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Processo no TCU escancara opção de governo pela cloroquina

Documentos revelam operação de guerra para fazer do medicamento a principal arma do governo no combate à pandemia

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 24 Maio 2021, 10h33 - Publicado em 23 Maio 2021, 17h17

Não é segredo para ninguém que Jair Bolsonaro e seus seguidores são fervorosos defensores da cloroquina como tratamento para  Covid-19. Em sua última live, na quinta-feira, 20,  o presidente voltou a exaltar o medicamento admitiu que tomou alguns comprimidos preventivamente durante a semana, assim que começou a sentir um mal estar – seu teste viria a dar resultado negativo. Em manifestações de apoio ao governo é comum ver participantes empunhando caixas do remédio como se fossem troféus. Não é mera retórica. Conforme VEJA revela em sua atual edição, o governo chegou a formar um gabinete paralelo  para fazer da Cloroquina sua principal arma no combate à pandemia, mesmo com a comunidade científica descartando sua eficácia contra o vírus. Agora, um processo que corre no Tribunal de Contas da União, não apenas confirma essa opção, como revela detalhes de uma verdadeira operação de guerra, montada pelo Exército Brasileiro, o Ministério da Saúde e o ministério das Relações Exteriores, para colocar o questionável plano em prática.

Trata-se do processo número 022.765/2020-4, um calhamaço com 411 documentos e mais de duas mil páginas que VEJA esquadrinhou na última semana. Ele mostra que, ao mesmo tempo em que o governo se mostrava vacilante na aquisição de vacinas, seus integrantes corriam para inundar os hospitais com 3 754 000 comprimidos da droga fabricados pelo LQFEx, o laboratório do Exército. O processo foi aberto depois que o  TCU estranhou a dispensa de licitação na compra de 900 quilos de difosfato de cloroquina, o principal insumo do medicamento, em quatro transações diferentes.

O quilo do sal, fornecido pela Sulminas Suplementos e Nutrição, empresa localizada na pequena cidade de Campanha, Minas Gerais, foi negociado a 488 reais, em março de 2020, quando a pandemia foi decretada. Três meses depois, em maio, ele passou para 1 305 reais, um aumento de 167% . O reajuste foi justificado como sendo fruto da valorização do dólar frente ao real, do reajuste no custo do frete e do crescimento da demanda pelo produto, fabricado principalmente na China. Os três fatores são corroborados pelo TCU ao longo do processo, no entanto, alguns documentos apresentados pelo Exército Brasileiro para justificar a dispensa de licitação chamam atenção.

O primeiro deles é a crença do Exército Brasileiro de que a Cloroquina seria capaz de barrar o avanço da doença no Brasil e impedir o colapso do sistema público de saúde. O medicamento “visa evitar o agravamento da doença e e o maior número de pessoas que venham a utilizar os leitos hospitalares das unidades intensivas de CTI sobrecarregando ainda mais o Sistema de Saúde nacional”, destaca o documento. O uso da cloroquina, como se sabe, não foi capaz de brecar a superlotação de hospitais, como ficou demonstrado na segunda onda de Covid-19 em Manaus.

Documento do Exército Brasileiro que justifica a dispensa de licitação para compra de difosfato de cloroquina
Documento do Exército Brasileiro que justifica a dispensa de licitação para compra de difosfato de cloroquina (reprodução/Reprodução)

Em um de seus despachos, a área técnica do TCU, subordinada ao ministro  Benjamin Zymler, destaca que o Exército Brasileiro deu início ao processo de compra e fabricação dos comprimidos de cloroquina 150 mg sem que houvesse aval do departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde, “o que pode gerar excesso ou insuficiência de produção dos medicamentos mencionados, uma vez que cabe à referida unidade do Ministério da Saúde o levantamento da necessidade do país e a fixação de um planejamento para atendê-la”, diz o documento.

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Documento do TCU mostra que Exército Brasileiro agiu sem conhecimento do Ministério da Saúde na fabricação de Cloroquina
Documento do TCU mostra que Exército Brasileiro agiu sem conhecimento do Ministério da Saúde na fabricação de Cloroquina (reprodução/Reprodução)

Para o TCU, quando o exército promove a produção em caráter independente do Ministério da Saúde, “ocorre o risco de se produzir acima do que será consumido pela população, podendo gerar excedente de medicamento, que, se não for consumido durante seu prazo de validade, poderá gerar dano ao erário, uma vez que a aplicação do recurso público não alcançou a finalidade pública a que se destinava”.

O processo de fabricação de cloroquina pelo exército mereceu também a atenção do Ministério das Relações Exteriores, comandado à época por Ernesto Araújo. Em depoimento à CPI, o ex-chanceler chegou a admitir que atuou para garantir o fornecimento da dos insumos para fabricação do medicamento e não se envolveu com a compra de vacinas. O processo do TCU evidencia a tentativa do governo brasileiro de garantir o fornecimento do sal com uma empresa indiana. “A embaixada do Brasil em Nova Deli foi informada pelo Ministério das Relações Exteriores e Comércio da Índia que a empresa Alcon Biosciences poderia fornecer três mil quilos de Difosfato de Cloroquina a 190 dólares o quilo”, diz o documento do Exército Brasileiro que tinha por objetivo justificar a dispensa de licitação na compra do insumo.

Documento do Exército informa que o Ministério das Relações Exteriores trabalhou para garantir compra de cloroquina de empresa indiana
Documento do Exército informa que o Ministério das Relações Exteriores trabalhou para garantir compra de cloroquina de empresa indiana (Reprodução/Reprodução)

Os esforços, no entanto, foram em vão. A empresa brasileira Sul Minas acabou fechando os contratos. Os preços mais em conta do que os fornecedores estrangeiros foi justificado como sendo resultante de produto em estoque. O TCU, no entanto, destaca que à despeito da justificativa ter sido aceita, não houve contratação de auditoria nem pelo Ministério da Saúde, nem pelo Exército para acompanhar o processo. O Tribunal ainda demonstrou estranheza com a quantidade de medicamento fabricado, levando-se em consideração que o Brasil havia recebido dois milhões de comprimido de Hidroxicloroquina do governo dos Estados Unidos e de uma empresa fabricante do medicamento.

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Um dos documentos apresentados pelo Ministério da Saúde no processo é assinado por Mayra Pinheiro, funcionária do Ministério da Saúde que integra o chamado “gabinete paralelo” da cloroquina. Chamada de “capitã cloroquina, ela dela o primeiro nome que aparece na nota informativa número 9 de 2020 que orienta a aplicação do remédio como tratamento para a Covid-19. Na ausência de estudos categóricos sobre a eficácia do medicamento, a médica justifica assim a opção do governo pela droga: “existem muitos medicamentos em teste, com muitos resultados sendo divulgados diariamente, e vários destes medicamentos têm sido promissores em testes de laboratório e por observação clínica, mesmo com muitos ensaios clínicos ainda em análise”. Até o momento,  mais de 400 mil pessoas morreram de Covid-19 em todo país.

+ CPI: Mayra Pinheiro poderá silenciar em algumas questões, diz Lewandowski

 

 

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