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Por dentro da mente de um estuprador

Encontrar o perfil do criminoso sexual é decisivo para a elucidação de casos como o do ataque aos turistas em uma van, no Rio de Janeiro. Em comum, todos têm a capacidade de conviver em família sem serem notados, a disposição para usar extrema violência e o hábito de sempre voltar a atacar

Por Cecília Ritto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 7 abr 2013, 09h43
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  • “São agressores que não escondem a identidade porque, para eles, essa é a utilidade da mulher. Eles escolhem locais seguros. São pessoas que convivem bem na sociedade, mas sempre vendem a fama de machão”, afirma Ilana Casoy, especialista em traçar o perfil psicológico de criminosos

    Perversos a ponto de destroçar a capacidade das vítimas de buscar justiça, os crimes sexuais são permanentemente catalogados e estudados pela psicologia forense. Nenhuma das explicações que a ciência encontra para esse tipo de violação, no entanto, serve para tirar os estupradores do grupo mais abjeto de agressores de que se tem notícia. Acima de todas as classificações possíveis, sustenta-se inabalável a certeza de que, entre outros traços, os autores de crimes sexuais desprezam a condição humana das vítimas, são capazes de recorrer à violência extrema e sempre voltam a atacar – sem remorsos.

    O estupro é um crime de repetição. Mesmo com o medo que inibe as vítimas, bastou a exibição dos rostos de três dos criminosos que atacaram uma americana e seu namorado francês, dentro de uma van no Rio de Janeiro, na semana passada, para outras duas mulheres procurarem a polícia. Até o momento, além da estudante de 21 anos, duas brasileiras também reconheceram os criminosos e os acusaram de estupro – houve outras seis denúncias de assaltos. O caso teve repercussão internacional e chocou os policiais pelo grau de crueldade e frieza dos bandidos. A jovem teve as mãos presas por braçadeiras plásticas, e o namorado, também manietado, era obrigado a assistir à cena. Quando virava a cabeça para não testemunhar a barbárie, era espancado no rosto, a ponto de ter fratura nos ossos da face.

    “Eles, com certeza, não estavam só preocupados com a gratificação sexual”, afirma Ilana Casoy, especialista em traçar o perfil psicológico de assassinos e autora de livros sobre a mente de criminosos. Entre outras investigações, Ilana ajudou nos casos do maníaco de Guarulhos (SP), do maníaco de Contagem (MG) e no de Suzane von Richthofen.

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    O trabalho de especialistas em psicologia e no comportamento dos criminosos tem importância para além das necessidades acadêmicas. A partir do conhecimento do perfil dos estupradores é possível direcionar a investigação e avançar na coleta de provas. A ciência agrupa os estupradores em cinco grandes categorias. A forma de atuação dos homens presos por violentar a estudante americana – Wallace Aparecido Souza Silva, de 22 anos, Jonathan Froudakis de Souza, de 19, e Carlos Armando Costa dos Santos, de 21 – os coloca provavelmente, segundo Ilana Casoy, entre os criminosos chamados de ‘dominadores’. “São agressores que não escondem a identidade porque, para eles, essa é a utilidade da mulher. Eles escolhem locais seguros. São pessoas que convivem bem na sociedade, mas sempre vendem a fama de machão”, descreve.

    A dissecação de casos como o dos criminosos da van levou psicólogos e investigadores a identificar padrões de ataque. Os ‘dominadores’ são estupradores que querem demonstrar virilidade e superioridade. Enxergam a mulher como uma figura submissa, com serventia exclusiva para o ato sexual predatório. E, como têm provado as novas denúncias contra o trio já identificado, mistura violência física e verbal e ataca em intervalos de cerca de 20 dias. As duas outras vítimas comunicaram ter sido violentadas no dia 23 de março e no carnaval, 12 de fevereiro. A Delegacia Especial de Atendimento ao Turista (Deat) procura outros dois envolvidos no caso – um menor de idade e um homem branco e alto, de cerca de 24 anos.

    Os estupradores ‘dominadores’ só respondem a fatos, nunca a suposições. Por isso, a Polícia Civil do Rio trabalha para confrontar os acusados com provas e informações sobre o máximo possível de vítimas. O delegado Alexandre Braga também começou a rever outras denúncias de estupro, para tentar identificar características comuns entre os acusados e as circunstâncias do ataque.

    Tipos – Cada categoria de estuprador tem especificidades importantes para a polícia. O tipo chamado de ‘romântico’ tem como característica o hábito de procurar as mesmas vítimas. E essa é uma arma para a polícia, que tenta emboscar o criminoso em uma das investidas reincidentes. Os casos investigados levam a crer que geralmente são homens solteiros, de poucos amigos, e que procuram dar ao crime características de um encontro. “É o único tipo de criminoso contra o qual a mulher ainda tem chance de reagir, pois diante de uma reação desesperada, ele é capaz de largá-la”, diz Ilana. Os ataques dos ‘românticos’ ocorrem geralmente em intervalos de uma ou duas semanas.

