Sabores da floresta temperam a COP30: cardápio da conferência combina tradição, sustentabilidade e inovação
Com ingredientes selecionados, pratos são um lembrete de que o futuro sustentável também se prova à mesa
Durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorre neste mês em Belém (PA), entre tantas discussões acirradas sobre transição energética, créditos de carbono e os malefícios dos combustíveis fósseis, a profundidade dos sabores autênticos e a vastidão de opções da culinária brasileira ganharam os holofotes. No cardápio do evento, ingredientes que vão além dos conhecidos açaí, cupuaçu e castanha-do-pará proporcionam uma experiência que combina tradição, sustentabilidade e inovação, capaz de traduzir, em uma infinidade de sabores e aromas, a relação viva entre cultura, território e clima.
Entre os alimentos que chamam a atenção de autoridades do mundo inteiro estão o ariá, um tubérculo de textura delicada, pele fina e sabor adocicado que lembra o milho verde. Quase esquecido, ele volta a ser cultivado por agricultores familiares e redescoberto por chefs que apostam na cozinha ancestral. A pupunha – ou palmito, como é chamada em outras regiões do país – ganha protagonismo no Pará também pelo seu fruto, consumido cozido com sal como parceiro do cafezinho e também na forma de mingaus e doces. Já o muruci, pequeno e amarelo, conquista quem vence o desafio do aroma forte e prova o gosto azedinho e refrescante que o torna estrela de sucos, geleias e sorvetes.
Da palmeira amazônica vem a bacaba, prima pouco conhecida do famoso açaí, de cor acinzentada e sabor mais suave. Rica em antioxidantes, fibras e ferro, é considerada um superalimento e aparece em bebidas e sobremesas. Mais exótico, o turu, molusco que vive nos troncos dos mangues e é conhecido como “cupim do mar”, é muitas vezes consumido cru, com limão e sal, ou ainda preparado em caldos e refogados. Fonte de proteínas e ferro, é valorizado também por seu papel nas práticas sustentáveis de comunidades costeiras. Já o mastruz, erva de sabor fresco e mentolado, é presença antiga nas cozinhas e boticas amazônicas. Além de temperar peixes, feijões e caldos, tem propriedades medicinais e simboliza a ligação entre saúde, cultura e biodiversidade.
Esses ingredientes são apenas alguns exemplos das centenas de possibilidades presentes na tradicional culinária paraense. Seu uso no cardápio oficial é resultado de um esforço coletivo para colocar a agricultura familiar no centro da conferência. Pela primeira vez, a COP terá pratos com pelo menos 30% de alimentos provenientes da agricultura familiar, da agroecologia e de comunidades tradicionais. O percentual foi consolidado no edital publicado em agosto pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), que define as condições para a seleção dos operadores de alimentação da conferência. O documento prioriza práticas de base sustentável, empreendimentos coletivos e organizações lideradas por mulheres e jovens do campo.
A medida nasceu do movimento Na Mesa da COP30, liderado pelos institutos Regenera e Comida do Amanhã, com o apoio de dezenas de organizações da sociedade civil. O levantamento, que identificou oito mil famílias aptas a fornecer alimentos e pode gerar uma injeção de R$ 3,3 milhões na economia rural da Amazônia, foi desenvolvido pelos institutos Regenera e Fronteiras do Desenvolvimento, fortalecendo cooperativas e práticas agrícolas sustentáveis.
“Essa injeção de recursos não é apenas um número. Significa o fortalecimento de cooperativas, associações e pequenos produtores que mantêm práticas que respeitam a floresta e os saberes tradicionais. É uma oportunidade real de impacto”, diz Maurício Alcântara, diretor do Instituto Regenera, uma das organizações responsáveis pelo estudo.
Para Kauê Hohn Assis, biólogo e articulador do Instituto Regenera, o cardápio funciona como uma vitrine da diversidade biocultural da região: “A floresta é também um imenso repositório de sabores, cores e texturas. Cada ingrediente carrega um modo de cultivo, uma história e um conhecimento tradicional que precisamos preservar. Essa diversidade é o retrato vivo da nossa flora e da nossa cultura”, conta.
A proposta é que o menu da COP30 se torne uma mensagem sobre o futuro da comida em tempos de crise climática. Ao valorizar produtos locais e práticas agroecológicas, a conferência pretende deixar um legado que ultrapasse os dias do evento, estimulando políticas públicas e fortalecendo redes de produtores.
“Comer é um ato político”, resume Socorro Almeida, chef de cozinha, educadora e diretora do Instituto Casa Ilharga. “Quando a COP30 traz para a mesa o alimento cultivado por quem protege a floresta, está dizendo ao mundo que a Amazônia não é apenas um tema de debate, mas um território vivo, que nutre e ensina. Cozinhar esses ingredientes é, antes de tudo, uma forma de resistência e de celebração”, afirma.
Entre o aroma do mastruz e o sabor adocicado da bacaba, a COP30 serve um banquete de sentidos. Cada prato conta um pedaço da história da floresta e das mãos que a cultivam, revelando como o alimento pode ser também um gesto de preservação e afeto. Mais do que uma refeição, é um convite à descoberta, um lembrete de que o futuro sustentável também se prova à mesa.
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