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Página Aberta: Autoescola nunca mais

A emissão da carteira nacional de habilitação (CNH), cara e excessivamente controlada, é uma reserva de mercado corporativista que já não se justifica

Por Kátia Abreu*
Atualizado em 13 mar 2020, 10h38 - Publicado em 13 mar 2020, 06h00

Minha caminhada tem uma razão de ser: é a favor do Brasil e de seu futuro. Acredito que parte da responsabilidade de fazer com que o país avance cabe a nós. O nós, que digo, não diz respeito apenas a mim. A nós, como geração, para buscar um desenvolvimento econômico e social mais inclusivo, mais justo e, sobretudo, mais humano.

Na luta por avanços, é importante combater corporações, cartéis e monopólios que visam aos próprios interesses — em detrimento da maioria. Nesse sentido, apresentei no Senado um projeto de lei (PL 6485/2019) que elimina a obrigatoriedade da autoescola e garante a primeira carteira nacional de habilitação (CNH) gratuita a todos.

Meu objetivo é quebrar a roda de interesses corporativos que burocratiza, encarece e dificulta a concessão do documento — essencial na busca de vaga no mercado de trabalho e no exercício do direito à liberdade de ir e vir. O custo da CNH é impeditivo para grande parte da população. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística (IBGE), temos 52,5 milhões de pobres e 13,5 milhões de extremamente pobres. Somados, eles equivalem a um terço da população. Atualmente no Brasil um total de 84 milhões de pessoas acima de 18 anos não tem CNH, enquanto o número de habilitados para dirigir não chega a 74 milhões.

Sempre me pergunto se essas pessoas estão sem a CNH porque não querem esse documento ou por não terem condições de pagar por ele, que, em alguns estados, chega a custar 5 000 reais. Na média, não sai por menos de 3 000 reais.

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Pelo meu projeto, a carteira será acessível a todos — pobres, ricos e remediados —, mas beneficiará sobremaneira a parcela da população mais pobre. Pretendo manter todas as exigências das normas de segurança no trânsito em vigor no país, mas autoescola obrigatória nunca mais. Essa imposição não passa de proteção corporativa.

O alto custo da carteira no Brasil se deve a dois fatores: as taxas cobradas pelos Detrans estaduais e o valor pago às autoescolas para a realização de aulas teóricas e práticas. As aulas da autoescola representam 80% do custo da CNH. Você leu direito: 80%. Embora legal, a exigência da autoescola é uma perversidade contra quem está sem dinheiro, sem emprego e precisa do documento. Não há justificativa aceitável para isso.

Nos Estados Unidos, onde a carteira custa em média 50 dólares — quantia que equivale a menos de 10% do preço praticado no Brasil —, não há a obrigatoriedade da autoescola. Na Flórida, a prova de direção é realizada com os carros disponíveis no setor encarregado das licenças.

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Se aprovado na prova prática, o candidato recebe na hora um protocolo e, depois de trinta a cinquenta minutos, pode retirar a driver’s license (licença para dirigir) mediante o pagamento de 20 dólares. Somando as taxas, mesmo com a alta do dólar, o custo lá equivale a 240 reais.

Não precisamos manter leis que beneficiam poucos e criam empecilhos para muitos. O que está por trás da auto­es­co­la é mais uma reserva de mercado que não se justifica, em pleno século XXI, em um país com essa quantidade de pobres, com essa quantidade de desempregados no desamparo. É uma injustiça! Sem carteira de habilitação quase não há emprego.

Meu projeto diz “sim” ao instrutor independente nas categorias A e B. Poderá se cadastrar no Detran para essa função quem tiver mais de três anos de habilitação e idade superior a 25 anos. O veículo a ser utilizado nas aulas será devidamente identificado. Com isso, a autoescola deixa de ser obrigatória e passa a ser opcional. Faz quem quiser e quem puder. A verdade é que a autoescola não tem o monopólio do ensinamento da direção segura nem representa salvo-conduto para assegurar a qualidade de um motorista. A responsabilidade de testar e aprovar os novos motoristas continua sendo dos Detrans. Cabe a eles exigir, como ocorre hoje, o cumprimento de normas rígidas para garantir a segurança do trânsito.

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“Nada deve impedir que uma mãe, um pai, um irmão ou tio possam ser instrutores independentes”

Aprendi a dirigir com meu pai no tempo em que a autoes­cola não era obrigatória. E passei de primeira na prova do Detran. Na vida real, quase toda família tem ótimos instrutores. Nada deve impedir que uma mãe, um pai, um irmão ou um tio possam ser instrutores independentes. Até quando vamos obrigar quem está de bolso raspado a pagar autoescola?

Todos os fins de semana eu visito as cidades do meu estado, o Tocantins. Converso olho no olho com as pessoas. Sei a importância da CNH como instrumento de trabalho em todos os setores, a começar pelo transporte por aplicativos. Sem contar que facilitar a aquisição da carteira evitará acidentes. Um milhão de brasileiros foram autua­dos em 2019 por estar sem a carteira de motorista.

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Além do instrutor independente, proponho que parte da receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito financie a gratuidade dos demais custos de obtenção da primeira CNH para quem pleiteie o documento nas categorias A ou B ou precise mudar de categoria com obje­tivo profissional.

De 2014 a 2018, foram arrecadados 43,5 bilhões de reais com multas de trânsito. No mesmo período, foram arrecadados 7,8 bilhões de reais com as taxas que incidem sobre a carteira de motorista. É um absurdo, mas os Detrans e outros órgãos estaduais viraram órgãos arrecadatórios que esfolam o contribuinte a qualquer preço e custo. Sem contar o fato de que são usados frequentemente como instrumento de corrupção pura e deslavada.

Defendo a ideia de que pelo menos parte da arrecadação obtida com essas multas de trânsito passe a ser investida no próprio trânsito, como determinam as leis em vigor no país. E que essa verba sustente a CNH gratuita. Considero que a CNH — assim como a carteira de trabalho, o CPF e a carteira de identidade — é um direito de quem tem mais de 18 anos e foi aprovado no exame do Detran.

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A boa verdade é que nosso país só vai avançar de fato quando reduzir consideravelmente a pobreza e a desigualdade de renda. As pessoas têm de estar no centro da nossa ação política. Isso significa que nossas decisões precisam ser sentidas pelas pessoas no emprego, no nível de satisfação, consumo, autoestima, confiança, otimismo e esperança.

A luta por melhores condições de vida para nosso povo é que deve nos unir. Como escreveu Paulo Coelho, “com a força de nosso amor e de nossa vontade, podemos mudar nosso destino, bem como o destino de muitos outros”.

* Kátia Abreu (Progressistas-TO) é senadora da República

Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678

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