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    Conhecidos pela violência, os ‘vingadores’ têm por principal objetivo machucar a vítima. É um homem que sofreu, ou pelo menos imagina ter sofrido alguma injustiça de uma mulher. Quase sempre esse estuprador conhece a vítima e ataca em intervalos maiores, a cada seis meses ou um ano. “Para estes, o sexo é uma agressão, momento no qual ele mostra raiva e humilha a vítima”, observa Ilana. Já o tipo ‘sádico’ tem potencial para se tornar um serial killer. Em geral, sabe escapar da polícia e dificilmente tem antecedentes criminais. Alguns apresentam transtornos psiquiátricos, planejam o crime com cautela e erotizam a violência. “Ele vai aumentando o grau de violência em relação à vítima até a hora em que a mata”, afirma. Foi esse o caso do maníaco do parque – que confessou ter estuprado e matado dez mulheres em 1998 na região do Parque do Estado, na capital paulista -, que agia sempre da mesma forma e terminava matando as vítimas. Os investigadores concluíram que o objetivo dele era machucar as mulheres, a quem culpava pela disfunção erétil.

    O quinto tipo é o ‘oportunista’, cuja motivação inicial não era estuprar. Isso acontece em casos de assalto a residências. O objetivo do crime é apenas se apropriar de objetos de valor, mas o criminoso enxerga na situação indefesa da mulher a oportunidade para o abuso sexual.

    Especialistas são taxativos ao dizer que o estuprador – de qualquer tipo – não é necessariamente um criminoso com problemas psicológicos. Atos como o de cortar ou desligar o telefone da vítima, imobilizar com uso de cordas, adotar rituais como o de dar banho na vítima não significam necessariamente transtornos. Em vez disso, indicam o grau de experiência do criminoso.

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    “Existem muitos estupradores com transtorno de personalidade. Há os que têm anomalia na formação da personalidade, principalmente na parte sexual. São pessoas inseguras, sem capacidade de conquistar uma mulher e, normalmente, acham que o desempenho sexual é ruim. Ele só consegue ter sexo à força, nunca em uma relação de igualdade”, explica Miguel Chalub, professor de psiquiatria da UERJ.

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    Dentro do universo de estupradores com patologia, a mais comum é a psicopatia. O psicopata tem como principal característica a falta de culpa e de remorso. É uma pessoa sem empatia em relação a outros seres humanos e incapaz de prever as consequências dos seus atos. “Toda doença mental é multifatorial. Grande parte dos psicopatas apresenta transtorno de conduta quando criança. São pessoas que viviam em ambientes violentos e socioeconomicamente ruins, sem a figura de uma pessoa cuidadora. Além dos fatores ambientais, há também os biológicos, mas para estes as pesquisas ainda estão em fase inicial”, diz o psiquiatra Antônio de Ávila Jacintho, pesquisador do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Unicamp.

    A recuperação de um criminoso sexual por tratamento psiquiátrico existe, mas não é simples nem usual. Além de dispendioso, é dificílimo tratar alguém que não acredita ter culpa, ou sequer considera que cometeu um crime, afirmam os especialistas. Entre os profissionais dedicados a esse tipo de tratamento, é infinitamente maior a preferência por atender as vítimas, não os autores. O resultado é o esperado: estupradores, depois de algum tempo presos, voltam para as ruas e cometem outros abusos.

    A saída não está, portanto, em práticas ou políticas de tratamento, mas na eficácia das investigações, nas estatísticas criminais e na segurança pública – todas deficientes na maior parte do país. “Hoje, no Brasil, são oferecidas drogas anti-impulsivas e psicoterapia comportamental. A eficiência é limitada. Acho excelente a terapia hormonal, como nos Estados Unidos. É uma alternativa que se deveria considerar. Mas aqui todos os que se dizem politicamente corretos atacariam a ideia”, afirma o psiquiatra José Geraldo Taborda, da Associação Brasileira de Psiquiatria. Em parte dos estados americanos, é permitida a castração química, na qual se injeta hormônios que bloqueiam a testosterona, tornando um abusador contumaz alguém sem capacidade ou ímpeto para cometer ataques.

    Nos Estados Unidos, além das formas de punição, a sociedade civil passou a adotar a prática de difundir informações sobre os condenados por crimes sexuais – em especial os de pedofilia. Sites que oferecem dados de criminosos sexuais em liberdade condicional informam endereço, nome e até exibem fotografias dos abusadores. Na Califórnia, onde uma lei proíbe que um criminoso sexual condenado viva a menos de 600 metros de parques públicos, moradores começaram a adotar um procedimento curioso: com pedidos às autoridades locais, são construídos pequenos parques para ocupar áreas como terrenos, sobras de terreno e outros espaços públicos. Assim, empurram para longe de suas casas os condenados por estupro, pedofilia ou outros abusos.

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