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Policiais faturam alto com exibição de cenas de operações na internet

Um dos canais, que tem 3,6 milhões de inscritos, rende a seu idealizador, com oito anúncios a cada vídeo, até 350 000 reais mensais

Por Marina Lang Atualizado em 4 jun 2024, 12h48 - Publicado em 17 set 2021, 06h00
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  • Com uma câmera acoplada ao ombro direito, o delegado Carlos Alberto da Cunha, 43 anos, dá instruções aos subordinados em uma operação para prender “Jagunço”, suspeito de ser matador do PCC, o maior grupo criminoso do país. Em seguida, vira-se para explicar a seu público como vai se desenrolar a diligência coordenada por ele. O criminoso, com o rosto borrado para driblar a Lei do Abuso de Autoridade, é preso no, digamos, capítulo final. Todo esse espetáculo, produzido com iluminação e câmeras profissionais, drones, roteiro e edição, está disponível no canal de Da Cunha no YouTube, onde a série de três episódios acumula quase 30 milhões de visualizações. O canal, que tem 3,6 milhões de inscritos e rende a seu idealizador, com oito anúncios a cada vídeo, até 350 000 reais mensais, levanta a questão: pode um servidor público se aproveitar dessa forma de seu emprego, exibindo bastidores de operações e fazendo uso de imagens de policiais que portam armas do arsenal do estado e se deslocam em viaturas da Secretaria de Segurança?

    Da Cunha pediu afastamento do cargo de delegado em junho, depois de uma live vociferando contra os colegas mais velhos — “ratos e raposonas” da corporação, na sua definição —, mas continua fazendo e acontecendo na rede. Em postagem recente, divulgou foto armado e sozinho, em pose heroica, na Cracolândia paulistana. Ele está sendo investigado pelo Ministério Público estadual por improbidade administrativa, “ostentando uniforme e distintivo de forma incompatível com a envergadura do cargo e promovendo a empresa privada da qual é sócio”. Filiado ao MDB, planeja, segundo pessoas próximas, se candidatar a deputado federal.

    A POSTOS - Monteiro: fora da polícia, continua postando suas “ações” -
    A POSTOS - Monteiro: fora da polícia, continua postando suas “ações” – (Reprodução/Instagram)

    Operações policiais reais como entretenimento se popularizaram com Cops, a série americana que permaneceu no ar por mais de trinta anos, até ser abatida, no ano passado, pelo clamor das denúncias de brutalidade policial nos Estados Unidos. A principal diferença de Cops para os shows de agora é que estes são obra direta de agentes da polícia loucos para ficar famosos. Existem cerca de 100 canais de policiais brasileiros no YouTube e os cinco mais vistos ultrapassam 1 bilhão de visualizações. Em diversos casos, a fama de influenciador se transmutou em carreira política — caso do vereador Gabriel Monteiro (PSD), terceiro mais votado do Rio de Janeiro, e do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Mesmo tendo saído da PM, Monteiro segue postando vídeos supostamente em ação — em setembro, publicou um “prendendo em flagrante” um homem que teria agredido mulheres. Calcula-se que a atividade artística lhe renda até 1 milhão de reais em bons meses. Silveira, preso por ameaçar ministros do STF, também se elegeu montado na popularidade que a internet proporcionou.

    O canal Polícia em Ação, com mais de 130 milhões de visualizações, mostra a rotina do PM Allyson Monteiro, 29 anos, em Colatina, Espírito Santo. Entre perseguições, abordagens e prisões, pipocam na tela anúncios de redes de supermercados e formas milagrosas de ganhar 1 milhão de reais. Já o Soldado Marcelo, policial militar de Campinas, no interior de São Paulo, e piloto de motocross, investe em perseguições alucinantes filmadas em vídeo, que já lhe renderam mais de 90 milhões de exibições. “Esses policiais usam o aparato do Estado para ganho pessoal, aproveitando-se de um vácuo legal”, critica Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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    A ORIGEM - Cena de Cops: o reality show americano ficou no ar por trinta anos -
    A ORIGEM - Cena de Cops: o reality show americano ficou no ar por trinta anos – (//Reprodução)

    Policiais mundo afora postam suas aventuras nas redes sociais (afinal, quem não?), mas dentro de um conjunto de regras. No Reino Unido, o conteúdo dos vídeos tem de ser pré-­aprovado e seguir um rígido código de conduta. Nos Estados Unidos, cada estado tem suas normas, mas policiais que se excedem são punidos e até expulsos. “Quando agentes da lei veiculam seus próprios vídeos, a separação entre programa de TV e realidade se dilui, o que os torna mais assustadores e menos eficazes. Transmite-se uma pequena porção do que realmente ocorreu e sob uma perspectiva particular e limitada”, disse a VEJA o sociólogo americano Barry Glassner, autor de Cultura do Medo. Procurada, a Polícia Militar do Rio de Janeiro informou que “desenvolve estudo para produzir norma específica para o assunto”. O Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil, por sua vez, pretende levar a seu próximo encontro, em dezembro, uma proposta de limites para exposição em páginas pessoais. Enquanto isso, os Rambos da internet seguem ganhando fama — e lucrando.

    Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756

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