políticos. “Às vezes parece que ele esqueceu tudo o que fez e passou”, comenta um deputado. Na verdade, a Lava-Jato segue sob os holofotes, só que na direção inversa: o ex-procurador Deltan Dallagnol, que coordenou a operação em Curitiba e foi o deputado federal mais votado no Paraná em 2022, acaba de ter a cassação de seu mandato — decidida pelo TSE por entender que ele burlou a Lei da Ficha Limpa — confirmada pela Câmara. No Rio, as costuras de Cabral passam por representantes do União Brasil, Republicanos, PL, MDB e PP, a quem auxilia na formulação da estratégia dos pré-candidatos às eleições municipais do ano que vem. Mesmo ainda encalacrado com a Justiça e com vinte condenações pendentes, ele confidenciou aos mais próximos que sonha voltar à cena como candidato a deputado federal, em 2026. Passo a passo (monitorado por tornozeleira), o ex-governador vai alinhavando sua nova — como é que se diz, agora? — narrativa.
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845