Os bastidores da prisão do lobista que corrompia juízes e vendia decisões no STJ
De acordo com investigações, há evidências de que ele conseguiu materializar sentenças de interesse de seus clientes em pelo menos quatro gabinetes do STJ
A biografia do advogado Andreson de Oliveira Gonçalves ainda é cercada de vários mistérios. Em Brasília, onde construiu parte de sua fortuna, pode-se dizer que ele era um desconhecido até outubro passado, quando VEJA revelou os detalhes de uma investigação sigilosa da Polícia Federal em que seu nome aparecia como operador de um esquema de venda de sentenças do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Aos poucos, detalhes foram surgindo. Soube-se que o advogado, sua esposa e seus sócios tinham uma carteira invejável de clientes, que incluía grandes empresas, bancos, fazendeiros e produtores rurais. Soube-se que ele cultivava amizades influentes, especialmente com funcionários hierarquicamente bem posicionados em órgãos públicos e instituições ligadas ao Judiciário, usava esses contatos para obter decisões que beneficiavam seus contratantes, subornava juízes e cobrava altíssimas quantias pelo serviço. Após o escândalo, descobriu-se que Andreson nem sequer tinha registro profissional para atuar como advogado. Na terça-feira 26, ele foi preso.
O advogado na verdade era um lobista que usava o acesso que tinha a certos gabinetes importantes para comprar facilidades. De acordo com investigações da Polícia Federal e do Conselho Nacional de Justiça, há sólidas evidências de que ele conseguiu materializar sentenças de interesse de seus clientes em pelo menos quatro gabinetes do STJ, a segunda Corte mais importante do país. Responsável pelo inquérito por envolver autoridades com prerrogativa de foro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, além de decretar a prisão de Andreson, autorizou buscas em dois estados e no Distrito Federal, afastou servidores de suas funções e determinou que alguns suspeitos passassem a usar tornozeleira eletrônica. A mulher do lobista, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves, também estava na lista. Segundo a PF, ela era parceira do marido na trama. Os dois são acusados de corrupção ativa, exploração de prestígio, violação de sigilo funcional e organização criminosa.
Ex-vendedor de uma rede varejista em meados dos anos 90, o lobista é conhecido em Cuiabá (MT), onde mora e foi preso, como um bem-sucedido empresário do setor de transportes de carga, fazendeiro, dono de postos de gasolina, um hotel, uma empresa de táxi aéreo e um jato que tem as iniciais do casal bordadas nas poltronas. Mirian também tem um histórico de sucesso profissional. O escritório dela funciona no bairro mais nobre da capital. Mesmo sem pertencer a nenhuma grande banca de advocacia, nos últimos anos ela atuou em mais de 200 processos apenas no STJ e tem uma lista de clientes que reúne, entre outros, o cantor sertanejo Zezé Di Camargo. Procurada, a assessoria de Zezé Di Camargo não respondeu nem como nem quando ele conheceu Mirian, mas garantiu que a relação entre ambos é “exclusivamente comercial”. A JBS não se manifestou.
Amigo e sócio do advogado Roberto Zampieri, assassinado em uma emboscada no final de 2023, Andreson é peça-chave nas investigações que indicam que servidores dos gabinetes dos ministros do STJ Nancy Andrighi, Og Fernandes, Isabel Gallotti e Paulo Moura Ribeiro vendiam decisões dos magistrados em troca de propina. A polícia apreendeu mais de 3 500 arquivos de mensagens trocadas entre o advogado e o lobista. Há nelas relatos de extorsão, cobrança de pagamentos a servidores, comprovantes de depósitos bancários e provas de que as sentenças eram manipuladas. Os ministros, ao que tudo indica, não sabiam nem se beneficiaram do esquema de corrupção. A PF também rastreia a atuação de Andreson em venda de sentenças em três tribunais estaduais — Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. “Os elementos colhidos estão longe de serem desprezíveis e demonstram um empreendimento criminoso revestido de complexidade e ousadia, que movimentou ou ainda movimenta vultosas quantias monetárias para o alcance dos fins pretendidos”, registrou Cristino Zanin em uma das decisões.
Antes de ser preso, o lobista disse a VEJA que não tinha nenhum envolvimento com venda de sentenças, mas não soube explicar as mensagens apreendidas pela polícia nas quais aparece falando abertamente sobre os métodos que usava para conseguir decisões de ministros do STJ, juízes e desembargadores dos tribunais estaduais. “O que estão fazendo comigo é uma crueldade. Não conheço nenhum ministro, chefe de gabinete, ninguém, nunca pisei lá. No futuro vou provar que me pegaram para Cristo”, garantiu. Por fim, ainda fez uma ressalva para deixar claro que não tinha nenhuma ligação com a área jurídica. “Nem advogado sou”, afirmou. Foi a única coisa realmente verdadeira que o lobista disse em sua defesa. Em um processo que tramita no STJ, o nome dele aparece como representante de umas das partes, inscrito na OAB sob o número 25965/PA. A Ordem dos Advogados do Brasil confirmou que o registro é falso.
Colaborou Hugo Marques
Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921