Polícia a serviço do tráfico é prova cabal da falência da guerra às drogas
Em artigo para VEJA, especialistas comentam o lamentável caso de agentes presos por envolvimento no tráfico, uma grande anomalia
Quatro policiais civis foram presos na quinta, 19, por escoltar 16 toneladas de maconha para a principal facção criminosa no Rio de Janeiro. Um dia depois, a PF fez operação para levar à prisão agentes do mesmo estado responsáveis pelo desvio de 280 quilos de cocaína de uma apreensão.
As notícias são tão bizarras quanto graves. O sistema de Justiça Criminal do estado do Rio de Janeiro tem orçamento de mais de R$15 bilhões anuais, segundo dados do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Cerca de 11% desse valor é aplicado na Polícia Civil, que prende diariamente usuários e pequenos varejistas.
Os alvos das operações, que se identificam como pretos, analfabetos e de baixa renda, e são amontoados em celas pequenas e condições precárias nas cadeias do país.
É dentro das prisões que as organizações do narcotráfico aliciam novos membros. Os recém-chegados têm duas escolhas: ou você está com a facção ou está contra ela. Cumprida a sua pena, essa pessoa volta à liberdade, mas com dívidas e comprometida com a facção da qual passou a fazer parte. Se optar por não participar, é possível que nem saia vivo de lá. E assim o ciclo perverso do encarceramento em massa segue inflando as cadeias nacionais e o contingente.
Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, cada pessoa encarcerada no Brasil custa cerca de R$ 26.628,84 por ano aos cofres públicos. Quase dois salários mínimos por mês é o que eu e você pagamos para facilitar a entrada de novos integrantes às facções criminosas que hoje monopolizam a venda de drogas no Brasil.
A Polícia Civil representa o estado e tem, dentre as suas atribuições, o dever de coibir o tráfico de drogas. As más condições de trabalho dos policiais no Brasil os tornam também suscetíveis à corrupção diante dos volumes impressionantes do tráfico.
O STF começou a debater a pauta. Há 5 votos que entendem que criminalizar a posse ou o uso de maconha fere direitos constitucionais e 1 contrário à descriminalização. A votação da pauta na Suprema Corte está suspensa desde agosto deste ano.
Argumentando que descriminalizar o uso sem legalizar o comércio da maconha não faria sentido, a bancada do Senado alinhada ao presidente da casa Rodrigo Pacheco apresentou uma PEC. A proposta promove a manutenção do status quo. Opta por prender, matar e cobrar a fatura do contribuinte, enquanto acena para a sua base conservadora, e terá como única consequência mais violência e mais pessoas encarceradas.
O legislativo poderia definir as regras, estrangular o comércio irregular, aliviar os custos do sistema prisional e ainda gerar impostos a partir das vendas reguladas de maconha, assim como fizeram o Uruguai, Canadá e a Califórnia com muito sucesso.
Reforçar a Guerra às Drogas é tentar estancar uma ferida cada vez maior com um curativo tão antigo quanto ineficaz, além de extremamente caro em termos morais, sociais e financeiros. Precisamos de uma nova forma de tratar o tema, a repressão e a violência estatal crescem sem apresentar resultados positivos. É hora da República tratar a questão das drogas com mais inteligência e em benefício do interesse público.
Seja contra ou a favor da maconha, é consenso que o tráfico não beneficia ninguém além dos grupos que lucram com ele. A única forma de controlar o comércio de maconha é legalizar e essa hora chegou.
*Emilio Figueiredo é advogado, mestre em Justiça e Segurança, conselheiro no Conselho Nacional de Política de Drogas, membro da Comissão da Cannabis Medicinal do Conselho Federal da OAB e fundador da Rede Reforma. Defende usuários, cultivadores, ativistas, pacientes, pesquisadores, associações de Cannabis e de outras substâncias.
Viviane Sedola é empreendedora de impacto e conselheira no Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável da Presidência da República. Fala sobre cannabis, tecnologia, startups, políticas públicas e o papel da mulher nesses espaços.