Queda de temperatura atrai ‘caçadores de neve’ em serra do Rio
Após previsão no Jornal Nacional, turistas lotam pousadas, acampam e fazem fila para entrar no Parque Nacional de Itatiaia, onde já nevou em outras ocasiões
Com gorros, cachecóis, botas e muitas blusas, caçadores de frio chegam de todos os lugares ao Parque Nacional de Itatiaia, no sul do estado do Rio de Janeiro, na esperança de ver neve neste fim de semana. Desde a última quinta-feira, quando a jornalista Maria Júlia Coutinho, responsável por noticiar a previsão do tempo no Jornal Nacional, anunciou a possibilidade do fenômeno, a procura por guias e pequenas pousadas aumentou. Equipes de TV também subiram a serra para ficar de prontidão à espera dos cristais de gelo.
De acordo com o Centro de Previsão Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe), a pequena chance de ocorrência de neve na serra de Itatiaia é a partir da tarde deste domingo, se estendendo até a madrugada de segunda-feira. As combinações para que o evento ocorra são uma forte massa de ar polar que se desloca pelo oceano, ar úmido, com condições para chuva, e baixas temperaturas. Nesta madrugada, os termômetros registraram 2,9° C no Parque Nacional de Itatiaia, onde está localizado o Pico das Agulhas, o quinto ponto mais alto do país, com 2.790 m.
A região já registrou a ocorrência de neve em outras ocasiões: em 1985, 1988 e 2012. A primeira vez foi em 1985, quando nevou nove horas seguidas e a camada de gelo demorou três dias para derreter. Voluntário do parque no grupo Anjos da Montanha Resgate, Gabriel Fichter Zaccari, 25 anos, tem a esperança de refazer a foto que o pai Vicente Zaccari fez na nevasca de 1985.
“Eu torço para que neve e para conseguir refazer a foto como a do meu pai em frente ao abrigo Alsene”, diz o voluntário, que tem preocupação com o grande número de turistas no local. “Existe o risco de neve, mas também o risco de chuva e isso aumenta a nossa preocupação por causa do número reduzido de pessoas trabalhando dentro da área”, observa. Na parte alta do Parque Nacional de Itatiaia, são quatro voluntários, seis brigadistas e quatro funcionários na portaria.
Na manhã desde domingo, o movimento foi intenso na BR-485, considerada a rodovia mais alta do país, que dá acesso ao parque. Na portaria, uma enorme fila de moradores e turistas se formou para entrar na área de preservação. Pousadas da região ficaram lotadas e alguns turistas não encontram quartos disponíveis.
Tudo lotado
“Toda vez que tem neve, aumenta o movimento. Desde a divulgação de que havia possibilidade de neve, a procura aumentou muito”, diz Olímpia Fonseca, de 61 anos, proprietária de uma pequena pousada em Vargem Grande, localizada na parte mineira do parque. Na noite de sábado, três hóspedes chegaram sem reservas, mas não encontram mais vagas. Duas pousadas localizadas nas proximidades também estão com 100% das acomodações ocupadas.
“O interesse para subir está grande. Meu telefone e redes sociais não param de [receber consulta de] gente querendo subir, mas não podemos garantir que vá ocorrer neve. Só Deus para confirmar”, diz Cesar Caffe, 33 anos, que trabalha como guia de turismo no parque desde 2013 e acompanha as estações meteorológicas. “Trabalho dentro do parque há cinco anos e nunca vi um interesse tão grande. Os dois lados da estrada já estão ocupados de carros e as pessoas continuam chegando, na expectativa da neve”, completa.
Engenheiro eletrônico e montanhista, Roberto Soares de Medonça, de 39 anos, está acampado dentro do parque desde sábado. “Eu iria embora no domingo, mas, com a chance de neve, só saio daqui na segunda-feira de manhã”, diz.
Apesar da grande expectativa gerada pelas notícias, o observador meteorológico do Sul Fluminense, Rafael Leonardo Bellan, prefere tratar com cautela a ocorrência do fenômeno. “Em 2013, havia uma onda de frio, com chances de nevar, mas não nevou. De todo jeito, neste domingo é dia de ficar de olho nos dados meteorológicos, pois as temperaturas devem cair ainda mais neste fim de tarde.”
A expectativa de neve fez o número de turistas no Parque Nacional de Itatiaia quadriplicar neste domingo. Nos fins de semana da alta temporada, que se inicia em maio e segue até agosto, a média de visitantes é de 500 por dia. Apenas neste domingo foram cerca de 2 000, segundo a direção da unidade de preservação ambiental. As filas de carros chegaram a 2 quilômetros.
Com o grande número de pessoas, a água do parque e o material de limpeza acabaram. “É um recorde de público. Não esperávamos essa repercussão toda”, disse Leonardo Cândido, coordenador de uso público do parque, que fechou para turistas às 14h, quando a temperatura já estava por volta dos 3ºC e a neblina cobria todas as montanhas. Normalmente, a entrada é permitida até 15h, mas o fechamento foi antecipado por falta de visibilidade.
Mesmo assim, os turistas continuavam a subir em busca de neve. Era por volta das 14h30 quando o empresário Camilo Granato, de 41 anos, foi barrado na portaria. Ele saiu de Volta Redonda, também no estado do Rio, na expectativa de ver o fenômeno. “Em 1985, eu era criança e vim ao parque quando nevou. Queria reviver isso.”, disse o empresário frustrado de não poder entrar. “É decepcionante.”
O montanhista carioca Vanderson Vieira, de 38 anos, saiu do Rio de Janeiro às 10h30. Como chegou ao local às 15h, passará à noite no carro para ficar na fila e ser um dos primeiros visitantes a entrar na unidade de conservação nesta segunda.
“Confesso que vim motivado pela matéria do Jornal Nacional. É um fenômeno raro e não quero perder se acontecer”, diz Vieira, que mantém um blog sobre trekking e já esteve 15 vezes na área do planalto de Itatiaia, onde já pegou uma temperatura de -8ºCs. “A umidade está perfeita para a formação da neve, mas a temperatura precisa se aproximar de zero. Acredito que possa acontecer na madrugada.”
Às 16h, os carros continuavam subindo, mesmo com o alerta da portaria fechada. As placas dos veículos eram de cidades fluminenses, Sul de Minas Gerais, São Paulo e até do Espírito Santo. “Foram três dias seguidos falando sobre possibilidade de neve. Ela não veio, mas pessoas tiveram a sensação do clima da montanha. Muitos vieram pela primeira vez”, diz Leonardo Cândido, que acredita que, se a neve não vier, a geada é quase certa. “Isso acontece sempre.”